segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (IV)

IV. Tempo de homens partidos

Em Na Praça dos Convites, o tópico explorado é o choque social. Drummond procura um significado para o ofício poético no mundo contemporâneo, como relata o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Roberto Said:

Moderno por excelência e desdobrado ao longo de quase todo o século 20, esse processo de subjetivação deflagrado pelo poeta itabirano revela uma dimensão eminentemente reflexiva e filosófica, com a qual se desenvolve e se abre ao mundo, de modo a expandir, para um universo de interesses coletivo e histórico, o campo individual da experiência. (SAID, 2020)

O poeta aborda temas que tangiam a sua atualidade. Há a constante presença de sua inquietude perante o mundo e a forma de se viver: incômodos e desamparos nos âmbitos político (observado em textos como Congresso Internacional do Medo), social (como nos poemas Nosso Tempo e Anúncio da Rosa), trabalhista (visto em Elegia 1938), afetivo (como em Coração Numeroso e Os Ombros Suportam o Mundo).

O autor viveu e produziu plenamente na Era Vargas (1930-1945), onde diversas transformações sociais, políticas e econômicas ocorreram, incluindo um golpe de Estado, promovido pelo então presidente Getúlio Vargas, em 1937. Simultaneamente, ocorria a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Era, portanto, um momento profundamente conturbado, e isso se reflete em sua obra, como evidenciado nessa passagem de Elegia 1938:

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

O medo, a revolta e o desejo e procura por um mundo melhor são sensações constantes neste conjunto. Isso é exemplificado nestes fragmentos de Nosso Tempo:

IV

É tempo de meio silêncio,

de boca gelada e murmúrio,

palavra indireta, aviso

na esquina. Tempo de cinco sentidos

num só. O espião janta conosco. (...) 

 

VIII 

 

O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

prometa ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta

um verme.


Nessa divisão, o poeta se utiliza da poesia para denunciar os horrores observados no cotidiano, como observado no poema A Morte do Leiteiro e O Desaparecimento de Luísa Porto.

Através de uma contorcida escrita do eu, sua visão de mundo não só nos remete ao universo sociopolítico propriamente mineiro, de que os poetas do século XVIII da cultura do ouro são referência obrigatória, como também nos permite uma elaborada visão do roteiro moderno do Brasil no contexto das nações. (SANTIAGO, 2002)


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