domingo, 8 de maio de 2011

CHUCRUTE&BRONZE

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Sábado, como é de costume a cada 15 dias, fui a Feira do Troca. Sempre na Praça XV, a feira ocorre embaixo do viaduto da perimetral, para ser mais exato. O lugar não é dos mais convidativos na minha opinião, mas o cheiro das velharias, das raridades e do bom preço me agrada demais. Nesse dia, apesar de não ser de costume, não queria me demorar, estava cansado e não queria ficar procurando coisas novas, nem pechinchar. Uma das minhas raras visitas com objetivo. Fui comprar uma agulha nova para minha vitrola, que alguém havia me feito o favor de quebrar (morar com os pais tem seus pontos baixos). Assim que saí da barca, fui a passos largos em direção às barracas de discos e logo na primeira encontrei o que havia ido buscar. Com a minha agulha novinha em folha na mão, decidi voltar a passos também largos para as barcas, mas fui tão rápido que nem me lembrei de que aos sábados as barcas funcionam com intervalos de meia hora. Pensei em ir até o ponto de ônibus, mas minha preguiça “sabatomatutina” me impedira. Pensei, então, em dar uma volta pela feira até a chegada da barca para voltar para casa. Passei pelas barracas de quadrinhos, nada de novo. Nas barracas de DVDs, os preços continuavam altos e os vendedores irredutíveis. Cambada de mal-amados que vão morrer abraçados aos filmes! Já assisti à maioria, mas queria alguns para minha coleção, por isso os invejo e não é inveja boa, se que é existe esse negócio de inveja boa. Perto da escadaria, como sempre, estavam os “vendedores” de celular. Dizem que com eles você consegue comprar os aparelhos mais modernos a preço de banana. Mas, nem quando meu último celular “morreu”, eu cheguei perto daqueles caras. Meu amigo que me levou à feira pela primeira vez, um dia resolveu fazer barganha com eles, achando que faria um ótimo negócio. Enquanto negociava, se arrependeu, ou, em outras palavras: num arroubo moralista percebeu que os aparelhos eram roubados e resolveu não participar da receptação, digo... “negociação”. Quando entrou no carro, percebeu que havia perdido seu celular. O dele mesmo, que havia levado cogitando uma troca. Resolveu, então, voltar e comprar “qualquer coisa” para não ficar incomunicável. Voltou apenas para que lhe fosse oferecido o seu próprio celular. Ai! Como eu amo essa feira! Tem dessas coisas, mas é só não dar mole. Mais perigoso do que ser furtado, só o caldo de cana da barraca central. Bebeu, Morreu e Arsênico da Moenda são os apelidos do líquido (não merece ser chamado de caldo de cana) vendido nessa barraca, logo, acho que não preciso falar muito sobre a qualidade e os efeitos (que seu humilde cronista já sentiu) provocados por ele.

Já perto da hora de partir, me dirigia à estação das barcas, olhando os produtos expostos nas barracas. Acho sempre muito engraçado como a maioria delas tem sempre as mesmas coisas à venda. É possível até utilizar alguns produtos como ponto de encontro. O enorme catálogo cultural de capa dura estampada por um palhaço de sorriso singelo e o vestido florido de grávida expostos logo no início da feira são ótimos pontos de encontro. Cansei de dizer “Me encontra no palhaço!” e “Te vejo embaixo do vestido!”. Fez ou outra alguém ouvia por alto e franzia a testa, o que era muito engraçado. Resolvi dar uma olhada em uma barraca que sempre me chamou a atenção, mas, não sei por qual motivo, nunca havia chegado perto. Ela é bem parecida com as outras, um pouco mais organizada talvez, chamava atenção pela enorme bandeira Dixie hasteada num enorme mastro improvisado ao lado. Quando cheguei mais perto, percebi que havia todo tipo de material relacionado a guerras. Cantis, facas, capacetes e até fardas. “Tudo original e usado em combate!”. Era assim que um senhor que parecia ser o dono da barraca, com uma energia, ironicamente belicosa descrevia alguns itens para um rapaz. Achei aquilo muito interessante, o cheiro de história que dali exalava era forte. Como um bom adorador de coisa velha, resolvi levar algo de lembrança, nada caro. Olhei para um mural pendurado do meu lado e vi vários patches bordados, daqueles que você passa a ferro e eles colam na sua roupa. Enquanto meus olhos curiosos corriam o enorme quadro de feltro, o rapaz esticou um braço, passando na frente do meu rosto para pegar uma bandeira do mural. Eu, absorto com a minha difícil escolha diante de tantas opções, tomei um susto. Mas, meu susto maior foi ver que o patch que o rapaz estava segurando era todo preto com as letras SS, em branco, no meio. Pois é, era o símbolo da Schutzstaffel, uma espécie de polícia nazista. Olhei em volta e, numa epifania muda e em preto e branco, vi que ninguém parecia constrangido.Olhei de novo para o mural à procura de uma suástica. Queria ver a seriedade da coisa. Não vi nenhuma, mas fiquei com a sensação de que elas “aparecem” se você souber como pedir. Fiquei também com uma pergunta na cabeça: “Quem usaria um símbolo daqueles?”. Sei que em São Paulo há alguns grupos neonazistas e que de vez em quando fazem uma besteira digna de noticiário, mas, aqui no Rio, não esperava uma coisa dessas. Acho que por estas bandas, não fizeram nada digno de noticiário. Ainda. Me senti ingênuo e com medo. Medo dos nazistas bronzeados da Praça XV.

João Arthur da Silva Souza

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João Arthur da Silva Souza ficou em segundo lugar na categoria "prosa" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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