quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Um poema de Roberta Lahmeyer


    O céu desce
fica a dez centímetros de mim
    Acho que se eu levantar a mão
posso alcançar uma estrela
     Mas continuo imóvel
Pensando


Roberta Lahmeyer

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Um poema de Iuri Mello


Eu odeio a métrica
porque o verso quebra
e eu fico na merda

uma hora penando
e a palavra não cabe 
a métrica que se dane


Iuri Mello

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Angra I


teu sono
que eu levo na esportiva
esse brinquedo de me deixar a sós
interpretá-lo

como as confusas placas que vão brotando
pela Avenida Brasil

por muito tempo indo
estávamos voltando


Ismar Tirelli Neto

 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

CANÇÃO DO DESESPERO


Um homem bateu em minha
porta e eu abri. Senhoras e
senhores deitados no chão,
senhoras e senhores eu não
estou só, senhoras e senhores
meu filho está com fome e eu
moro na rua.


Daniel Viana

PLÁSTICO BOLHA: CHAMADA DE TEXTOS 2025!!!


O Jornal Plástico Bolha está com Chamada Aberta para o recebimento de textos para 2025! Todos os poemas, contos, ensaios, narrativas curtas, charges, divulgação de projetos serão bem-vindos. Estamos perto de entrar em nossa terceira década de vida com a alegria de seguir de portas abertas para autores, sem distinções! Leia, divulgue, escreva, envie, comente, participe! Ploct! 

Envie seu material pelo e-mail: jornalplasticobolha@gmail.com

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Adeus ao grande Cacá Diegues




Ontem, o Brasil foi surpreendido com a notícia da perda do cineasta e pensador Cacá Diegues. Em meio a tantas — e devidas — homenagens a este alagoano, ícone do cinema brasileiro, nós do Plástico Bolha nos sentimos no humilde dever de acrescentar esta nota de pesar, mas também de muita gratidão. Assim como muitos na cultura brasileira, o Jornal Plástico Bolha também teve a alegria de ser ajudado por Cacá na época de nosso financiamento coletivo. Para além do valor doado, a honra de ser apoiado por Cacá e de contar com sua confiança em nosso projeto é o que ficou de mais precioso para nós.

Fora isso, não podemos deixar de mencionar que sua filha, Isabel Leão Diegues, que hoje brilha nas edições da editora Cobogó, fez parte do time de autores/editores que fundou o Jornal Plástico Bolha, na PUC-Rio, nos idos de 2006. Nossa querida Bel participou com a publicação de seus textos, sua colaboração editorial, seus conselhos e inúmeras parcerias. Como o tempo sempre anda para frente, há poucos anos, tivemos uma nova alegria, ao passarmos a receber em nosso espaço, os textos e poemas de José (Diegues) Bial, filhote de Isabel e neto de Cacá, que hoje mantém a terceira geração desta linhagem viva e atuante nos espaços do nosso jornal.

Ao Cacá, nossa gratidão como brasileiros. À Isabel, ao José, e a toda família, o nosso sentimento e amor neste momento.

Um poema de Clara de Góes


Origami de silêncio
dobradura incomunicável
da morte _ a folha
em branco


Clara de Góes

O Céu da Língua, com Gregório Duvivier



Nosso querido parceiro e amigo, o poeta, escritor e ator, Gregório Duvivier estreia a peça O Céu da Língua, no Rio de Janeiro. Todos estão convidados para este espetáculo poético e imperdível!

O Céu da Língua

Local:
Teatro Carlos Gomes

Data/Hora:
até 23 de fev de 2025, 19:00h 

Classificação:
- Verifique Classificação -

Não é permitida a entrada após o início do espetáculo.


 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Os Ratos Embaixo da Cama de Selma


Encontrei Selma sentada no primeiro banco do Parque. Olhava fixamente para o portão, o braço sobre o encosto, os dedos com um cigarro espetado que se tragava sozinho, as pernas cruzadas, com uma sacola de compras, onde estavam suas roupas, repousando no assento. Apesar do rosto enrugado do tempo e dos abusos, seus olhos cor de mel lembravam uma beleza que ainda não havia se despedido por inteiro. Parei a sua frente, seus olhos continuaram no portão. Retornou de seus pensamentos quando o cigarro queimou seus dedos, mesmo assim, não expressou dor, havia superado a sensibilidade física desde muito tempo; arremessou o cigarro longe, puxou da sacola mais um, acendeu e não me olhou.

É de se entender porque não me olhava. Eu havia saído de casa há 2 semanas, sem despedida, sem comunicado, apenas o covarde desaparecimento. Correu os bares e muquifos por onde andávamos atrás do meu paradeiro. Me encontrou saindo do Cine Ópera, um cinema decadente no centro antigo da cidade, onde os desocupados iam para passar o tempo, praticar suas insanidades e enganar o suicídio; aliás, foi lá que nos conhecemos. Selma me seguiu até o quarto que eu estava ficando, colocou por debaixo da porta um bilhete escrito local, data e hora do encontro, “Sem reminiscências, Selma”. Quando a conheci, não era tão velha como agora, coisa de 8 ou 15 meses atrás. Se sentou ao meu lado por engano, me chamava de Herleson, os olhos a meia pálpebra, a cabeça mole caindo para os lados, o balbucio, a saliva seca nos cantos da boca... Me mantive ao seu lado conversando, chamado de Herleson. Quando nos entediamos, a levei para comer uma quentinha a 2,50 no restaurante na entrada do cinema, ela estava faminta, eu também. Em uma das colheradas, recobrou a consciência, me analisou por um instante e voltou a comer. Depois que terminamos, caminhamos em silêncio até a Praça da República. No caminho entramos em um depósito de bebidas, ela pediu duas buchudinhas e duas carteiras de cigarro e me olhou, consenti com um piscar de olhos. Sentamos em um dos bancos da praça e ficamos observando o movimento. Ainda era cedo, o trânsito ainda tumultuava, as travestis que circulavam pela praça ainda eram em pequeno número. Algumas passavam e nos davam boa noite ou pediam um gole da bebida, atendíamos a ambas solicitações. Quando aumentaram de número, eu e Selma começamos a brincar imaginando seus nomes, ela era muito boa nisso; me confessou que frequentemente tinha sonhos eróticos com travestis e que quando o realizasse, desejava que a chamasse de Cyla Summer; e também contou sobre um sonho estranho em que ela dava um seminário em um navio naufragando, sendo que ela não poderia terminar a palestra até que todos estivessem afogados, disse que isso lhe havia concedido a habilidade de respirar sob as águas. Selma tinha doutorado em Semiótica, e não importa como ela, ou eu, chegamos até ali.

Depois, novamente entediados, fomos atrás de um quarto para passar a noite. Perambulamos um bocado até encontramos um que os dois pudessem pagar, esses lugares eram abarrotados de pessoas que queriam apenas esticar as costas com a devida atenção, e assim fizemos. Nos deitamos, Selma se virou para o seu lado, eu para o meu, e adormecemos com as costas grudadas. Ao acordarmos, decidimos permanecer no Sete-Sete – esse era o nome do lugar –, dividindo as contas igualmente, nos despedimos e cada um foi cuidar da sua vida aquele dia.

Nunca me interessei em saber o que Selma fazia para conseguir dinheiro, ela também não me perturbava com o assunto, desde que ambos cumprissem com sua parte no acordo. Nosso relacionamento se resumia a companhia – nos admirávamos mutuamente – e uma fuga quase que incessante de ter que morar na rua. Talvez isso nos aproximasse. Sabíamos que a solidão, o abandono, às vezes são inevitáveis, isso não nos preocupava, talvez fossemos espécies que sabiam lidar com quase todos os tipos de adversidades – isso até mesmo nos alimentava – sem colocar em cheque nossa sanidade, mas inexplicavelmente ficávamos intimamente receosos com a chegada do momento em que nos sobrasse as calçadas e as marquises. Mesmo que não fosse uma situação inédita para ambos, a ideia nos deixava como crianças apavoradas e tínhamos vergonha de nos sentir assim. Quem sabe até merecíamos. Selma se dizia merecedora do infortúnio, que era um destino traçado a ela do qual não conseguiria fugir, não importava o que fizesse, estava jurada à rua, talvez por isso gostasse tanto de estar em bancos de praça.

Por semanas, meses, seguimos nosso acordo sem atrasos. O quarto do Sete-Sete, apesar das paredes mofadas e do banheiro alagado, era um bom lugar. Tinha um cheiro inusitado, as quintas e sextas cheirava a água sanitária, que eu passava por todo o quarto para que nos desse alguma impressão de limpeza e uma mínima noção de higiene; a partir do final da tarde de sexta às madrugadas de quinta, cheirava uma mistura de cigarro, amônia, éster, cerveja e buchudinha. Nosso lar, meu e de Selma.

A intimidade e a rotina, nos criou algum tipo de elo, passamos a nos preocupar um com o outro. Às vezes quando nos excedíamos ao ponto de prever a morte, acordávamos no dia seguinte com uma necessidade urgente de praticar exercícios. Dávamos longas caminhadas, evitávamos o cigarro, a bebida e qualquer tipo de entorpecente durante a semana, o que culminava em um final de semana desregrado e infindável. Certo dia, Selma voltou animada da rua, havia descoberto no parque aulas grátis de aeróbica para idosos, deitou a cabeça no meu peito e me aconselhou a ir, que eu precisava, que iríamos juntos. A joguei para o lado e tivemos uma briga ferrenha, a chamei de velha, era ela quem beirava os 70, eu estava no meio dos 50, ela quem precisava de muletas e filas preferenciais. Selma chorava copiosamente me chamando de covarde, de iludido, mentiroso. Nas duas semanas seguintes fomos religiosamente as aulas, eu me dedicava por uns 20 minutos, o restante buscava algum banco próximo e ficava lendo até a aula terminar; mesmo assim Selma ficava satisfeita, entendíamos o limite um do outro, assim como as implicâncias e as ilusões também.

Não demorava muito e voltávamos para nosso ciclo de sextas e quintas, e sextas às quintas. Assim como também, o tédio não demorou a nos atingir novamente. As caminhadas embriagados pelas praças diminuíram, as sessões de enlouquecimento em casa também ficaram rarefeitas. As preocupações diminuíram ao ponto de “até logo mais”. Não nos destratávamos, muito menos discutíamos, passamos a ser desdenhosos, mesquinhos, irritantes. Começamos a criar hábitos horrendos. Algumas vezes quando chegava da rua de madrugada bêbada, Selma tinha mania de mijar no meu sapato enquanto eu dormia, às vezes eu até estava acordado, abria um dos olhos e assistia a tudo, em outras até mijava propositalmente na cama. Eu respondia me excedendo cada vez mais, deixando a podridão no sanitário sem dar a descarga para que fermentasse, batendo eventualmente a bagana de cigarro em suas roupas. Não tínhamos coragem de aceitar nossas boas aventuranças, acreditávamos fazer parte de um desalinho que merece ser ejetado, e assim nos dedicamos.

Em um último suspiro, Selma apareceu um dia com um rapazote na casa dos 20 anos. Dizia que ele tinha um rosto familiar, ela aproximava seu rosto do dele, esbugalhava os olhos, e lentamente admirava cada detalhe. O chamávamos pelo apelido, Breu. Era um galego franzino de olheiras roxas sem hormônio suficiente para lhe criar pelos no rosto. Lhe servimos bebida, esquentamos os pratos, conversamos madrugada a dentro. Selma parecia feliz, nessa noite dançou.

Nos afeiçoamos ao garoto. Breu passou a morar com a gente, ia para todos os programas que eu e Selma fazíamos, como antigamente; mesmo assim eu não sabia dizer que tipo de relação era aquela. Eu sabia que Breu roubava Selma, eu não o repreendi, apenas o avisei que não me deixasse pegá-lo no flagra. Selma estava mais jovem, gargalhava à toa, cada vez mais se encantava pelo garoto. Ele, que antes dormia em cima das roupas no chão, passou a dormir com a gente na cama, entre eu e Selma, os três abraçados. Ela acordava fazendo carinhos no rapaz adormecido, brincava o colocando no colo lhe dando de comer, passou a chama-lo de molecote. Em uma noite em que eu estava me vazando por todos os orifícios, os dois saíram, não os vi chegar. Ao acordar, ainda fraco do dia anterior, vi Selma nua ao meu lado, o garoto dormia no chão sobre as roupas, também nu. Me levantei com muito esforço, arrumei as poucas roupas que tinha em minha sacola de compras e fui embora.

No reencontro do Parque, Selma disse que ficaria com o rapaz. Consenti em silêncio e perguntei onde ele estava, segundo ela, a esperava nos brinquedos do parque. Se despediu de mim ainda com o olhar fixo no portão. Esperei que ela tomasse certa distância e comecei a segui-la. Ao chegar nos brinquedos, Selma se sentou em um dos bancos e ficou observando as crianças que por lá brincavam, senti que sorria, Breu não estava lá. Selma começou a apalpar a trouxa de roupa, parecia cansada, a colocou na ponta do banco, olhou mais uma vez em volta, aconchegou a cabeça sobre a sacola e, finalmente, deitou.


Fabrício Pinheiro

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Um poema de Iuri Mello


O desejo é minha maldição
desejo tudo
desejo todo
desejo tonto


Iuri Mello

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Poeminha de Knorr


no dia D
na hora H
tudo ficou uma M


Knorr

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

POETINHA, de Daniel Viana


Tinha seis anos e recitava poesias
nas festas da escola, mas  se
escondia atrás da mãe quando
alguém desejava bom dia.


Daniel Viana

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A minha heroína


“De meu padrasto lembro o gosto
Colher, isqueiro, pedra, agulha
De minha mãe o sangue exposto...
E um fluido branco que borbulha,
Na vida eu creio, na virtude,
Feitos do escárnio deste mundo
Mas como a vida nos ilude!
Ferem, mas quietam o Eu mais fundo...
Fugi de casa, fui surrada
Os dedos fortes, mas tremendo
Porque, bem, sempre fui ousada...
Uma seringa vão enchendo...
Mas tudo passa, e eu logo esqueço
E pouco a pouco o vidro aviva...
Que a morte é só um recomeço!...
Por ter o braço em carne viva,
Garoto, a dor, se é grande, some;
Encontra um canto em seu pescoço,
Sei que perdi meu próprio nome,
Onde se fura, num caroço,
Mas me arde, da época de criança,
Ali, no meio dos inchaços,
Uma sagaz perseverança...
Dobrando o cotovelo em laços,
Necessidade, e o meu vazio,
Se dá ao fluido da seringa...
São por que aos clientes só sorrio...
Bem sob o queixo, então respinga
Olha, eu nem sonho, nem escolho,
Seu sangue, como o meu, vermelho,
Mas quando canso me recolho!
Que escorra, ruim, até seu joelho!
Eu sei que me acham vagabunda,
E a perna, um tanto amolecida,
Carne passada, de segunda...
Arqueia, trôpega e sem vida...
O mal, lembranças e o abandono
Suas palavras já confusas
Se vão conforme vem o sono!
Se erguem como entre exaustas musas...
Prefiro no êxtase as flebites
O seu torpor lhe leva ao chão,
Do que me atar a meus limites!
E ela descansa o coração...
Não sou vilã... nem sou Iansã...
Vai balbuciando a tal pequena
Não sou Iansã... nem sou vilã...”
- Por isso a vida vale a pena,
E tu, ó minha fiel menina,
Cais como toda boa heroína!


Guilherme Ottoni

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Sintonia


Dentro de um profundo espaço,
Busco no fundo
De um grande vazio
Sua presença,
Que guardo em silêncio.

Nesta mansa manhã de verão,
Em que alguém que
Vagava sozinha,
De repente, encontrou
Você no caminho,
Com a doçura
Suave de uma grande melodia.

Eu, que bailava sem destino
No grito silencioso
Em busca de carinho,
encontro a felicidade
De ficar ao seu lado
A fim de aprender
A sintonia do amor


Marlene Reis

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Caligrafia, de Paloma Roriz


Ninguém via,
mas aqueles siris na praia
correndo, de toca em toca,
com as patas (pinças, remos, estilógrafos)
riscando a areia lisa, lousa em grânulo —
escreviam.


Paloma Roriz



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Pixo, de Iuri Mello


O livro dos hieróglifos
se abre
nas sacadas altas regulares
como textos cuneiformes
runas, escrita disforme
nomes mágicos
que só é dado a ler
aos iniciados
culto rupestre de jovens calado
marcam seus nomes
no templo de asfalto


Iuri Mello

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Um poema de Roberta Lahmeyer


    Quando a poesia
atravessa a matéria e ilumina
    certos subterrâneos


Roberta Lahmeyer

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Para vovó, de Guilherme Ottoni


''_Vocês são_...'' - li-te, em meu primeiro verso -
Logo teu papo, qual de sapos-bois,
Tua risada, de um amor perverso,
Me advertiram: ''Um poeta põe _vós sois_!''

Posso ser o teu único reverso,
Aquele que buscou vadiar depois
De cair ao teu rigor incontroverso
Num poema onde negamos a nós dois!

Fossem outras as tuas mil certezas
E das minhas ridículas fraquezas
Sirvam a amorfa cinza do teu pó!

Mas hoje, escrevo tudo que me ulcera,
Muito apesar da tua luz severa,
Que se ora brilha, brilha aqui tão-só!


Guilherme Ottoni

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

E POR FALAR EM AMOR


Sebastião e Lourdes estavam casados
há exatos 27 anos. Amor? Não,
pirraça mesmo.


Daniel Viana

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Poeminha de Rodrigo de Souza Leão


será que eu sou tão claro
claralho


Rodrigo de Souza Leão

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Confidências Líricas


O que vou dizer
quando me perguntarem 
quanto vale a palavra proferida
por uma boca falaz e ambígua,
mesmo que seja minha  a boca?

"Não se fie no que diz a língua maldita.
Não dê valor a coisa tão vã e infeliz.
O ínfimo do infinito se fala,
mas o que se versifica
é aquilo que mais diz."


Thais Vicente

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Os pais devem seguir tentando, novo texto de Eduardo Moraes

Fui acampar neste último feriado. Na barraca ao meu lado do camping tinha um pai com seu filho de 14 anos. 


A dupla era simpática, educada, gente fina. O coroa me disse que era a segunda vez dos dois naquela praia. E notei o carinho dele com o garoto. O apreço que ele tinha por ensinar coisas valiosas ao seu “filhão”, como ele o tratava.

Não fiquei prestando muita atenção no conteúdo, mas fiquei imaginando o que eu falaria pra um moleque que um dia eu possa vir a chamar de filho. Ou filhão.

Falaria pra ele deixar o celular de lado e olhar um pouco o céu. Dar um mergulho, uma corrida, jogar uma altinha, trocar ideia com alguém.

Falaria para ele que as coisas custam dinheiro, normalmente não são baratas e que o presente momento é fruto do trabalho duro.

Falaria que tudo bem ele pintar o cabelo de roxo. Azul. Verde. Laranja. Porque o tempo passa, a cor vai embora, a vida acontece, novas cores aparecem e dá sempre pra colocar algo novo na cabeça.

Falaria pra ele que a vida não é fácil, mas que pode ser mais simples.

Falaria que o amor é complicado. Porque às vezes a pessoa não te ama de volta. E às vezes mesmo que ame, o amor não é suficiente.

Falaria que sentir alguns sentimentos é doloroso. Mas que outros são gostosos demais de experimentar.

Mas que amar é bom. Sempre bom, mesmo quando parece ruim.

E tudo isso entraria por um ouvido e sairia pelo outro.

Os pais tentam. E vão (e devem) seguir tentando.


Eduardo Moraes

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Ópera de pássaros

 
A objetividade de fotografia é uma falácia.
Erra quem acha que ela retrata o real.
O que há é que quando o fotógrafo diz:
— olha o passarinho!!
Uma ave de asas oblongas sai de dentro da câmera
com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos.
Sobrevoa a cabeça do fotógrafo... sobrevoa a cabeça do fotógrafo
e de lá, pinta a cena.
Em suma, a fotografia é uma ópera de pássaros.


Chacal

sábado, 4 de janeiro de 2025

prova real

no final das contas
se não tiver escapado
por entre os dedos
não podia ser mesmo
o que se estava
procurando

Lucas Viriato

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

¿Cómo es tu familia?

pedra preta de dominó.
dividida em duas partes,
com seis pontos coloridos,
tem um ponto que está só.

Lasana Lukata

domingo, 29 de dezembro de 2024

Fim de ano com poema inédito de Fred Coelho

A vida expande
A vida acaba
A vida insiste
A vida é festa
A vida infesta
A vida ensina
A vida é brecha
A vida mina
A vida avexa
A vida é amiga da vida
A vida cobra
A vida muda
A vida escola
A vida curta
A vida vasta
A vida urge
A vida arrasta
A vida ruge
A vida avia
A vida arrebenta
A vida aguenta
A vida, espia:
Cinquenta.lá


Fred Coelho

sábado, 28 de dezembro de 2024

SONHAREI CONTIGO

Fecho os meus olhos
e posso até imaginar você,
deitada ao meu lado
e eu te pedindo "faça devagar"...
Te sufocando com as minhas coxas.
Você com a voz rouca pede pra eu não gritar.
Trêmula, me jogo em seu corpo.
Ainda me recuperando do gozo,
quero também te amar.
Você luta, se esquiva...
Mas não consegue
E em meus lábios deixa escorrer
o melhor do teu prazer.

Fernanda Otoni

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Um poema de Omar Salomão

Britadeira no ombro
Sem camisa
Coberto de poeira
Devagar
Desce a ladeira

Omar Salomão

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Do Cerne

Não me apavora
o que vem de fora.

Mas o que vai por dentro
me devora.

José Irmo Gonring

domingo, 22 de dezembro de 2024

mirabel


você passa e fica
figura contra o sol
colada na retina

de repente quando
você me  ultrapassa
fica a impressão
que se eu piscar o olho
presa você fica

você passa e brilha
farol na minha neblina
quando você passa
seu ectoplasma fica


Chacal

sábado, 21 de dezembro de 2024

PARTO NORMAL

o céu brilha
mas não são as estrelas de alegria
é um avião que parte
levando uma parte de mim
viver assim?
não sei se faz sentido
como partir pra vida
de coração partido?

Jonas Worcman

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Lei da engravidez

— é grave doutor?
— não, é gravidez

fim da vida a dois
...somos três...

Luis Turiba

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Um poema de Raïssa de Goés

Eu cuido de manchinhas na parede. Cuido para que permaneçam mais claras. O sol pode camuflá-las. Queimaria a cor. Voltariam a ser parede. Não. Eu cuido das manchas.

Raïssa de Goés


sábado, 14 de dezembro de 2024

Um poema de Matheus Hotz

o rosto do búfalo perdura entre
os retratos
o bicho é a memória da caça
é a memória do tiro é a memória do rosto
do bicho caçado
um, dois, três a largada
de novo é o dia do búfalo
teu sonho de homem
já não gosta da presa
mais do que gosta da caça

Matheus Hotz

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

cão

como se o cão
como tudo o cão
como come até a sombra
come a fome como tudo
e cobre uma cena como
o que está prestes a comer
como um cão qualquer

Gustavo Nagib

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Prezado cidadão


colabore com a Lei.
colabore com a Light.
mantenha luz própria.


Chacal

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

inutensílios praga do pragma

poesia é inútil? sim,
como o amor, como o latim,
a esperança e o esperanto.
e tão necessária quanto.

Cairo de Assis Trindade

sábado, 7 de dezembro de 2024

Canção, um poema de Sergio Cohn

tanto passou
tanta paisagem

agora só sei
por terceiros

vez por outra
você rompe

e recomeça
o mesmo

espero que
ou

Sergio Cohn

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Nomes

Riscos lentos se fazem necessário
Nas fraudes dos meus olhos
Lista com os dedos já feridos
As feridas que te cobrem
Agulhas encravadas em minha íris
Fermentam lágrimas de amônia
Longe de serem anônimas
Nomes

Marilene Vieira

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Golpes

Golpes delicados
peles arranhadas
vísceras comprimidas
mãos aflitas
se esforçam no crime perfeito.

Ligeiros sorrisos
infinito desdém
coração doendo
vingança chegando
voz amada e inimiga
dizendo
— vem!

Sergio Barcellos

sábado, 30 de novembro de 2024

mania

roer as unhas morder os lábios
beliscar os pulsos se você não ligar

estar sempre eu contra mim mesma

mas para não matar não morrer
preferir as palavras
com seus cumes prazeres
enigmas

Marcella Mahara

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

e as couves


e as couves de bruxelas?
quem
— a não ser eu —
ouve elas?

ninguelas
ninguelas


Chacal

deixa pra lá


sabe essas unhas do pé
que a gente tira com a mão
pra ficar brincando? pois é,
naquela loucura toda
perdi a que mais gostava


Chacal

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Preguiça

E assim me pego
replicando bocejos,
adiando concretas experiências,
anestesiando existências.
O tempo passa em slow motion
nessa tarde vazia e sem nome.

Waldecy Pereira

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Mercadoria

Metal banido pelos céus
As notas indigestas
se estampam nas vitrines
subindo e descendo
na corda-bamba
Olhos se seduzem
pela mercadoria
em fatias de ilusão
O mendigo, alheio a tudo
esculpe sua face no céu.

Alexandra Vieira de Almeida

sábado, 23 de novembro de 2024

roubo morno

é que o fogo
do isqueiro
dos outros
é sempre mais
caloroso

Lucas Viriato

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Músculo

[...] 

tua predileção por grão-de-bico e Di dançando
porque finalmente há ritmo. Se nós não morremos
de tédio
é porque existe o fluxo das fragatas
e se Deus
não for o fluxo das fragatas
eu não sei o que mais poderia
ser.

Catarina Lins 

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Um poema de Reynaldo Bessa

o silêncio
do meu irmão
doía mais
que as pancadas
do meu pai

Reynaldo Bessa

sábado, 16 de novembro de 2024

O primeiro dia

vendavais de amplictil
acalmam o silêncio

etílicos deitados
bebendo seu gardenal

o cérebro sufocado
a química cerebral

antenas recebendo
doses de fenergan

masturbam-se velas
pílulas bailarinas

a noite flutua
horrenda tarde

aqui a dentadura
me fala sombras

Rodrigo de Souza Leão

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Um poema de Daniel Rolim Rocha

gosto de conversas dosadas

por isso, quando vou falar com você,

tomo três doses de tequila

com sal e limão na borda da língua.

Daniel Rolim Rocha

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Drama familiar


mais um berro histérico
e mato um


Chacal

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Andorinhas

Têm chovido andorinhas
umas mortas, muitas vivas
Têm caído segredos do céu
algumas facas, muitos vidros
Mas nenhum me conta mais
minha dor voou para longe
deixou aqui andorinhas
várias, porque é verão

Raphaela Ramos

sábado, 9 de novembro de 2024

ZULMIRA, 2013

Mesas,
cadeiras.

Ninguém.

Manuel de Freitas

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Um poema de João Paulo Gonçalves

Insisto
no rastro de quem tempos atrás
passou pela minha vida. Chego
perto apenas da sombra do abajur.

João Paulo Gonçalves

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Um poema de Jonas Worcman

Não tem escolta
Anda sozinha
Minha revolta

Jonas Worcman

sábado, 2 de novembro de 2024

Um poema de Yassu Noguchi

in your eyes
encontrei motivos
pras contas de luz, água e gás

Yassu Noguchi

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

tragédia doméstica — 1º ato

— tô ficando maluco!
digo com ar grave de quem enxerga luz
no escuro

ela me encara e bebe suco

Caio Carmacho

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

bem-vinda


ressarcir
engendrar

a toda hora
em todo lugar
nasce uma palavra

— bem-vinda!

quando perderes o sentido
esvoaça daqui
descansa em paz


Chacal

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Crepuscular


Ainda poder
escutar a Musa,
embora já imerso
na sombra difusa

que vai se adensando
para se fazer
uma treva de
nunca amanhecer.

Ainda poder
Chegar à extrema
duração do dia
na voz de um poema,

mesmo humilde, apenas
suspiro da Musa
num adeus à beira
da noite difusa.


Ruy Espinheira Filho

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Som

Gosto de ouvir
o som dos seus dentes rangendo
quando sobre mim e junto a mim
procura a explosão do gozo.

Rosilene Jorge dos Ramos

domingo, 27 de outubro de 2024

Roda


Enrubesci.
Peguei a raiva
e rodei o mundo
que cabia debaixo da minha saia.

Ela virou pó,
Eu — movimento


Jade Prata

sábado, 26 de outubro de 2024

Um poema de Bruna Escaleira

sexualidade
ou imensidão

no oceano da pele
nado em águas livres

Bruna Escaleira

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Um poema de Ana Chiara

Beija-flor parado
Tremor de asas
Também viaja
Suga alegria
Por deslocamentos mínimos

Ana Chiara

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Operando a manhã


Um saco pleno de gemas,
algo assim como um câncer luminoso,
E um bisturi afia a ponta da sua lâmina sobre a fina pele.

Repente
Amarelo!

Não é preciso nenhum galo
Para anunciar o amanhecer.


Lucas Matos

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Miramar


Pôr-do-sol em Miramar.
A faixa de areia é ampla, branca.
As mulheres indianas, floridas, coloridas.
O mar aquietado do sul, azul.
O sol que encosta no espelho, vermelho.
Momentos para serem lembrados, dourados.

Miramar.
Sem trocadilhos, sem referências.
Somente o sol se pondo na praia


Lucas Viriato

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Bumerangue

As palavras,
lancei-as
ao mundo.

O vento,
agressivo,
trouxe-as
de volta.

Me golpearam!

Bianka de Andrade

domingo, 20 de outubro de 2024

Naná


silêncio das estrelas
fumaça branca
que atravessa o céu
fumaça d'água
que jorra forte de dentro do estreito de uma pedra

sopro divino do céu
duas estrelas
me miram
como dois olhos
sinto a presença dela
meu coração se inunda
e transborda
pelos meus olhos embaçados
fumaça que escorre pelo canto da minha face


Mônica B. Alvim



sábado, 19 de outubro de 2024

Trinta e nove no ibope

O playground no jardim.
A menina no jardim.
Seu corpo não brinca no playground.

Israel Antonini

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Elemento


Palavra nenhuma existe.
Existem o fogo, a pedra, a água, o ar.
E a dor, dissimulada no verso.


Paloma Roriz

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

CASO HOUVESSE OUTRA SAÍDA

faria bom uso da garganta
usaria bem o que foi violado

Natasha Felix

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Lucidez


Estou perdendo a visão, mas não estou perdendo você. Tenho sua aliança junto à minha, lado a lado, em meu dedo. Com isso sinto que o nosso amor está cada vez mais vivo. E assim será até a hora do nosso reencontro, quando estaremos juntos para sempre. Em breve, na eternidade.


Marina V. Medeiros

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Um poema de Nadiá Paulo Ferreira


Gotas rubras
no vértice
do meu corpo

Sou vaga sísmica
entre mulheres azuis

Onde o nada me espreita
espedaço-me flamejante
na imensidão da areia branca


 Nadiá Paulo Ferreira

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Colapso

não restou nem poeira
da rotina de folhas e caminhadas

necessidade não é fraqueza
necessidade é necessidade

não sei o que dá mais medo
encontrar algo
ou não encontrar nada

Mauro Santa Cecília

domingo, 13 de outubro de 2024

Vento vadio


ás  vezes vem um vento
e levanta a aba do pensamento
jogando meu chapéu
pra lá da possibilidade.


Chacal

sábado, 12 de outubro de 2024

AMANHÃ

dorme agora
que amanhã
vamos embora
de nós mesmos

Tiago Rattes de Andrade

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Azul mar


Sinto muita saudade
de você, tem dias que eu sinto
que sou ilha perdida
no meio de tanto mar
como fui me separar?
de um continente tão forte
deixei pra trás
muita terra segura
passei por tempestades
tormentas, chuvas imensas
e agora uma calmaria
em que paro tudo
e observo do mirante
o oceano, atlântico,
pacífico, gigante


Rafael Magalhães

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

COLOMBO

O pinto
se sai do ovo
pode achar
um mundo novo?

Graça Rios

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Fênix

Como fênix renasço
voo alto no céu
compartilho da chama
que se forma canção
música vibra na alma
o milagre da transmutação


Marcela Sperandio

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Se livrando das pulgas sem pesticidas


No meu ouvido
Entrou uma pulga
Narrando a rota de fuga
Convenceu a mente que julga
E isso quase me derruba
Deus que me acuda, me dê arruda
Pra esse perigo
Quase que eu me torno
Meu pior inimigo
Mas não, sou meu melhor amigo
E digo:
Não embarque nessa viagem
Tendo o medo como bagagem!


Jonas Samaúma

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

descrição alguma

essa escritura calada
essa tamanha bebedeira
esse arrependimento de matar
essa falta de assunto
essa vontade finita
de sair daqui

André Monteiro

domingo, 6 de outubro de 2024

O amor mudou-se


Agora possuo uma mancha escura
As praças já não possuem os portões abertos de quando cheguei aqui
O amor mudou-se
A estrada de ferro eu abandonei
As fotografias que tirei na Central do Brasil
Foram arquivadas para chorar depois
Eu vesti a roupa devida
Mas não disse a palavra certa


Marilene Vieira

sábado, 5 de outubro de 2024

Fogo

Uma fogueira
De amor
De amizade
Paz de aprender.

Alice Jobim

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Um poema de Lorena Martins


a noite no sofá
é pele
cascata
que não alcança
a janela.

as tardes
se trancafiam
nos cantos da sala:

desperto
meu bonde abandono
a mão no parapeito
e minha garganta

que voa.


Lorena Martins

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Yôga

De pé.
Tire um pé do chão.
Agora o outro.

Lucas Viriato


quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Às vezes , ócio

 
às vezes choro,
pois no choro lavo a alma.

ás vezes, oro,
pois a fé me acalma.

às vezes, calmo,
em profundo silêncio,
não preciso falar a vivalma,
apenas viver meu ócio.


Giovani Miguez

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Um poema de Paulo D'Auria

Feito um menino que levantasse a lona do circo,
espiava debaixo da linha do horizonte.
Aprendeu a dar risada do destino.

Paulo D'Auria


segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Vilarejo

Pessoas apenas passam
Assim como os ventos
No vilarejo
Do esquecimento

Arnoldo Pimentel

domingo, 29 de setembro de 2024

Vozes do cerrado

brasília, brasília,
onde estás
que não respondes?!

em que bloco,
em que superquadra
tu te escondes?!

Nicolas Behr

sábado, 28 de setembro de 2024

Fósforo

Breve pedaço de madeira,
em atrito contra a superfície áspera,
dura, impassível.
Não ceder, mas romper-se, incandescente.
O fogo, o lume,
que súbito se apaga.

Paloma Roriz

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A DANÇA DOS TEMPOS POSSÍVEIS

O passado não dorme
nem jazz.

Recusa a quietude
da memória
mas sem me chamar
para dançar.

Gira mudo e sozinho, sozinho,
entrecruzando meus caminhos
presentes, lançando ao ar
o perfume em torvelinho
de passados outros, e presentes, e futuros
que poderiam ser, e ter sido, e contudo...

Thássio Ferreira

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Um poema de Danilo Diógenes

[...]

digamos
que todo poema
é aquilo que sobra
de uma pessoa;
almoçar, então, ao lado deste poema
é almoçar ao lado de qualquer pessoa
é construir as rampas que nos guiam para o alto
e as escadas que nos levam para baixo

Danilo Diógenes


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Shopping Trem Tudo


Ilustres passageiros,
Chegou o passatempo
para a sua viagem!
Pastilha de eucalipto
Cura sua garganta e
Refresca o seu hálito
Uma é vinte, "seis é real".
Pilha, esponja, "super bond"
Barra de cereal.
Isqueiros, calculadoras
Dois "cotonete" é real.
Bananada é dez.
Paçoquita é dez. 
A SALVAÇÃO É JESUS!
Dois amendoins é cinquenta
Laranja com acerola é cinquenta
Dez tempero é real
Cinco batom é real
"PRÓXIMA PARADA: ESTAÇÃO DE SÃO CRISTÓVÃO.
DESEMBARQUEM PELO LADO ESQUERDO".
A SALVAÇÃO É JESUS!
Novalgina é real
Dipirona é real
Sabão pra piolho é real
Skol lata é real 
SÓ JESUS PODE SALVÁ-LO DESSE MUNDO DE PECADO.
"Salvou-o O RHUM CREOSOTADO".

Solange Valeriano Pinto

terça-feira, 24 de setembro de 2024

poesia

a minha poesia é lírica

tem a beleza bucólica
do voo de uma andorinha

tem o latido melancólico
de um cachorro campestre

tem a solidão jururu
de uma galinha ciscando

mas o que ela queria mesmo
era ter...

a força do tigre
a astúcia do coiote
a agilidade do jaguar
e o mistério do morcego

Jovino Machado

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

"shakespeare"

se nós escrevêssemos
tudo o que sentíssemos
estaríamos sempre sós
e para sempre ocupados
porém não tão infelizes.

Leonardo Marona

domingo, 22 de setembro de 2024

DESPEDIDA

Quando eu morrer,
filhinho, não se
esqueça de colocar água
com açúcar no potinho.
Te visitarei disfarçado
de beija-flor.

Daniel Viana

sábado, 21 de setembro de 2024

AUTREMENT

ecos do dia
num caleidoscópio
movem-se lentas larvas
entre palavras e coisas

In other words:
ninguém sonha em prosa.

Patrícia Lavelle

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

easy come easy go

me despedaço
esta manhã 

              será que alguém escutou?

Pedro Tostes

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Um poema de Nicolas Behr

o poema
é área pública
invadida
pela imaginação

Nicolas Behr

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

CADA VEZ MAIS

com o tempo
minhas dúvidas se tornam
pétalas.

Beatriz Bastos

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Viento ligero

Un viento de recuerdos
atravesó mis sueños,
ha traído su olor
rojo, sin dueños.

Mi dejarte
sola, embarazada
de calidez y libertad.

Jade Prata

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Destino

Eu sou um trem de ferro
Que leva minérios
No coração.

Eu sou um trem de ferro
Que traz histórias
No vagão.

Eu sou um trem de ferro,
Seguindo os trilhos
Da palma da minha mão.

Petrônio Souza Gonçalves

domingo, 15 de setembro de 2024

A LENDA

Pouco se sabe dos Passarinhos Verdes.

Apenas que eles nos procuram
para se alimentar das surpresas.

Pousam em galhos discretos
e se escutam:

— Olha! Um pass...

Voam para longe, felizes por
terem completado seu destino.

Pedro Lago

sábado, 14 de setembro de 2024

PERDEU-SE

dançarina baiana perdeu o rebolado nas areias de copacabana. quem encontrá-lo, é favor devolvê-lo.

muito mais que monetário, ele é de inestimável valor afetivo para sua dona.

mary saravá
7407-0198

Letícia Féres

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

contração do fim de um mundo

No opositor me encontro,
encontro eu, você e a fera.

No opositor me escondo,
escondo eu, você e a fera.

No opositor penso que penso,
mas na verdade é fera, fera e fera.

Luiz Fernando Priamo

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Hemingway e os lugares seus


Gabriel García Márquez diz em sua crônica “Meu Hemingway Pessoal” de 1981 - fácil de encontrar online - que só teve a oportunidade de ver Hemingway uma única vez, este já Nobel e nos finalmentes desta existência. Foi em Paris quando ainda não era o Gabo Nobel de Literatura.

Gabriel traz neste texto, dentre outras coisas, a ideia de que todos os instantes vividos por Hemingway, continuaram a lhe pertencer para sempre porque ele tinha um “inexorável poder de apropriação”, ou seja, que ele tinha a capacidade de tomar posse de certos lugares simplesmente por frequentá-los e mencioná-los em seus textos, pela força da sua passagem por eles. Deixava sua marca.

No entanto, essa ideia contradiz uma das minhas passagens favoritas do próprio Gabo no livro “Doze Contos Peregrinos” de 1992, um dos meus favoritos. No texto, ele diz que, inevitavelmente, depois de um tempo os lugares que haviam sido seus e sustentavam suas nostalgias eram outros e alheios. Gabo, 10 anos após o 1º texto, acha que até Hemingway está sujeito a isso.

Pensei nisso enquanto andava pelas ruas de Havana e fui aos bares que Hemingway mais frequentava na cidade quando morava em Cuba. Os famosos “Bodeguita del Medio” e “La Floridita”, onde ele gostava de tomar mojito e daiquiri, respectivamente, bares estes que foram também visitados por Gabo. Atualmente as biroscas não são mais biroscas e estão lotadas de turistas, grupos tocando “Guantanamera” e Buena Vista Social Club, cobrando preços acima da média nos drinks e celulares tirando fotos de tudo (o meu também, assumo).

E talvez esses lugares não sejam mais de Hemingway mesmo. Mas é realmente maravilhoso pensar no que ele fazia por ali enquanto tomava todas e fumava um charuto Cohiba, quais ideias teve, que contos iniciou e quantos rasgou naquelas mesas. Pensei nisso e acredito que, no final das contas, prefiro pensar como o Gabo mais novo, que talvez fosse menos amargo:
“Na realidade, Hemingway continua a estar onde menos se imagina 20 anos depois de morto, tão persistente e ao mesmo tempo tão fugaz como naquela manhã, que talvez fosse de maio, em q me disse adeus, amigo, da outra calçada do boulevard Saint-Michel.”

Afinal, como disse Hemingway: “o homem não foi feito para a derrota, pode ser destruído, mas não derrotado".


Eduardo Moraes

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

No vício


trago
a cortina de fumaça que tu leva
em cada frase
sem matéria
na nuvem de não-ditos
que nos rodeia.
é meu pulmão que bate por ti.
que arde em todo toque seu
e vira cinzas no ponto final
em vermelho fogo
que pende dos seus lábios
entreabertos
no fim da noite.

Gabriel Silveira

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Perguntas


"No que você pensa quando olha p/ mim?"

"Qual o centro do mundo p/ você?"

"Você não pensa que é o centro do mundo, pensa?"

"Pode morrer sem ternura?"


Franklin Alves Dassie

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Um poema de Otávio Campos

como se chama
esse lugar
que existe
depois que
a noite
termina?

Otávio Campos

domingo, 8 de setembro de 2024

Cantada


Quero ficar morandinho no teu abraço,
E em nenhum outro lugar.
Quero ficar dormindinho no teu ombro,
Até a noite terminar.
Quero ficar sonhandinho com você
Aonde quer que eu vá.


Thais Vicente

sábado, 7 de setembro de 2024

Alarme


Seu despertador é um choque elétrico?
Você acorda todo queimado?


Augusto de Guimaraens Cavalcanti

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Um poema de Naaman


Uma vez me disseram
Que das "verdades"
Nada se deve tirar:
Levei a sério.


Naaman

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Um poema de Flávia Muniz Cirilo

Apresento-te o tempo,
o tempo grande das coisas mínimas.
O sol cabível no grão,
o chão do lugar onde pisas,
o presente de estar em tuas mãos,
soberano amor eterno,
luz infinita manifesta em mim.

Flávia Muniz Cirilo

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Um poema de Otávio Campos


as pálpebras da cidade
quando pesam
fecham-se madeira ou metal
da direita para a esquerda
trancas e taramelas


Otávio Campos

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Ao machismo

minha gatinha,
não me interessa
o que vem
da sua cabeça,
mas o que tem 
na sua calcinha...

meu gatinho,
quero saber
o que ganho de fato,
para conhecer
o tamanho exato
do seu pintinho...


Gringo Carioca

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Um poema de Amanda Bruno

ela tinha os olhos de ressaca
não era capitu, era cachaça
morava no centro da cidade
ardia de suor e fumaça
ia e vinha como uma onda
sem lua

ela era metade gente
e a outra não era peixe

mas ela cantava, iemanjá
e eu me afogava

Amanda Bruno

domingo, 1 de setembro de 2024

Pernambucano paulistano

cada são paulo a que retorno
toca tanto que é ruim

na marginal eu quase choro
só porque me sinto vir

pernambucano paulistano
como tantos por aqui

tenho-a minha toda e tanto
que não a posso possuir

Frederico Barbosa

sábado, 31 de agosto de 2024

ELÁSTICOS

Cada vez mais os elásticos cedem.
Nós também.

Franklin Alves Dassie

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Um poema de Wanda Monteiro

sonharás com o rio

tuas ausências
irão penetrar como lâminas
nos tímpanos do sonho

o rio falará contigo
irás chorar

tua dor caberá no rio
e o rio caberá em tua lágrima

Wanda Monteiro

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

NOITE ALTA

A noite vai alta.
No quarto, o luar
acende o retrato
de um menino. O mar

conta velhos contos
de morrer e amar
e o menino o escuta
no retrato ao luar.

[...]

Ruy Espinheira Filho

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Mente

Hoje rodei o planeta na rede de minha varanda.
Antes de rir, me entenda um segundo:

minha cabeça, meu mundo.

Rodrigo Raro

terça-feira, 27 de agosto de 2024

COGUMELOS

Quando o coração se inflama
incendiado pela paixão
esse fogo não ilumina;
é como o cogumelo venenoso
que brota durante a noite úmida:
não alimenta, queima, apenas queima
o organismo, e alucina.

Renato Rezende

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

SÚBITA

viver é hoje, tão prosaico
e em prosa tudo segue, lento
mas eis que de repente irrompe
uma ideia simples, você

tão pequenina pulsação
fruto brotado nesta folha
vela e revela, mostra e guarda
o que está além da prosa, em verso

Henrique Rodrigues

domingo, 25 de agosto de 2024

paz

fiz as pazes comigo mesmo
de hoje em diante
seremos bons inimigos.

Braulio Coelho e Breno Coelho

sábado, 24 de agosto de 2024

Um poema de Daniel Valentim Mansur

a voz é cigana,
estrangeira ao que se amontoa: 
          beleza
sobre beleza
sobre beleza,
na agricultura da ordem pela novidade.

a voz é pássaro recolhido
enquanto chuva, ruína e arado.

Daniel Valentim Mansur

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Devoras

minha alma tua 
nua
devorada
pedaço a pedaço

deglutinação
de cada espaço em branco
do papel
a carne poema

digerido
permaneço 
em ti

Pedro Tostes

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Um poema de Luciana Tonelli

a falta de lugar
ocupa todos os cantos
o não estar estando viva
é a causa do meu espanto

Luciana Tonelli

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Um poema de Carlos Orfeu

no
bambuzal

brisa
faca
afia

o som
das folhas
ásperas

impertinentes
em voos
suicidas

Carlos Orfeu

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Um poema de Lorena Martins

planetárias
as pupilas deletam
o céu

Lorena Martins

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

BEM QUE SE KISS

Bem que esse seu beijo
podia ser inteiro
e não metade
Durar um ano inteiro
e não uma tarde.

Hudson Pereira

domingo, 18 de agosto de 2024

PRECONCEITO, um poema de Tuca Muniz


I

É uma senhora
que anda sempre enfeitada.
Tem um grande defeito. 
Quando vê um grupo de pessoas
Pobres e pretas conversando, 
nem passa perto. 
Acha que são bandidos. 

II

Ela foi ao shopping...
Olha daqui, olha de lá.
De repente vê um rapaz negro ao lado. 
Leva um choque, 
pensa que é um ladrão.

III

Segura a bolsa, e com olhos arregalados, 
Corre pra perto de três pessoas
                     que se assustam com ela 
e correm 
De longe a chamam de louca. 

IV

Aí ela fica parada, e vê um guarda de costas. 
Põe a mão nas costas dele.
Ele vira.
É um guarda preto.
-O que houve, minha senhora?
-Aquele homem. Estou com medo dele. 
                           Parece um ladrão.
-Não, minha senhora! É um professor.

Tuca Muniz

sábado, 17 de agosto de 2024

Um poema de Dado Amaral

fumaça de incenso
o mínimo minuto
revela-se imenso

Dado Amaral

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Um poema de Roberta Lahmeyer

Aquele cadeira
na sua plenitude imovél
parece iluminada
por uma certeza tranquila

Aquela cadeira desconhece-nos

Roberta Lahmeyer


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Uma écfrase para Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, por Kamily Durval

 

(Morro da Favela, Tarsila do Amaral, 1924)


Uma família reunida,
sem pensar na comida.
O tempo é ocioso:
e traz quase um milagre!
Uma paisagem bela, repleta de cor:
esse é o cenário da favela moderna.
Plantas desérticas, cachorro satisfeito…
Até me esqueço da realidade
que não foi pauta de toda Modernidade.
Eu nunca vi e…
Ainda não vejo uma favela assim.
Será que a Modernidade não chegou para mim?

Kamily Durval 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

POEMINHA ASTRAL #21

boêmio como a cachaça de minas
manso como um queijo minas.
e energético 
   como
o minério 
   férrico feérico
de minas.

Matheus José Mineiro

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Um poema de Rogério Snatus

meu voo rasante
em seu ventre
joguei faíscas de sonhos
após saltar sem pára-quedas
sobre o hálito dos desejos

Rogério Snatus

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Disforia Genealógica — Fotomontagem e prosa poética de Maria Júlia Barroca

 Imagem: MANJUU

Como eu posso deixar você ir se o ar que eu respiro são as suas raízes que cresceram na minha medula?

Tenho medo do meu corpo. Ele é opaco a mim, uma sombra do tempo presente. Ao outro, ele é translúcido, uma extensão de um passado que não me pertence. 

Tenho medo de quem a essa couraça pertence. 

Tenho medo da dor.

Eu sei que a dor é maior do que a psiquê consegue carregar e do que a carne sustentará, mas até quando a carne é o fardo do ser de ser humano?

Enfim, tenho medo da minha dor. 

Maria Júlia Barroca 

domingo, 11 de agosto de 2024

origami

com a mesma
precisão
que corto meus
lábios
faço origamis
de ventania.
dobro um boneco de neve, um barco, uma língua.
seco meus cortes
com origami
e saliva.

Ana Tereza Salek

sábado, 10 de agosto de 2024

A última sessão de análise

afundar na lama
areia movediça
uma pedra podre
uma falsa cortiça

uma triste musa
atrás da treliça
um amor insone
que morre de preguiça

um ateu que xinga
que não vai à missa
um fogo frio
que a cinza atiça

Marcelo Dolabela 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Um poema de André Giusti

Resistir,
feito
aquele
resto de
poeira
entre a
pá e a
vassoura.

André Giusti

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Alice

o sonho é uma pedra
arremessada no poço

sua turbulência
moldando o dia.

Sergio Cohn

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carta inédita de Zé Celso Martinez Corrêa para Oswald de Andrade

Evoé Ozwald de Andrade! 

A partyr da leytura da sua obra, tudo o que fyz foy ynfluencyado por você! Você foy meu Shakespeare, meu Goethe, me trouxe a chave para toda a cultura brazyleyra! Você entendeu que o mundo acabarya por se tornar um lugar movydo pela antropofagya. Tudo que ze chama de myx, tudo o que ze vê de ymygração que contorna cydadez e devora a cultura ocydental, é a próprya cultura, que eztá comendo e vay comer o mundo. Oz povoz devoram e vomytam o moralysmo, a noção do bem e do mal, da cultura purytana, az utopyaz, az ygrejaz. A coyza não é mayz zer zocyalyzta ou yr para o céu. Não exyzte mezzyaz, zó devoração! Bebo na zua fonte de pós-modernyzta, com a zabedorya de que a Europa já não é mayz o centro do mundo. Contra todoz oz ymportadorez de conzcyêncya enlatada! O centro do mundo deve ser forjado na memórya doz grandez genocýdyoz da modernydade: o yndýgena e a dyázpora negra.

O “Rey da Vela” foy uma forma que você noz deu de tentar aprender, atravéz de sua conscyêncya revolucyonárya, uma realydade que era e é o opozto de todaz az revoluçõez. O texto foy uma revolução de forma e conteúdo para exprymyr uma não-revolução. Uma modernydade abzoluta de Ozwald de Andrade! Ou uma eztagnação da realydade nacyonal. Ou zenylydade mental nozza. Em 1967, o Teatro Ofycyna Uzyna montou “O Rey da Vela”, e, enquanto dyretor, adaptey-o lyvremente à cena. Uma montagem fyel ao texto zerya um contrazzenzo, conzyderando o poder cryatyvo anárquyco dezze texto oswaldyano. A partyr dezza montagem, aprofundamoz a preocupação com o gezto e com o corpo, a partyr de laboratóryos de estudoz do corpo. O corpo é tydo como uma máquina dezejante, uma produção dezejante, é a superfýcye para o regyztro de toda produção de dezejo. Eram ymportantez oz depoymentoz pezzoayz bazeadoz no geztual: querýamoz eztudar oz geztoz fundamentayz que az pezzoaz adquyrem em função de zeuz ofýcyoz, ou zeja, o gezto doz bancáryoz, doz polýtycoz, doz médycoz, doz eztudantez. Havya nezzez laboratóryoz uma fonte fantáztyca de aprendyzado! Quantas coyzaz poderýamoz entender atravéz do corpo! Numa noyte, zentadoz no Bar Cervantez, obzervey todoz oz homenz que entravam, e ao subyr o degrau, davam uma ajeytada no saco. Concluý que ajeytar o zaco era uma verdadeyra obzezzão mazculyna. Mays tarde ezze gezto foy eztylyzado e uzado, em momentoz precyzoz, peloz pryncypayz perzonagenz de “O Rey da Vela”. E atravéz do corpo e do coro, embebydoz pelo saber antropofágyco, codyfycamoz o zeu texto em cena.

Com a montagem de “O Rey da Vela”,  o Ofycyna entra na revolução cultural de dezcolonyzação completa do Brasyl, retomando a Antropofagya da Cultura doz Ýndyoz Caetéz que comeram o Byzpo Portuguêz Zardynha que ya à Europa buzcar mulherez brancaz para cruzarem com oz colonoz portuguezez. Devoramoz o teatro do Hemyzféryo Norte, comydoz pelaz culturaz que azzumymoz em nozzo corpo: a doz ýndyoz, doz ezcravoz afrycanoz, doz emygrantez que cozynharam a mazza da meztyçagem doz Bayxoz do Brazyl. Em cena, adoto o nú! O nú de coztaz, de lado, frontal!  O que atropela a verdade é a roupa, o ympermeável entre o mundo ynteryor e o exteryor. Eztar nú em cena é uma reação contra o homem veztydo, veztydo à la colonyalydade!  

Em homenagem a você e aoz 50 anoz do Teatro Ofycyna, montamoz o ezpetáculo Macumba Antropófaga em 2011, a partyr da leytura do Manyfezto Antropófago de 1928. A Revolução Caraýba ze tranzformou num ato, em um rytual cênyco, onde oz artiztaz-dançarynoz tornaram-ze “Tupynambáz e Aymoréz”, oz corpoz e o coro preenchendo o ezpaço cênyco. Todo o ezpaço ze torna um ezpaço cênyco no Ofycyna, daz ruaz do bayrro da Bexyga até a próprya  eztrutura do teatro. O Ofycyna é um terreyro eletrônyco! Em cena: todoz - artyztaz, técnycoz, e públyco numa yntegração (devoração) antropofágyca. Só a antropofagya noz une! É a ley do homem, a únyca ley do mundo. E azzym, fazemoz contato com o Brazyl Caraýba, com o ynztynto Caraýba.

Ao dylema hamletyano do mundo ocydental cryztão “to be or not to be” você rezpondeu: “YEZ, TUPY” e, atravéz do Teatro Ofycyna, retornamoz ao mundo bárbaro amerycano, azyátyco, afrycano. A mynha antena do mundo é Ozwald de Andrade! O meu coração zegue uma pulzão dyonysýaca! O meu ezpýryto ze materyalyza no corpo atravéz do teatro… experymento Deuz atravéz do corpo! Teatro como reztytuyção do tezão pelo próxymo! Teatro como centro orgyástyco! Te-ato! Como ato. Teatro como uma vyda ao avezzo: morte ynycyátyca atravéz da antropofagya! Fuga de dycotomyaz e purytanyzmoz!  Um poder tranzumano! Uma zagração! Antropofócyo! Antropoforgya!  

Evoé!,

ZÉ CELZO, O CAVALO OZWALDYANO DA CULTURA BRAZYLEYRA

Recebido por Maria Luísa Brito

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Um poema de Patrícia Del Rey

Estranha, estéril. Muda.
Nenhuma linha sequer.

Patrícia Del Rey

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

ZOOM

O importante da fotografia
É o click da máquina que
Abre a boca da câmera
E devora o instante

Rosália Milsztajn 


domingo, 4 de agosto de 2024

Teresa: Minha Igreja — Fotomontagem e poema de Luciana Bezerra

 

Minha igreja
Meu farol
Meu norte
Meu descanso
Minha certeza de morada
Namorada onde esteja
Abrigo do meu viajante.
Nunca mais você, Teresa
Nunca mais dormi a noite
Nunca mais sorri por dias
Nem tomei a comunhão
Mas farei meu carnaval
E afinal vou te encontrar
Pra me perder em suas pernas.

Luciana Bezerra


sábado, 3 de agosto de 2024

Um poema de Thiago de Freitas Peixoto

As pessoas perfeitas
têm muitos defeitos em comum.

Thiago de Freitas Peixoto

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Um poema de Cesar Kiraly

nem vontade
ou mesmo sorte
o norte e
nem sorte
o corte 

Cesar Kiraly

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

SONHO

cito: 

esse amor
— o que você recebe —
no fim é igual
àquele amor
— o que você dá

— e a poesia
está pronta

Larissa Andrioli

quarta-feira, 31 de julho de 2024

plac, poema de Jorge Salomão

POR TODO LADO DESTRUIÇÃO
NO MEIO DISSO TEUS OLHOS
IMENSOS SOFRIDOS SEM DIREÇÃO
ENQUANTO A ALMA QUEIMA
ESTALA PLAC E PEDE MAIS... 

Jorge Salomão 

segunda-feira, 29 de julho de 2024

fábrica do poema

na linha de montagem
recebo um corte
e passo adiante

Gabriel Silveira

domingo, 28 de julho de 2024

para Emily Dickinson


quando o mundo todo é uma ruína
e meu corpo quer apenas descanso 
penso nas palavras escritas
por uma mulher que deitou-se ao sol
em paz por olhar o que é belo
sem temer ser olhada de volta 

Marcella Mahara 

sábado, 27 de julho de 2024

Eu queria fazer um poema pra você


Numa ocasião em que eu estava
(como das outras vezes) prestes
a me naufragar no abismo do delírio,
houve um sorriso de dentes postiços.

Mas eu já não queria mais cair
na cilada do amor fugaz e preferia
estar quieto e fugir para longe do
alcance de uma outra decepção.

Então eu me internei num hospício
e amarrei as minhas mãos ao pé
de uma árvore frutífera de onde
eu poderia escavar o chão de barro.

Ao fim do terceiro dia de psicopatia
veio a diretora dizer que eu deveria
partir para um lugar que não sabia
e me deram um endereço e o contato.

Era um lugar acolhedor e distante
coberto de grama e cerca de arame
mas quando fui atravessar a ponte
um cão vampiro me atacou de noite.

Sobrevivi como alguém que se esqueceu
da longa noite passada e caminha como
se o dia estivesse amanhecendo de novo,
apesar do rastro de sangue e a boca seca.

Havia uma casa deserta e eu pensei em
largar tudo o que eu não nunca tive e
vir morar aqui no meio dos bichos que
comunicam-se através de sinais e apitos.

Lembro de uma escada pintada de verde
e uma mulher bonita que veio me atender
com as mãos estendidas e um sorriso
encorajador para que eu dissesse tudo.

Não havia o que contar além do fato
de eu ter andado distante e perdido
e que, nesse período, eu havia criado
enredos irreais para me manter vivo.

Tudo era então uma simples questão
de fechar os olhos para os pássaros e viver
tranquilo como os homens banidos de si
e que se refugiam no labirinto do amor.

Ai que delícia que é poder acordar e dizer
que estou vivo, mesmo não tendo nada
ao redor a não ser o microfone em que
digo isso e acompanhar o seu eco no abismo.


Milton Rezende

sexta-feira, 26 de julho de 2024

O intruso


caras e bocas e
ouvidos atentos e brincos
que pendem pros ombros desnudos
e braços tão finos com mãos
que se apertam e olhos
que veem seus amigos de infância
e os lábios que riem dizem sobrenomes
narizes pra cima que testam sua classe
e rostos que viram quando você passa
no meio dos passos
do salão em festa


Gabriel Silveira

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Alforje, de Otávio Campos


Tenho trazido cabelos à altura
dos ombros porque acredito 
na força das coisas mortas

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Um poema de Thássio Ferreira

como
através de uma brasa
—a própria língua —
aprender a sangrar
                                   uma voz

que em sua dança de relance
alcance dizer em pânico
palavra que valha a pena

como
pólen de pensamento
gozo desajustado
lampejo doce
                        delirância

Thássio Ferreira

terça-feira, 23 de julho de 2024

Epígrafe

sempre achei que os livros
fossem feitos de terra e
as palavras
                            sementes


João Lima

domingo, 21 de julho de 2024

Com carinho, de Beatriz Arantes

Estou escrevendo na cozinha. O ambiente mais estreito da minha casa e onde todo dia de manhã tento consolidar uma rotina. O ambiente que menos mudou nos meus poucos vinte anos de idade. E talvez menos ainda nos vinte anos anteriores que minha mãe viveu aqui. Queria ter uma máquina de escrever, que nem ela já teve. Um costume antiquado, vintage, retrô, seja lá qual for o termo adequado. Mas imagino que seja mais propício a esse cômodo e a essa iluminação calorosa do que meu computador desproporcional, de coloração cinza metálica, que se assemelha mais a uma espaçonave do que a um objeto cotidiano. Se bem que hoje em dia tudo é cinza mesmo, tal qual um rio poluído. E, assim mesmo, somente serve para refletir nossa imagem.

Estou escrevendo agora porque sonhei. Sonhei com um escritor dizendo-me o que escrever. Devo ser a maior piada do feminismo contemporâneo: uma jovem artista, sempre independente em todas suas formas criativas, resolve seguir estritamente o que um homem, fiel de uma única arte, tem a lhe dizer sobre como criar. Mas o conselho era bom, melhor do que os da vida real. De qualquer forma, não há dissonância cognitiva alguma: ainda que personificado na figura de um homem, o conteúdo provém inteiramente do meu eu onírico. Inconscientemente eu, mas, ainda sim, eu mesma.

Escreva com carinho. Foi esse o conselho revolucionário que ouvi da minha mente sonhadora esta noite. Simples, mas, sobretudo, efetivo. Acordei com um impulso acalentador sem igual, uma ternura materna digna de criador com sua criação. Não havia nada sobre o que escrever, senão sobre isto. A escrita como conteúdo e o carinho como forma.

Mas ainda que aquele escritor de pouca coisa sabia, seu personagem onírico me provocou um desafio e tanto. Apesar da minha determinação, me deparei com um impasse prático: como se escreve com carinho? Tudo que eu tenho produzido até então — pouca coisa, de fato, mas isto não vem ao caso — jorra a partir de uma nascente de sofrimento inesgotável, formando um rio de águas turvas de alívio a partir do momento em que é posto no papel. Como posso atrelar esta dor a algo tão tenro quanto o carinho? Seria puro mau gosto da minha parte me colocar nesta posição quando genuinamente esta não me pertence.

Mas será que de fato não me pertence? Ou será que apenas não permito pertencer a mim?  Deve haver alguma correnteza de carinho no meio desta tromba d'água que chamo de sofrimento. Afinal, se tal mensagem do escritor em mim despertou tamanha ternura, talvez eu seja capaz de canalizar esse sentimento em palavras. Criar uma nova nascente, mais esperançosa e vivaz do que a anterior.

E ao redor de toda nova nascente, ganha-se vida. Vida como nunca antes vista. A mata ciliar se firma naquele solo fértil e produtivo; populações ribeirinhas se sustentam da fluida diversidade jorrada; e uma fauna perigosamente bela perambula pelas árvores recém esverdeadas. É um futuro tão próspero que me cego diante da sua visão. Digna dos meus melhores sonhos, fruto da minha melhor versão.

Esboço um sorriso perante este fluxo de imagens intrometidas, metidas a tomarem conta do meu pretenso curso. Escreva com carinho, claro, escreverei, meu bem. É o que me resta para desaguar no plácido oceano de equilíbrio que me foi predestinado.

Entretanto, o meu sorriso logo se desmancha e meu lábio apreensivo prende-se sobre meus dentes. A trajetória de um rio é sempre sinuosa, permeada por declives e vales. Pedras diversas surgirão pelo meu percurso, quiçá montanhas inteiras. Estarei disposta a enfrentar tudo com carinho? Minha respiração se encurta e minhas mãos desesperadas agarram-se à frágil mesa enquanto tonteio-me diante o despedaçar daquilo que considerava ser meu coração. Já consigo me ver afogando em um redemoinho de sofrimento, apegando-me às escassas correntes de carinho que uma vez julguei potentes o suficiente para me sustentarem. Assumo a desilusão completa, sou apenas um ser terrestre buscando me aventurar por essas palavras inquietas.

Aqui jaz lamentosa minha tentativa desesperada de fazer jorrar carinho, encharcando com minhas lágrimas caridosas estas páginas embranquecidas por uma luz artificial e este cinza metálico computacional porcamente reluzente.  Talvez as nascentes só…surjam, tento me convencer em meio aos soluços. Não se pode forçar um solo a jorrar aquilo que ele não queira. Mesmo que o homem dos seus sonhos lhe diga o contrário.

Enxugo relutante meu choro afluente e retomo inebriada a minha rotina de dormir, como sempre faço após uma longa sessão de escrita. Ou após uma longa dose de vida. Sim, são cinco da tarde ainda, mas é tudo a que posso recorrer. Recolhendo-me sobre as cobertas, acesso os meus mais vívidos sonhos, prestes a descobrir uma nascente de carinho genuíno por mim mesma. Enfim, guardo a esperança de, em um solo fértil, uma nova safra de mim florescer.

Beatriz Arantes

sábado, 20 de julho de 2024

Fumaça, de Miriam Alves

Estou a toque de máquina
corro, louca, voo, suo
a fumaça sou eu

Estou a toque de nada
vivo, ando
como a comida envenenada
e o comido sou eu

Estou a toque de selva
os ferros torcidos, sacudidos
dentro de uma marmita
e a marmita sou eu

Nego, mas vivo dizendo
Sim
a tudo que me dói na cabeça
e o doido sou eu

Paro, mas estou sempre correndo
doem as pernas, os pés
e este corpo é o meu

Amanhã me encontra acordada
como a noite deixou
e o insone sou eu

Indago, mas não estou escutando
a pergunta anda solta
e ninguém explicou
que a resposta sou eu

Miriam Alves


Este poema antológico de Miriam Alves foi publicado pela primeira vez em "Cadernos Negros". n. 5,  São Paulo: Quilombhoje, 1982.


sexta-feira, 19 de julho de 2024

Ao fantástico sr. H., repórter de manchetes

Precisas da desgraça por perícia,
Do sensacionalismo da Baixada,
Do bicheiro, do jogo, da milícia,
E da estação Central superlotada
Na hora em que a praia está uma delícia!

E quando a circunstância te é propícia,
Exaltas os bandidos e a empregada,
Ou a mão da lei na forma da polícia;
Ao passo que te serve a dor roubada
Como convém ao mote da notícia!

Enalteces na glória ou na miséria
Frivolidades típicas de um lorde,
Ou o espetáculo em guerra na Libéria;
E não careces que ninguém concorde,
Desde que venda e a capa seja séria!

Que sangre onde haja sangue por pilhéria
Pois trazes se em África ou num Fiorde
Ipso facto, a verdade deletéria!
E havendo sangue então que se transborde,
Meu amigo, consegues a matéria!

Guilherme Ottoni

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Um poema de Larissa Lins


perdão se ignoro o sol se sigo em pranto
sigo réstias para a luz eu cega sigo o canto


Larissa Lins

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Cafés torrados, de Eduardo Moraes

Um dia, tomando um café na rua sozinho e meio entediado, fiquei prestando atenção na conversa de duas mulheres. Todo entediado é meio fofoqueiro. O papo não era nada interessante: Thomas estava com problemas na escola e Julinha não queria mais ir ao balé. Do outro lado fiquei sabendo que Mauro tinha rompido o ligamento cruzado e que estava querendo mudar de emprego. Até que a mãe de Thomas e Júlia, depois de tomar um gole do café e fazer uma cara feia, falou uma frase que me instigou:

”Menina… Não me acostumo com esses cafés especiais. Acho até ruim! Sei que aquele que tomo em casa é super torrado e que nem café puro é, mas já me acostumei com aquele gostinho, é até familiar.”

As mudanças, ainda que para melhor, costumam ter um gosto estranho e ser incômodas e difíceis de digerir.

Ela sentiu saudade do café ruim. A nostalgia bateu. Lembrou só dos seus pontos positivos. Será que só porque era familiar que era bom? E as novidades trazidas pelo especial criaram resistência e repulsa. Até as qualidades viram defeitos.

É caindo nessa que voltamos à estaca zero ou descemos um degrau. Muitas vezes escolhemos substituir o café ruim por outro ruim ou pior. Ou vivemos o estranho vazio que se auto completa ao sentir a ausência do negativo que se foi. Que não sabemos se é cômodo ou incômodo. E nos fechamos. Degradamos. Encolhemos. Criamos casca. E o especial vai perdendo espaço, se afastando e se deixando afastar. E vamos caindo nas peças que nossas cabeças nos pregam fechando os olhos para os bons ventos que podem estar por vir.

Mudar dói, dá frio na barriga e te faz questionar muitas coisas, mas é bom demais completar um vazio deixado por algo ruim com algo que realmente faz sentido, que foi trabalhado e pensado para o seu próprio bem. Certamente a saudade do super torrado vai bater quando você menos esperar, o estranhamento pelo especial também, mas um dia você acorda e, sem perceber, seu paladar mudou e seu sarrafo foi levantado.

Que aprendamos a evitar os cafés super torrados, e, é claro, a viver e sentir muitos incômodos (dos bons), ainda que saibamos que não será fácil se acostumar com eles.

Eduardo Moraes

terça-feira, 16 de julho de 2024

Um poema de Beatriz Bastos


Desde que nasci
te escrevo
estas palavras
seus olhos, algo seu, algo meu,
que ao escrever
te prendo, te liberto,
para sempre
na minha pele
como em palavras
nuas.


Beatriz Bastos

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Flor da idade


Homem que chora vira
florzinha — gritou o pai.
Joaquim abaixou a cabeça,
sentiu brotar dentro dele
uma flor de delicadeza.
Acabou chorando


Daniel Viana

domingo, 14 de julho de 2024

Poema escrito na orelha de um livro


Gosto da palavra — regozijo.
Tem o sabor de uma manhã
primaveril.
Nos limites da folha de papel
o poeta é uma criança
preocupada com o tempo
alvoroçada com a noite.

E o poema um copo
de leite 
tomando com a mesma ânsia 
de um menino que tem
o dia inteiro
até o anoitecer. 


João Lima

sábado, 13 de julho de 2024

Pura manha


Essa manha não irá triunfar!
Da sua esperteza
já sou amigo de longa data.
Tente,
mas não descanse.
Quem sabe um dia
Você toma o meu lugar.


Márcio Kozlowski

sexta-feira, 12 de julho de 2024

1ª edição do Prêmio Caminhos de Literatura!





Iniciativa de Henrique Rodrigues, escritor e gestor cultural, o Caminhos de Literatura terá sua primeira edição este ano. O prêmio busca dar oportunidades para autores iniciantes na cena literária brasileira e, nesta primeira edição, terá como foco romances inéditos. A obra vencedora será publicada pela editora Dublinense, com adiantamento de direitos autorais de R$ 5 mil, além de uma tutoria sobre mercado editorial com o curador e gestor do projeto e participação em eventos literários. O edital está no site: www.premiocaminhos.com.br.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Programa Noturno


No silêncio sepulcral desta noite
abro a janela
e recebo a visita do demônio.
Juntos travamos um pequeno diálogo
acerca da destruição do mundo.

Depois percorremos os cemitérios
e os ninhos dos pássaros agourentos,
respiramos o hálito da morte
e compactuamos da miséria dos homens.

A noite era fria e indiferente
aos nossos propósitos de celebração.
Com dedos trêmulos cavamos o altar
de nosso macabro ritual.

Antes, porém do sacrifício final
fomos resgatar a memória dos corpos
e garantir a permanência dos zumbis
sobre a face andrajosa do planeta.

Abrimos um caixão e uma brisa vaporosa,
que era ao mesmo tempo fúnebre e sensual,
despertou nossos instintos de espécie
e pouco depois e para sempre estava
consumado o ato lascivo e sagrado.

Chegamos depois ao altar fatídico,
e sob asquerosos protestos de ódio
à vida social e fútil dos vivos,
pegamos os punhais do sacrifício
e nos entregamos ao suplício eterno.


Milton Rezende

quarta-feira, 10 de julho de 2024

poeta


se você fosse caro
em vez de ser tão raro
eu deixaria de ser poeta tanto assim
pra ser puta no bairro bonfim
e com o suor sagrado do meu trabalho
compraria você todo pra mim


Ana Elisa Ribeiro

terça-feira, 9 de julho de 2024

da terra sob os peitos e outros castigos pelos feitos de eva


milena esconda essas vergonhas
limpe dos olhos dos pios a presença na casa

                 escórias
                 o sujo

paredes molhadas
de cheiro vivo

guarde no armário a presença na casa milena
guarde nas gavetas
debaixo das roupas proibidas
que roçam na umidade

sobras à beira do canal
              dobras
na ponta dos dedos

               é suja a presença na casa

a terra sob os peitos qual serpente
e outros castigos pelos feitos de eva

maçã vermelho-sangue salivando gêneses


Milena Martins Moura

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Walter Benjamin


Beija Walter
Beija o beija mim

Beija o cinema
Como arte Superior

Mas não aguento
O Eisenstein

E a falta de som
No vácuo d'eu


Rodrigo de Souza Leão

domingo, 7 de julho de 2024

Bagatela - IV, de Paulo Henriques Britto


Vida sempre rascunho, folha sem pauta,
pasto de lacunas e rasuras,
risco sobre risco, pré-
-texto de nada.


Paulo Henriques Britto

sábado, 6 de julho de 2024

Janus

 
a garça encorujou-se no flamboyant
e por trás do vermelho
o pescoço em S distendia
brancos ataques às rolinhas
que ao seu lado pousavam
pensando na paz...
encorujar-se
nem sempre um verbo triste.


Lasana Lukata

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Esquinas

 
há um céu que se divide
entre azul e cinza e nuvem

há carneirinhos em seus cabelos
e lésbicas rodando bolsinha

na manhã de minha sopa quente
há barbitúricos e cocaína

no clitóris da paisagem
há uma engrenagem nuance

entre azul e cinza e nuvem
há um céu que se divide


Rodrigo de Souza Leão

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Sobre o caiçara, de Carlos Andreas

 
O mar entre dois versos

se alarga e transborda em versos
os versos a soluçar se exilam;

o caiçara sem versos para viver
abandona a estrofe

e tudo vira mar


Carlos Andreas

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Anúncio, de Luiza Mussnich

 
Procura-se
uma relação que dure
mais de quinze hematomas
seis viagens a Itacaré
incontáveis gozos
três copos quebrados
telefone para contato
3672-4832
(dor aguda)


Luiza Mussnich

terça-feira, 2 de julho de 2024

O filtro


entardecia
quando você displicentemente bagunçou os cabelos
no meio da fala apressada
com um sorriso brincando
nos cantos dos lábios.
no fundo dos seus olhos luzia
uma cor inominável.
castanho talvez, mas com a suavidade do rosa
desabrochando no calor rubro
em faísca.
de repente, a mesa parecia um tom mais viva
o chão estendia-se em cor de sonho
e a brisa que soprava com calma
coloria o ar
que nos envolvia.


Gabriel Silveira


segunda-feira, 1 de julho de 2024

Julho, um poema de Alexandre Bruno Tinelli

Hoje a noite é tênue
e diante do golfo iluminado do teu corpo
o mar se reencontra com o ar.
Você dorme. E meu coração sente
uma necessidade rouca
de tecer novas relações com a luz.
Súbito se anulam os impulsos
que fazem da vida um ritmo constante
de erros. Não é hora de despedidas.
Tampouco se alargam as margens
do que era plano e era sonho.
Um corcel negro cavalga meu peito
rumo ao incêndio onde agora me deito.

Alexandre Bruno Tinelli

domingo, 30 de junho de 2024

cinturão, de Milena Martins Moura


tenho uma dobra vermelha na pele do rosto
como um corte

          entranha

você viu

a marca vermelha da cama no meu corpo
branco
onde dói o sol

você viu
os meus sinais em coleção
imitando a pose ereta de órion

ombro em rigel pé em betelgeuse

as partes proibidas à mostra
faz calor

e eu tenho sede

todos os tabus desnudados
         constelações

e eu ariadne corpo celeste
vindo jantar nos escombros

as pontas dos seus dedos mastigando os meus contornos

         entranha

todos os lábios
mordendo
a fraqueza da carne


Milena Martins Moura