o silêncio
do meu irmão
doía mais
que as pancadas
do meu pai
Reynaldo Bessa
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Um poema de Reynaldo Bessa
sábado, 16 de novembro de 2024
O primeiro dia
vendavais de amplictil
acalmam o silêncio
etílicos deitados
bebendo seu gardenal
o cérebro sufocado
a química cerebral
antenas recebendo
doses de fenergan
masturbam-se velas
pílulas bailarinas
a noite flutua
horrenda tarde
aqui a dentadura
me fala sombras
Rodrigo de Souza Leão
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Um poema de Daniel Rolim Rocha
gosto de conversas dosadas
por isso, quando vou falar com você,
tomo três doses de tequila
com sal e limão na borda da língua.
Daniel Rolim Rocha
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Andorinhas
Têm chovido andorinhas
umas mortas, muitas vivas
Têm caído segredos do céu
algumas facas, muitos vidros
Mas nenhum me conta mais
minha dor voou para longe
deixou aqui andorinhas
várias, porque é verão
Raphaela Ramos
sábado, 9 de novembro de 2024
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Um poema de João Paulo Gonçalves
Insisto
no rastro de quem tempos atrás
passou pela minha vida. Chego
perto apenas da sombra do abajur.
João Paulo Gonçalves
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
sábado, 2 de novembro de 2024
Um poema de Yassu Noguchi
in your eyes
encontrei motivos
pras contas de luz, água e gás
Yassu Noguchi
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
tragédia doméstica — 1º ato
— tô ficando maluco!
digo com ar grave de quem enxerga luz
no escuro
ela me encara e bebe suco
Caio Carmacho
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
bem-vinda
ressarcir
engendrar
a toda hora
em todo lugar
nasce uma palavra
— bem-vinda!
quando perderes o sentido
esvoaça daqui
descansa em paz
Chacal
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Crepuscular
Ainda poder
escutar a Musa,
embora já imerso
na sombra difusa
que vai se adensando
para se fazer
uma treva de
nunca amanhecer.
Ainda poder
Chegar à extrema
duração do dia
na voz de um poema,
mesmo humilde, apenas
suspiro da Musa
num adeus à beira
da noite difusa.
Ruy Espinheira Filho
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
Som
Gosto de ouvir
o som dos seus dentes rangendo
quando sobre mim e junto a mim
procura a explosão do gozo.
Rosilene Jorge dos Ramos
domingo, 27 de outubro de 2024
Roda
Enrubesci.
Peguei a raiva
e rodei o mundo
que cabia debaixo da minha saia.
Ela virou pó,
Eu — movimento
Jade Prata
sábado, 26 de outubro de 2024
Um poema de Bruna Escaleira
sexualidade
ou imensidão
no oceano da pele
nado em águas livres
Bruna Escaleira
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Um poema de Ana Chiara
Beija-flor parado
Tremor de asas
Também viaja
Suga alegria
Por deslocamentos mínimos
Ana Chiara
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Operando a manhã
Um saco pleno de gemas,
algo assim como um câncer luminoso,
E um bisturi afia a ponta da sua lâmina sobre a fina pele.
Repente
Amarelo!
Não é preciso nenhum galo
Para anunciar o amanhecer.
Lucas Matos
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Miramar
Pôr-do-sol em Miramar.
A faixa de areia é ampla, branca.
As mulheres indianas, floridas, coloridas.
O mar aquietado do sul, azul.
O sol que encosta no espelho, vermelho.
Momentos para serem lembrados, dourados.
Miramar.
Sem trocadilhos, sem referências.
Somente o sol se pondo na praia
Lucas Viriato
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Bumerangue
As palavras,
lancei-as
ao mundo.
O vento,
agressivo,
trouxe-as
de volta.
Me golpearam!
Bianka de Andrade
domingo, 20 de outubro de 2024
Naná
silêncio das estrelas
fumaça branca
que atravessa o céu
fumaça d'água
que jorra forte de dentro do estreito de uma pedra
sopro divino do céu
duas estrelas
me miram
como dois olhos
sinto a presença dela
meu coração se inunda
e transborda
pelos meus olhos embaçados
fumaça que escorre pelo canto da minha face
Mônica B. Alvim
sábado, 19 de outubro de 2024
Trinta e nove no ibope
O playground no jardim.
A menina no jardim.
Seu corpo não brinca no playground.
Israel Antonini
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
Elemento
Palavra nenhuma existe.
Existem o fogo, a pedra, a água, o ar.
E a dor, dissimulada no verso.
Paloma Roriz
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Lucidez
Estou perdendo a visão, mas não estou perdendo você. Tenho sua aliança junto à minha, lado a lado, em meu dedo. Com isso sinto que o nosso amor está cada vez mais vivo. E assim será até a hora do nosso reencontro, quando estaremos juntos para sempre. Em breve, na eternidade.
Marina V. Medeiros
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Um poema de Nadiá Paulo Ferreira
Gotas rubras
no vértice
do meu corpo
Sou vaga sísmica
entre mulheres azuis
Onde o nada me espreita
espedaço-me flamejante
na imensidão da areia branca
Nadiá Paulo Ferreira
segunda-feira, 14 de outubro de 2024
Colapso
não restou nem poeira
da rotina de folhas e caminhadas
necessidade não é fraqueza
necessidade é necessidade
não sei o que dá mais medo
encontrar algo
ou não encontrar nada
Mauro Santa Cecília
domingo, 13 de outubro de 2024
Vento vadio
ás vezes vem um vento
e levanta a aba do pensamento
jogando meu chapéu
pra lá da possibilidade.
Chacal
sábado, 12 de outubro de 2024
sexta-feira, 11 de outubro de 2024
Azul mar
Sinto muita saudade
de você, tem dias que eu sinto
que sou ilha perdida
no meio de tanto mar
como fui me separar?
de um continente tão forte
deixei pra trás
muita terra segura
passei por tempestades
tormentas, chuvas imensas
e agora uma calmaria
em que paro tudo
e observo do mirante
o oceano, atlântico,
pacífico, gigante
Rafael Magalhães
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
Fênix
voo alto no céu
compartilho da chama
que se forma canção
música vibra na alma
o milagre da transmutação
Marcela Sperandio
terça-feira, 8 de outubro de 2024
Se livrando das pulgas sem pesticidas
No meu ouvido
Narrando a rota de fuga
Convenceu a mente que julga
E isso quase me derruba
Deus que me acuda, me dê arruda
Pra esse perigo
Quase que eu me torno
Meu pior inimigo
Mas não, sou meu melhor amigo
E digo:
Não embarque nessa viagem
Tendo o medo como bagagem!
Jonas Samaúma
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
descrição alguma
essa escritura calada
essa tamanha bebedeira
esse arrependimento de matar
essa falta de assunto
essa vontade finita
de sair daqui
André Monteiro
domingo, 6 de outubro de 2024
O amor mudou-se
Agora possuo uma mancha escura
As praças já não possuem os portões abertos de quando cheguei aqui
O amor mudou-se
A estrada de ferro eu abandonei
As fotografias que tirei na Central do Brasil
Foram arquivadas para chorar depois
Eu vesti a roupa devida
Mas não disse a palavra certa
Marilene Vieira
sábado, 5 de outubro de 2024
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Um poema de Lorena Martins
a noite no sofá
é pele
cascata
que não alcança
a janela.
as tardes
se trancafiam
nos cantos da sala:
desperto
meu bonde abandono
a mão no parapeito
e minha garganta
que voa.
Lorena Martins
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
Às vezes , ócio
às vezes choro,
pois no choro lavo a alma.
ás vezes, oro,
pois a fé me acalma.
às vezes, calmo,
em profundo silêncio,
não preciso falar a vivalma,
apenas viver meu ócio.
Giovani Miguez
terça-feira, 1 de outubro de 2024
Um poema de Paulo D'Auria
Feito um menino que levantasse a lona do circo,
espiava debaixo da linha do horizonte.
Aprendeu a dar risada do destino.
Paulo D'Auria
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
domingo, 29 de setembro de 2024
Vozes do cerrado
brasília, brasília,
onde estás
que não respondes?!
em que bloco,
em que superquadra
tu te escondes?!
Nicolas Behr
sábado, 28 de setembro de 2024
Fósforo
Breve pedaço de madeira,
em atrito contra a superfície áspera,
dura, impassível.
Não ceder, mas romper-se, incandescente.
O fogo, o lume,
que súbito se apaga.
Paloma Roriz
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
A DANÇA DOS TEMPOS POSSÍVEIS
O passado não dorme
nem jazz.
Recusa a quietude
da memória
mas sem me chamar
para dançar.
Gira mudo e sozinho, sozinho,
entrecruzando meus caminhos
presentes, lançando ao ar
o perfume em torvelinho
de passados outros, e presentes, e futuros
que poderiam ser, e ter sido, e contudo...
Thássio Ferreira
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Um poema de Danilo Diógenes
[...]
digamos
que todo poema
é aquilo que sobra
de uma pessoa;
almoçar, então, ao lado deste poema
é almoçar ao lado de qualquer pessoa
é construir as rampas que nos guiam para o alto
e as escadas que nos levam para baixo
Danilo Diógenes
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
Shopping Trem Tudo
Ilustres passageiros,
Solange Valeriano Pinto
terça-feira, 24 de setembro de 2024
poesia
a minha poesia é lírica
tem a beleza bucólica
do voo de uma andorinha
tem o latido melancólico
de um cachorro campestre
tem a solidão jururu
de uma galinha ciscando
mas o que ela queria mesmo
era ter...
a força do tigre
a astúcia do coiote
a agilidade do jaguar
e o mistério do morcego
Jovino Machado
segunda-feira, 23 de setembro de 2024
"shakespeare"
se nós escrevêssemos
tudo o que sentíssemos
estaríamos sempre sós
e para sempre ocupados
porém não tão infelizes.
Leonardo Marona
domingo, 22 de setembro de 2024
DESPEDIDA
Quando eu morrer,
filhinho, não se
esqueça de colocar água
com açúcar no potinho.
Te visitarei disfarçado
de beija-flor.
Daniel Viana
sábado, 21 de setembro de 2024
AUTREMENT
ecos do dia
num caleidoscópio
movem-se lentas larvas
entre palavras e coisas
In other words:
ninguém sonha em prosa.
Patrícia Lavelle
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Viento ligero
Un viento de recuerdos
atravesó mis sueños,
ha traído su olor
rojo, sin dueños.
Mi dejarte
sola, embarazada
de calidez y libertad.
Jade Prata
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
Destino
Eu sou um trem de ferro
Que leva minérios
No coração.
Eu sou um trem de ferro
Que traz histórias
No vagão.
Eu sou um trem de ferro,
Seguindo os trilhos
Da palma da minha mão.
Petrônio Souza Gonçalves
domingo, 15 de setembro de 2024
A LENDA
Pouco se sabe dos Passarinhos Verdes.
Apenas que eles nos procuram
para se alimentar das surpresas.
Pousam em galhos discretos
e se escutam:
— Olha! Um pass...
Voam para longe, felizes por
terem completado seu destino.
Pedro Lago
sábado, 14 de setembro de 2024
PERDEU-SE
dançarina baiana perdeu o rebolado nas areias de copacabana. quem encontrá-lo, é favor devolvê-lo.
muito mais que monetário, ele é de inestimável valor afetivo para sua dona.
mary saravá
7407-0198
Letícia Féres
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
contração do fim de um mundo
No opositor me encontro,
encontro eu, você e a fera.
No opositor me escondo,
escondo eu, você e a fera.
No opositor penso que penso,
mas na verdade é fera, fera e fera.
Luiz Fernando Priamo
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Hemingway e os lugares seus
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
No vício
trago
a cortina de fumaça que tu leva
em cada frase
sem matéria
na nuvem de não-ditos
que nos rodeia.
é meu pulmão que bate por ti.
que arde em todo toque seu
e vira cinzas no ponto final
em vermelho fogo
que pende dos seus lábios
entreabertos
no fim da noite.
Gabriel Silveira
terça-feira, 10 de setembro de 2024
Perguntas
"No que você pensa quando olha p/ mim?"
"Qual o centro do mundo p/ você?"
"Você não pensa que é o centro do mundo, pensa?"
"Pode morrer sem ternura?"
Franklin Alves Dassie
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
Um poema de Otávio Campos
como se chama
esse lugar
que existe
depois que
a noite
termina?
Otávio Campos
domingo, 8 de setembro de 2024
Cantada
Quero ficar morandinho no teu abraço,
E em nenhum outro lugar.
Quero ficar dormindinho no teu ombro,
Até a noite terminar.
Quero ficar sonhandinho com você
Aonde quer que eu vá.
Thais Vicente
sábado, 7 de setembro de 2024
Alarme
Seu despertador é um choque elétrico?
Você acorda todo queimado?
Augusto de Guimaraens Cavalcanti
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
Um poema de Flávia Muniz Cirilo
Apresento-te o tempo,
o tempo grande das coisas mínimas.
O sol cabível no grão,
o chão do lugar onde pisas,
o presente de estar em tuas mãos,
soberano amor eterno,
luz infinita manifesta em mim.
Flávia Muniz Cirilo
quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Um poema de Otávio Campos
as pálpebras da cidade
quando pesam
fecham-se madeira ou metal
da direita para a esquerda
trancas e taramelas
Otávio Campos
terça-feira, 3 de setembro de 2024
Ao machismo
não me interessa
o que vem
da sua cabeça,
mas o que tem
na sua calcinha...
meu gatinho,
quero saber
o que ganho de fato,
para conhecer
o tamanho exato
do seu pintinho...
Gringo Carioca
segunda-feira, 2 de setembro de 2024
Um poema de Amanda Bruno
ela tinha os olhos de ressaca
não era capitu, era cachaça
morava no centro da cidade
ardia de suor e fumaça
ia e vinha como uma onda
sem lua
ela era metade gente
e a outra não era peixe
mas ela cantava, iemanjá
e eu me afogava
Amanda Bruno
domingo, 1 de setembro de 2024
Pernambucano paulistano
cada são paulo a que retorno
toca tanto que é ruim
na marginal eu quase choro
só porque me sinto vir
pernambucano paulistano
como tantos por aqui
tenho-a minha toda e tanto
que não a posso possuir
Frederico Barbosa
sábado, 31 de agosto de 2024
sexta-feira, 30 de agosto de 2024
Um poema de Wanda Monteiro
sonharás com o rio
tuas ausências
irão penetrar como lâminas
nos tímpanos do sonho
o rio falará contigo
irás chorar
tua dor caberá no rio
e o rio caberá em tua lágrima
Wanda Monteiro
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
NOITE ALTA
A noite vai alta.
No quarto, o luar
acende o retrato
de um menino. O mar
conta velhos contos
de morrer e amar
e o menino o escuta
no retrato ao luar.
[...]
Ruy Espinheira Filho
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
Mente
Hoje rodei o planeta na rede de minha varanda.
Antes de rir, me entenda um segundo:
minha cabeça, meu mundo.
Rodrigo Raro
terça-feira, 27 de agosto de 2024
COGUMELOS
Quando o coração se inflama
incendiado pela paixão
esse fogo não ilumina;
é como o cogumelo venenoso
que brota durante a noite úmida:
não alimenta, queima, apenas queima
o organismo, e alucina.
Renato Rezende
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
SÚBITA
viver é hoje, tão prosaico
e em prosa tudo segue, lento
mas eis que de repente irrompe
uma ideia simples, você
tão pequenina pulsação
fruto brotado nesta folha
vela e revela, mostra e guarda
o que está além da prosa, em verso
Henrique Rodrigues
domingo, 25 de agosto de 2024
paz
fiz as pazes comigo mesmo
de hoje em diante
seremos bons inimigos.
Braulio Coelho e Breno Coelho
sábado, 24 de agosto de 2024
Um poema de Daniel Valentim Mansur
a voz é cigana,
estrangeira ao que se amontoa:
beleza
sobre beleza
sobre beleza,
na agricultura da ordem pela novidade.
a voz é pássaro recolhido
enquanto chuva, ruína e arado.
Daniel Valentim Mansur
sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Devoras
Pedro Tostes
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
Um poema de Luciana Tonelli
a falta de lugar
ocupa todos os cantos
o não estar estando viva
é a causa do meu espanto
Luciana Tonelli
quarta-feira, 21 de agosto de 2024
Um poema de Carlos Orfeu
no
bambuzal
brisa
faca
afia
o som
das folhas
ásperas
impertinentes
em voos
suicidas
Carlos Orfeu
terça-feira, 20 de agosto de 2024
segunda-feira, 19 de agosto de 2024
BEM QUE SE KISS
Bem que esse seu beijo
podia ser inteiro
e não metade
Durar um ano inteiro
e não uma tarde.
Hudson Pereira
domingo, 18 de agosto de 2024
PRECONCEITO, um poema de Tuca Muniz
Tuca Muniz
sábado, 17 de agosto de 2024
sexta-feira, 16 de agosto de 2024
Um poema de Roberta Lahmeyer
Aquele cadeira
na sua plenitude imovél
parece iluminada
por uma certeza tranquila
Aquela cadeira desconhece-nos
Roberta Lahmeyer
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Uma écfrase para Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, por Kamily Durval
(Morro da Favela, Tarsila do Amaral, 1924)
Uma família reunida,
sem pensar na comida.
O tempo é ocioso:
e traz quase um milagre!
Uma paisagem bela, repleta de cor:
esse é o cenário da favela moderna.
Plantas desérticas, cachorro satisfeito…
Até me esqueço da realidade
que não foi pauta de toda Modernidade.
Eu nunca vi e…
Ainda não vejo uma favela assim.
Será que a Modernidade não chegou para mim?
Kamily Durval
quarta-feira, 14 de agosto de 2024
POEMINHA ASTRAL #21
boêmio como a cachaça de minas
manso como um queijo minas.
e energético
como
o minério
férrico feérico
de minas.
Matheus José Mineiro
terça-feira, 13 de agosto de 2024
Um poema de Rogério Snatus
meu voo rasante
em seu ventre
joguei faíscas de sonhos
após saltar sem pára-quedas
sobre o hálito dos desejos
Rogério Snatus
segunda-feira, 12 de agosto de 2024
Disforia Genealógica — Fotomontagem e prosa poética de Maria Júlia Barroca
Como eu posso deixar você ir se o ar que eu respiro são as suas raízes que cresceram na minha medula?
Tenho medo do meu corpo. Ele é opaco a mim, uma sombra do tempo presente. Ao outro, ele é translúcido, uma extensão de um passado que não me pertence.
Tenho medo de quem a essa couraça pertence.
Tenho medo da dor.
Eu sei que a dor é maior do que a psiquê consegue carregar e do que a carne sustentará, mas até quando a carne é o fardo do ser de ser humano?
Enfim, tenho medo da minha dor.
Maria Júlia Barroca
domingo, 11 de agosto de 2024
origami
com a mesma
precisão
que corto meus
lábios
faço origamis
de ventania.
dobro um boneco de neve, um barco, uma língua.
seco meus cortes
com origami
e saliva.
Ana Tereza Salek
sábado, 10 de agosto de 2024
A última sessão de análise
afundar na lama
areia movediça
uma pedra podre
uma falsa cortiça
uma triste musa
atrás da treliça
um amor insone
que morre de preguiça
um ateu que xinga
que não vai à missa
um fogo frio
que a cinza atiça
Marcelo Dolabela
sexta-feira, 9 de agosto de 2024
Um poema de André Giusti
Resistir,
feito
aquele
resto de
poeira
entre a
pá e a
vassoura.
André Giusti
quinta-feira, 8 de agosto de 2024
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
Carta inédita de Zé Celso Martinez Corrêa para Oswald de Andrade
Evoé Ozwald de Andrade!
A partyr da leytura da sua obra, tudo o que fyz foy ynfluencyado por você! Você foy meu Shakespeare, meu Goethe, me trouxe a chave para toda a cultura brazyleyra! Você entendeu que o mundo acabarya por se tornar um lugar movydo pela antropofagya. Tudo que ze chama de myx, tudo o que ze vê de ymygração que contorna cydadez e devora a cultura ocydental, é a próprya cultura, que eztá comendo e vay comer o mundo. Oz povoz devoram e vomytam o moralysmo, a noção do bem e do mal, da cultura purytana, az utopyaz, az ygrejaz. A coyza não é mayz zer zocyalyzta ou yr para o céu. Não exyzte mezzyaz, zó devoração! Bebo na zua fonte de pós-modernyzta, com a zabedorya de que a Europa já não é mayz o centro do mundo. Contra todoz oz ymportadorez de conzcyêncya enlatada! O centro do mundo deve ser forjado na memórya doz grandez genocýdyoz da modernydade: o yndýgena e a dyázpora negra.
O “Rey da Vela” foy uma forma que você noz deu de tentar aprender, atravéz de sua conscyêncya revolucyonárya, uma realydade que era e é o opozto de todaz az revoluçõez. O texto foy uma revolução de forma e conteúdo para exprymyr uma não-revolução. Uma modernydade abzoluta de Ozwald de Andrade! Ou uma eztagnação da realydade nacyonal. Ou zenylydade mental nozza. Em 1967, o Teatro Ofycyna Uzyna montou “O Rey da Vela”, e, enquanto dyretor, adaptey-o lyvremente à cena. Uma montagem fyel ao texto zerya um contrazzenzo, conzyderando o poder cryatyvo anárquyco dezze texto oswaldyano. A partyr dezza montagem, aprofundamoz a preocupação com o gezto e com o corpo, a partyr de laboratóryos de estudoz do corpo. O corpo é tydo como uma máquina dezejante, uma produção dezejante, é a superfýcye para o regyztro de toda produção de dezejo. Eram ymportantez oz depoymentoz pezzoayz bazeadoz no geztual: querýamoz eztudar oz geztoz fundamentayz que az pezzoaz adquyrem em função de zeuz ofýcyoz, ou zeja, o gezto doz bancáryoz, doz polýtycoz, doz médycoz, doz eztudantez. Havya nezzez laboratóryoz uma fonte fantáztyca de aprendyzado! Quantas coyzaz poderýamoz entender atravéz do corpo! Numa noyte, zentadoz no Bar Cervantez, obzervey todoz oz homenz que entravam, e ao subyr o degrau, davam uma ajeytada no saco. Concluý que ajeytar o zaco era uma verdadeyra obzezzão mazculyna. Mays tarde ezze gezto foy eztylyzado e uzado, em momentoz precyzoz, peloz pryncypayz perzonagenz de “O Rey da Vela”. E atravéz do corpo e do coro, embebydoz pelo saber antropofágyco, codyfycamoz o zeu texto em cena.
Com a montagem de “O Rey da Vela”, o Ofycyna entra na revolução cultural de dezcolonyzação completa do Brasyl, retomando a Antropofagya da Cultura doz Ýndyoz Caetéz que comeram o Byzpo Portuguêz Zardynha que ya à Europa buzcar mulherez brancaz para cruzarem com oz colonoz portuguezez. Devoramoz o teatro do Hemyzféryo Norte, comydoz pelaz culturaz que azzumymoz em nozzo corpo: a doz ýndyoz, doz ezcravoz afrycanoz, doz emygrantez que cozynharam a mazza da meztyçagem doz Bayxoz do Brazyl. Em cena, adoto o nú! O nú de coztaz, de lado, frontal! O que atropela a verdade é a roupa, o ympermeável entre o mundo ynteryor e o exteryor. Eztar nú em cena é uma reação contra o homem veztydo, veztydo à la colonyalydade!
Em homenagem a você e aoz 50 anoz do Teatro Ofycyna, montamoz o ezpetáculo Macumba Antropófaga em 2011, a partyr da leytura do Manyfezto Antropófago de 1928. A Revolução Caraýba ze tranzformou num ato, em um rytual cênyco, onde oz artiztaz-dançarynoz tornaram-ze “Tupynambáz e Aymoréz”, oz corpoz e o coro preenchendo o ezpaço cênyco. Todo o ezpaço ze torna um ezpaço cênyco no Ofycyna, daz ruaz do bayrro da Bexyga até a próprya eztrutura do teatro. O Ofycyna é um terreyro eletrônyco! Em cena: todoz - artyztaz, técnycoz, e públyco numa yntegração (devoração) antropofágyca. Só a antropofagya noz une! É a ley do homem, a únyca ley do mundo. E azzym, fazemoz contato com o Brazyl Caraýba, com o ynztynto Caraýba.
Ao dylema hamletyano do mundo ocydental cryztão “to be or not to be” você rezpondeu: “YEZ, TUPY” e, atravéz do Teatro Ofycyna, retornamoz ao mundo bárbaro amerycano, azyátyco, afrycano. A mynha antena do mundo é Ozwald de Andrade! O meu coração zegue uma pulzão dyonysýaca! O meu ezpýryto ze materyalyza no corpo atravéz do teatro… experymento Deuz atravéz do corpo! Teatro como reztytuyção do tezão pelo próxymo! Teatro como centro orgyástyco! Te-ato! Como ato. Teatro como uma vyda ao avezzo: morte ynycyátyca atravéz da antropofagya! Fuga de dycotomyaz e purytanyzmoz! Um poder tranzumano! Uma zagração! Antropofócyo! Antropoforgya!
Evoé!,
ZÉ CELZO, O CAVALO OZWALDYANO DA CULTURA BRAZYLEYRA
Recebido por Maria Luísa Brito
terça-feira, 6 de agosto de 2024
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
ZOOM
O importante da fotografia
É o click da máquina que
Abre a boca da câmera
E devora o instante
Rosália Milsztajn
domingo, 4 de agosto de 2024
Teresa: Minha Igreja — Fotomontagem e poema de Luciana Bezerra
Minha igreja
Meu farol
Meu norte
Meu descanso
Minha certeza de morada
Namorada onde esteja
Abrigo do meu viajante.
Nunca mais você, Teresa
Nunca mais dormi a noite
Nunca mais sorri por dias
Nem tomei a comunhão
Mas farei meu carnaval
E afinal vou te encontrar
Pra me perder em suas pernas.
sábado, 3 de agosto de 2024
Um poema de Thiago de Freitas Peixoto
As pessoas perfeitas
têm muitos defeitos em comum.
Thiago de Freitas Peixoto
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
SONHO
cito:
esse amor
— o que você recebe —
no fim é igual
àquele amor
— o que você dá
— e a poesia
está pronta
Larissa Andrioli
quarta-feira, 31 de julho de 2024
plac, poema de Jorge Salomão
POR TODO LADO DESTRUIÇÃO
NO MEIO DISSO TEUS OLHOS
IMENSOS SOFRIDOS SEM DIREÇÃO
ENQUANTO A ALMA QUEIMA
ESTALA PLAC E PEDE MAIS...
Jorge Salomão
terça-feira, 30 de julho de 2024
segunda-feira, 29 de julho de 2024
domingo, 28 de julho de 2024
para Emily Dickinson
quando o mundo todo é uma ruína
sábado, 27 de julho de 2024
Eu queria fazer um poema pra você
Numa ocasião em que eu estava
(como das outras vezes) prestes
a me naufragar no abismo do delírio,
houve um sorriso de dentes postiços.
Mas eu já não queria mais cair
na cilada do amor fugaz e preferia
estar quieto e fugir para longe do
alcance de uma outra decepção.
Então eu me internei num hospício
e amarrei as minhas mãos ao pé
de uma árvore frutífera de onde
eu poderia escavar o chão de barro.
Ao fim do terceiro dia de psicopatia
veio a diretora dizer que eu deveria
partir para um lugar que não sabia
e me deram um endereço e o contato.
Era um lugar acolhedor e distante
coberto de grama e cerca de arame
mas quando fui atravessar a ponte
um cão vampiro me atacou de noite.
Sobrevivi como alguém que se esqueceu
da longa noite passada e caminha como
se o dia estivesse amanhecendo de novo,
apesar do rastro de sangue e a boca seca.
Havia uma casa deserta e eu pensei em
largar tudo o que eu não nunca tive e
vir morar aqui no meio dos bichos que
comunicam-se através de sinais e apitos.
Lembro de uma escada pintada de verde
e uma mulher bonita que veio me atender
com as mãos estendidas e um sorriso
encorajador para que eu dissesse tudo.
Não havia o que contar além do fato
de eu ter andado distante e perdido
e que, nesse período, eu havia criado
enredos irreais para me manter vivo.
Tudo era então uma simples questão
de fechar os olhos para os pássaros e viver
tranquilo como os homens banidos de si
e que se refugiam no labirinto do amor.
Ai que delícia que é poder acordar e dizer
que estou vivo, mesmo não tendo nada
ao redor a não ser o microfone em que
digo isso e acompanhar o seu eco no abismo.
Milton Rezende
sexta-feira, 26 de julho de 2024
O intruso
caras e bocas e
ouvidos atentos e brincos
que pendem pros ombros desnudos
e braços tão finos com mãos
que se apertam e olhos
que veem seus amigos de infância
e os lábios que riem dizem sobrenomes
narizes pra cima que testam sua classe
e rostos que viram quando você passa
no meio dos passos
do salão em festa
Gabriel Silveira
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Alforje, de Otávio Campos
Tenho trazido cabelos à altura
dos ombros porque acredito
na força das coisas mortas
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Um poema de Thássio Ferreira
como
através de uma brasa
—a própria língua —
aprender a sangrar
uma voz
que em sua dança de relance
alcance dizer em pânico
palavra que valha a pena
como
pólen de pensamento
gozo desajustado
lampejo doce
delirância
Thássio Ferreira
terça-feira, 23 de julho de 2024
segunda-feira, 22 de julho de 2024
domingo, 21 de julho de 2024
Com carinho, de Beatriz Arantes
E ao redor de toda nova nascente, ganha-se vida. Vida como nunca antes vista. A mata ciliar se firma naquele solo fértil e produtivo; populações ribeirinhas se sustentam da fluida diversidade jorrada; e uma fauna perigosamente bela perambula pelas árvores recém esverdeadas. É um futuro tão próspero que me cego diante da sua visão. Digna dos meus melhores sonhos, fruto da minha melhor versão.
Esboço um sorriso perante este fluxo de imagens intrometidas, metidas a tomarem conta do meu pretenso curso. Escreva com carinho, claro, escreverei, meu bem. É o que me resta para desaguar no plácido oceano de equilíbrio que me foi predestinado.
Entretanto, o meu sorriso logo se desmancha e meu lábio apreensivo prende-se sobre meus dentes. A trajetória de um rio é sempre sinuosa, permeada por declives e vales. Pedras diversas surgirão pelo meu percurso, quiçá montanhas inteiras. Estarei disposta a enfrentar tudo com carinho? Minha respiração se encurta e minhas mãos desesperadas agarram-se à frágil mesa enquanto tonteio-me diante o despedaçar daquilo que considerava ser meu coração. Já consigo me ver afogando em um redemoinho de sofrimento, apegando-me às escassas correntes de carinho que uma vez julguei potentes o suficiente para me sustentarem. Assumo a desilusão completa, sou apenas um ser terrestre buscando me aventurar por essas palavras inquietas.
Beatriz Arantes
sábado, 20 de julho de 2024
Fumaça, de Miriam Alves
Estou a toque de máquina
corro, louca, voo, suo
a fumaça sou eu
Estou a toque de nada
vivo, ando
como a comida envenenada
e o comido sou eu
Estou a toque de selva
os ferros torcidos, sacudidos
dentro de uma marmita
e a marmita sou eu
Nego, mas vivo dizendo
Sim
a tudo que me dói na cabeça
e o doido sou eu
Paro, mas estou sempre correndo
doem as pernas, os pés
e este corpo é o meu
Amanhã me encontra acordada
como a noite deixou
e o insone sou eu
Indago, mas não estou escutando
a pergunta anda solta
e ninguém explicou
que a resposta sou eu
Miriam Alves
Este poema antológico de Miriam Alves foi publicado pela primeira vez em "Cadernos Negros". n. 5, São Paulo: Quilombhoje, 1982.
sexta-feira, 19 de julho de 2024
Ao fantástico sr. H., repórter de manchetes
Precisas da desgraça por perícia,
Do sensacionalismo da Baixada,
Do bicheiro, do jogo, da milícia,
E da estação Central superlotada
Na hora em que a praia está uma delícia!
E quando a circunstância te é propícia,
Exaltas os bandidos e a empregada,
Ou a mão da lei na forma da polícia;
Ao passo que te serve a dor roubada
Como convém ao mote da notícia!
Enalteces na glória ou na miséria
Frivolidades típicas de um lorde,
Ou o espetáculo em guerra na Libéria;
E não careces que ninguém concorde,
Desde que venda e a capa seja séria!
Que sangre onde haja sangue por pilhéria
Pois trazes se em África ou num Fiorde
Ipso facto, a verdade deletéria!
E havendo sangue então que se transborde,
Meu amigo, consegues a matéria!
Guilherme Ottoni
quinta-feira, 18 de julho de 2024
Um poema de Larissa Lins
perdão se ignoro o sol se sigo em pranto
sigo réstias para a luz eu cega sigo o canto
Larissa Lins
quarta-feira, 17 de julho de 2024
Cafés torrados, de Eduardo Moraes
Eduardo Moraes
terça-feira, 16 de julho de 2024
Um poema de Beatriz Bastos
Desde que nasci
te escrevo
estas palavras
seus olhos, algo seu, algo meu,
que ao escrever
te prendo, te liberto,
para sempre
na minha pele
como em palavras
nuas.
Beatriz Bastos
segunda-feira, 15 de julho de 2024
Flor da idade
Homem que chora vira
florzinha — gritou o pai.
Joaquim abaixou a cabeça,
sentiu brotar dentro dele
uma flor de delicadeza.
Acabou chorando
Daniel Viana
domingo, 14 de julho de 2024
Poema escrito na orelha de um livro
Gosto da palavra — regozijo.
Tem o sabor de uma manhã
primaveril.
Nos limites da folha de papel
o poeta é uma criança
preocupada com o tempo
alvoroçada com a noite.
E o poema um copo
de leite
tomando com a mesma ânsia
de um menino que tem
o dia inteiro
até o anoitecer.
João Lima
sábado, 13 de julho de 2024
Pura manha
Essa manha não irá triunfar!
Da sua esperteza
já sou amigo de longa data.
Tente,
mas não descanse.
Quem sabe um dia
Você toma o meu lugar.
Márcio Kozlowski
sexta-feira, 12 de julho de 2024
1ª edição do Prêmio Caminhos de Literatura!
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Programa Noturno
No silêncio sepulcral desta noite
abro a janela
e recebo a visita do demônio.
Juntos travamos um pequeno diálogo
acerca da destruição do mundo.
Depois percorremos os cemitérios
e os ninhos dos pássaros agourentos,
respiramos o hálito da morte
e compactuamos da miséria dos homens.
A noite era fria e indiferente
aos nossos propósitos de celebração.
Com dedos trêmulos cavamos o altar
de nosso macabro ritual.
Antes, porém do sacrifício final
fomos resgatar a memória dos corpos
e garantir a permanência dos zumbis
sobre a face andrajosa do planeta.
Abrimos um caixão e uma brisa vaporosa,
que era ao mesmo tempo fúnebre e sensual,
despertou nossos instintos de espécie
e pouco depois e para sempre estava
consumado o ato lascivo e sagrado.
Chegamos depois ao altar fatídico,
e sob asquerosos protestos de ódio
à vida social e fútil dos vivos,
pegamos os punhais do sacrifício
e nos entregamos ao suplício eterno.
Milton Rezende
quarta-feira, 10 de julho de 2024
poeta
se você fosse caro
em vez de ser tão raro
eu deixaria de ser poeta tanto assim
pra ser puta no bairro bonfim
e com o suor sagrado do meu trabalho
compraria você todo pra mim
Ana Elisa Ribeiro
terça-feira, 9 de julho de 2024
da terra sob os peitos e outros castigos pelos feitos de eva
milena esconda essas vergonhas
limpe dos olhos dos pios a presença na casa
escórias
o sujo
paredes molhadas
de cheiro vivo
guarde no armário a presença na casa milena
guarde nas gavetas
debaixo das roupas proibidas
que roçam na umidade
sobras à beira do canal
dobras
na ponta dos dedos
é suja a presença na casa
a terra sob os peitos qual serpente
e outros castigos pelos feitos de eva
maçã vermelho-sangue salivando gêneses
Milena Martins Moura
segunda-feira, 8 de julho de 2024
Walter Benjamin
Beija Walter
Beija o beija mim
Beija o cinema
Como arte Superior
Mas não aguento
O Eisenstein
E a falta de som
No vácuo d'eu
Rodrigo de Souza Leão
domingo, 7 de julho de 2024
Bagatela - IV, de Paulo Henriques Britto
Vida sempre rascunho, folha sem pauta,
pasto de lacunas e rasuras,
risco sobre risco, pré-
-texto de nada.
Paulo Henriques Britto
sábado, 6 de julho de 2024
Janus
a garça encorujou-se no flamboyant
e por trás do vermelho
o pescoço em S distendia
brancos ataques às rolinhas
que ao seu lado pousavam
pensando na paz...
encorujar-se
nem sempre um verbo triste.
Lasana Lukata
sexta-feira, 5 de julho de 2024
Esquinas
há um céu que se divide
entre azul e cinza e nuvem
há carneirinhos em seus cabelos
e lésbicas rodando bolsinha
na manhã de minha sopa quente
há barbitúricos e cocaína
no clitóris da paisagem
há uma engrenagem nuance
entre azul e cinza e nuvem
há um céu que se divide
Rodrigo de Souza Leão
quinta-feira, 4 de julho de 2024
Sobre o caiçara, de Carlos Andreas
O mar entre dois versos
se alarga e transborda em versos
os versos a soluçar se exilam;
o caiçara sem versos para viver
abandona a estrofe
e tudo vira mar
Carlos Andreas
quarta-feira, 3 de julho de 2024
Anúncio, de Luiza Mussnich
Procura-se
uma relação que dure
mais de quinze hematomas
seis viagens a Itacaré
incontáveis gozos
três copos quebrados
telefone para contato
3672-4832
(dor aguda)
Luiza Mussnich
terça-feira, 2 de julho de 2024
O filtro
entardecia
quando você displicentemente bagunçou os cabelos
no meio da fala apressada
com um sorriso brincando
nos cantos dos lábios.
no fundo dos seus olhos luzia
uma cor inominável.
castanho talvez, mas com a suavidade do rosa
desabrochando no calor rubro
em faísca.
de repente, a mesa parecia um tom mais viva
o chão estendia-se em cor de sonho
e a brisa que soprava com calma
coloria o ar
que nos envolvia.
Gabriel Silveira
segunda-feira, 1 de julho de 2024
Julho, um poema de Alexandre Bruno Tinelli
e diante do golfo iluminado do teu corpo
o mar se reencontra com o ar.
Você dorme. E meu coração sente
uma necessidade rouca
de tecer novas relações com a luz.
Súbito se anulam os impulsos
que fazem da vida um ritmo constante
de erros. Não é hora de despedidas.
Tampouco se alargam as margens
do que era plano e era sonho.
Um corcel negro cavalga meu peito
rumo ao incêndio onde agora me deito.
Alexandre Bruno Tinelli
domingo, 30 de junho de 2024
cinturão, de Milena Martins Moura
tenho uma dobra vermelha na pele do rosto
como um corte
entranha
você viu
a marca vermelha da cama no meu corpo
branco
onde dói o sol
você viu
os meus sinais em coleção
imitando a pose ereta de órion
ombro em rigel pé em betelgeuse
as partes proibidas à mostra
faz calor
e eu tenho sede
todos os tabus desnudados
constelações
e eu ariadne corpo celeste
vindo jantar nos escombros
as pontas dos seus dedos mastigando os meus contornos
entranha
todos os lábios
mordendo
a fraqueza da carne
Milena Martins Moura
sábado, 29 de junho de 2024
Lei do retorno
Minha mente anda tão perturbada,
Quanto meu coração,
Deixando o instinto me levar,
À loucura da sensação.
Agora,
Irei te ter no controle.
Após, fica por conta do destino.
Eu lírico,
Dia memorável,
Vontade imperdível,
Olhar sexy,
Toque leve,
Felicidade breve,
Vida fugaz,
Um dia iremos nos encontrar, novamente.
Monique Nix
sexta-feira, 28 de junho de 2024
quinta-feira, 27 de junho de 2024
Chuva
a me esvaziar
a concentração
Água, raios, trovão...
boxe no peito da noite altiva.
A luz em meu cérebro
Ilumina a certeza:
atrás da máscara da chuva
a via-láctea está viva.
Edison Veoca
quarta-feira, 26 de junho de 2024
Tirando sangue da cantiga
não há quem não se zangue
ao olhar para esse mundo
vê-lo qual um bang bang
muda esse nome para imundo
parece suco de tang
mas o que do corpo escorre
é o vermelhão do sangue
que também tanto escorre
dentro da água e da mata
pois árvores e animais
também não podem ter a paz
pois o homem mata, desmata e se mata.
mundo imundo bang bang
Matheus José Mineiro
terça-feira, 25 de junho de 2024
Ponheta
poeta, amigo, que dizes
à noite na mesa em roda
qual livro que lês
qual vinho que bebes,
que belo detalhe
observais
no mínimo mini
pequeno menino que olha pra fora
do prédio com grades
que olha pro umbigo
e o canta tão belo
que ornas singelo
o detalhe irrisório
que ri tão gostoso
do verso de troça
que troca palavras com ares de graça
que entra de graça na roda da mesa
e fala tão calmo
de nada com nada.
Gabriel Silveira
segunda-feira, 24 de junho de 2024
ARQUIVOS EM CONFRONTO, Marília Rothier Cardoso
Se, ainda nos anos sessenta, a lição de Bakhtin veio somar-se às considerações barthesianas, desenvolveram-se, nas décadas seguintes, de um lado, a chamada crítica genética, e, de outro, os estudos culturais. A primeira alargou os domínios da textualidade literária para abarcar as notas de leitura, os rascunhos, os manuscritos rasurados, a coleta de dados, a correspondência, os diários, enfim, tudo que restou, nas gavetas privadas do escritor, depois que sua obra tornou-se pública. O interesse por
Fichas como as usadas na parte escrita sobre Torres Homem. Apenas o modelo pois foram inutilizadas milhares de outras fichas à medida que se escrevia, tal qual foi feito com as de Baú de ossos e Balão cativo, até que veio o conselho de Drummond: guardar tudo, jogar nada fora.(AMLB-FCRB)
Adquirido pelo IEB, em 1973, seis anos após a morte do escritor, o arquivo de Guimarães Rosa, embora contendo os originais das obras de juventude (inclusive os preciosos originais de Sezão que, revisto e amputado de alguns de seus contos, publicou-se com o título de Sagarana), concentra-se, tendo em vista a documentação do processo escritural, no período de maturidade, quando o médico e diplomata se profissionaliza na carreira literária. Pelos meados dos anos quarenta, quando já havia contemplado os principais monumentos da Europa culta – e registrado, com croquis e descrições pormenorizadas, seus trajetos de turista e de visitante contumaz dos museus e galerias --, Guimarães Rosa começa a trabalhar, sistematicamente, encaminhando, em definitivo, sua obra na direção do resgate da tradição épica. Ana Luiza Martins Costa (COSTA, 2002), boa conhecedora do arquivo, enfoca paralelamente os dois rumos da pesquisa do escritor: o de leitura cuidadosa da epopéia antiga, registrada nos poemas eruditos (Ilíada, Odisséia, Divina comédia), e o de levantamento da narratologia sertaneja, tanto estudando os relatos de viajantes, quanto procedendo à busca etnográfica do saber oral dos vaqueiros de Minas, do Pantanal e da Bahia. Essas duas vertentes da preparação para os grandes livros de 1956, Corpo de baile e Grande sertão: veredas, responsáveis, também, pelos volumes de contos posteriores, acham-se representadas, no arquivo, sob a forma primeira de cadernetas de campo e de cadernos com notas de leitura. Correspondendo a uma segunda elaboração do material, encontram-se numerosos “estudos para a obra”, que consistem num exercício de passar a limpo as anotações, buscando, certamente, incorporá-las à memória pessoal e imprimindo nelas o selo estético da assinatura do autor. Esses estudos revelam um paciente manuseio reflexivo, pois estão marcados com lápis de cor, com classificação de assunto ou indicação do texto que devem compor. Alguns das cadernetas mereceram mais de uma reelaboração, como é o caso daquelas onde se registrou a viagem de 1952, quando Rosa seguiu, durante dez dias, a comitiva do vaqueiro Manuelzão, conduzindo um gado da fazenda da Sirga até a de São Francisco. Conforme a classificação do IEB, há quatro pastas (E-26, E-27, E-28, E-29), de retranscrições e comentários, sob o título “Boiada”. Trata-se de um dos elos mais importantes da gênese do Grande sertão e também das sete novelas de Corpo de baile.