sábado, 4 de novembro de 2023

Born, never asked, um poema de Bruno Madeira


há dias que se passam despercebidos
coisas que passam despercebidas
quando se anda com os olhos às pernas
a mente aos relógios
o peito a memórias

despercebidas
como um falso silêncio
um grito no deserto
um tombo que se toma no espaço
meu amor estamos cada vez menos perceptíveis
qualquer dia Deus nos esquece e
já era

quando pequeno
tive uma hérnia no umbigo
devido a força que fazia ao chorar
(você já pensou quanta força é necessária pra chorar?)
diferente de nós
a lagrima dos bebês nem sempre está atrelada a tristeza
mas muitas vezes um frenesi absoluto

há o desejo de ser percebido e tudo que isso corrobora
ser querido

ontem William morreu atropelado entregando comida
o trabalho por aplicativo é árduo e competitivo
é competir pra viver
o assassino ainda não foi encontrado diz a polícia
e ao que sabemos
nem vai

há mortes que passam despercebidas
quando o terrorismo se faz vivo em nosso corpo
nesse caso, é tudo guerra e campo minado que tocamos
temos braços pra gritar ajuda
acenar desejos

minha mãe que não tá mais viva
tinha pernas e sonhos
podia ir a qualquer lugar com eles
contanto que viva
e com suas pernas
e com seus sonhos

seu filho
que sou eu
por falta de sonhos aprendeu cedo a correr em círculos

é preciso aprender a duração das coisas
a cartilagem
o orifício
o tempo do tempo dum poema

acho a vida algo particularmente milagroso (pra não ser tão meloso)
algo belo demais pra se estar sem querer Bruno Madeira

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