O que se pensa não é o que se canta.
Difícil sustentar um raciocínio
com a rima atravessada na garganta.
Mesmo o maior esforço não adianta;
da sensação à idéia há um declínio,
e o que se pensa não é o que se canta.
Difícil, sim. E é por isso que encanta.
Há que sentir — e aí está o fascínio —
com a rima atravessada na garganta.
Apenas isso justifica tanta
dedicação, tanto autodomínio,
se o que se pensa não é o que se canta,
mesmo porque (constatação que espanta
qualquer espírito mais apolíneo)
a rima atravessada na garganta
é o trambolho que menos se agiganta
nesse percurso nada retilíneo,
ao fim do qual se pensa o que se canta,
depois que a rima atravessa a garganta.
Paulo Henriques Britto
domingo, 26 de novembro de 2023
Ossos do ofício
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