Era um dia ensolarado na floresta
Eu caminhava, distraído
Via o sol atravessar as folhas.
Os pássaros piavam, cantavam,
Lembro bem.
Recordo os dias de infância
Quando eu circulava entre essas árvores, corria e brincava
As folhas ainda úmidas das chuvas da manhã
Naquela época, o mundo me parecia muito mais agradável,
Puro, muito mais sincero e verdadeiro
Eu tinha tudo que queria
Um sol brilhante, um céu do azul mais azul
De repente, num susto, parei
Bem à minha frente,
a árvore que tanto amei
O carvalho gigante da floresta
Jazia ali, inerte sobre a terra
Como, pelos céus, uma árvore como essa pode morrer
Seus galhos, antes grossos e poderosos, agora estão secos
Quantas flores surgiram de seu humus
Quantos pequenos animais da floresta sua força alimentou
quantos pássaros, assustados por tempestades e trovões, ali
se aninharam?
Naquele momento ficou claro
Em uma noite de tempestade sombria
Que esse gigante com tal poder,
Pode ser arrancado com raiz e tudo
Que chances tenho de sobreviver
Neste mundo rude
Cheio de ódio e erros?
De repente, meus pensamentos mudaram
Minhas lembranças do passado desapareceram
E comecei a pensar na morte
E então me perguntei
Estou preparado para enfrentar a morte?
Serei corajoso o bastante para morrer?
Ou, apavorado, vou chorar, soluçar
No meu último momento?
Covarde?
Não, não serei.
Não, não vou enfrentar minha última hora como o descanso
Um descanso tranquilo, há muito desejado.
Vou atraí-la,
Fazer dela convidada,
Tratá-la com delicadeza e
Talvez oferecer uma visão clara da vida
Vou me tornar seu amigo
Um amigo inesperado, inseparável
Que vai levar-me com mão forte e firme até o fim
Ela marcará minha hora precisa no cronograma da Morte
Mas espere: que nuvem negra encobre meus pensamentos e
bloqueia minha mente?
O que interessam os pensamentos
Se meu destino já foi traçado?
Devo deixar a vida abraçar-me com vigor,
Pois a Morte não quer ser amiga de ninguém
Ela jamais faltou a um encontro!
Que nuvens negras cobriram meus pensamentos, que morbidez
dominou minha mente
Em um dia ensolarado de primavera nesta floresta?
Continuo meu passeio, distraído, por entre os feixes de luz
Que atravessam as folhas.
Ouço os pássaros que cantam,
Os pássaros que cantam sem parar
Marilena de Moraes
O poema original pode ser lido aqui.
sexta-feira, 7 de maio de 2021
Tradução do poema de Max Schhmoll - Por Marilena de Moraes
Um poema de Max Schhmoll
In a sunny
day in a forest
As I went
on carelessly strolling
Through
filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting
birds I remember
The mind
goes back to my childhood days
When I
through this forest use to wander, running playing
The trees
with it’s leaves still damp from early rains
To me in
those days the whole world seemed much nicer
Pure much
sincerer and true
I had all I
wished for
A bright
sun a sky of the bluest blue
Suddenly a
shock, I came to a stop
In front of
me stood
The dear
beloved tree I much loved
The
forest’s giant oak
It lay on
earth, inert
How for the
high heavens can such a tree die
So thick
and powerful branches go dry
How many
flowers grew from its hummus
How many
little beasts of the forest by it’s strength were nursed
And how
many birds by storm and thunder frightened nestled
That moment
I clearly understood
In a dreary
storm night
If such a
giant with such a might,
Can so
easily be torn from its roots
What
chances have I
On this
crude world
Full of
hate and errors to survive
My thoughts
had rapidly changed
My
childhood past remembering quickly vanished
And they
came to rest upon death
And so I
asked myself
Am I
prepared to face death?
Will I be
courageous enough to die?
Or will I
be hysterical, crying and sobbing
In the last
hour when I expire?
To be a
coward
No I will
not
No I will
not I’ll face my last hour as of the rest
Long calm
wanted, rest
I shall
invite her
I shall
make her my guest
I’ll treat
her gentle and
Maybe give
her a view clearly of life
I shall
make her my friend
A sudden
friend inseparable
That will
lead me with strong and firm hand until the end
She will
mark my hour exactly in the Death timetable.
But wait,
what dark cloud cover my thoughts and
blocks my mind
Why bother
with thoughts at all?
If my fate
is ready traced
I shall let
life, lusty embrace me
For Death
wants no friendship at all
Has she
ever spared one at all?
What dark
clouds covered my thoughts what morbidity traced my mind
In such a
sunny spring day in this forest
As I go on
carelessly strolling
Through
it’s filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting
birds as these.
Max Schhmoll
A tradução do poema, por Marilena de Moraes, pode ser lida aqui.
sexta-feira, 30 de abril de 2021
Luas sem véu
Fogo branco, a fé pelas cinzas
atravessando meu pecado
por entre as vozes ardentes que
se mantêm na fome eterna,
tantos lumes que só abrandam
à noite cheia, ante seu corpo
onde desabo, desafogo entre
seus laços num solavanco, atrás
de seus cachos, os tons num
brilho por se entregarem quietos,
deixam-me implorando,
largado nu nuns sorrisos bobos,
seus lábios que quase logo retribuem,
mas não diz, adivinhe, aquieta
meu gosto pelo risco ligeiro do eclipse,
a emancipação da minguante humana,
manancial de tesouros livres no peito,
prende-me aos restos da natureza em flama,
trajando na pele um terno estapafúrdio
ao penetrar por suas coxas
hirtas, pressionando aflito com palma
cheia o fio que queima,
arde, quero, teima, treme nas trevas
até que, dócil, doo-me
ao peso das provocações,
mas abraçado pelas estrelas
num losango triangular
de lâminas luminosas, fachos
cujo centro implode só,
pérola prata, lua de nada
Árion Lucas
terça-feira, 27 de abril de 2021
O sistema
Velhas paredes
De velhos prédios
De velhas cabeças
Trabalhando em velhos sistemas.
Luiz Ricardo
terça-feira, 20 de abril de 2021
Coruja (incensário)
atenta ao fogo
descamando bravo em sinuosos sopros
por sobre minha cabeça
e olhos que (quase) tudo alcançam
a brasa e o aroma de alecrim se encontram
numa saturnália grave e acesa
Daniela Cassinelli
quinta-feira, 15 de abril de 2021
Um poema de Maria Carolina
história escrita à lápis
não sou eu quem me escreve
danço no papel desenhando
das letras às palavras
dos sonhos às tristezas
esperando um ponto final que me leve
Maria Carolina
terça-feira, 13 de abril de 2021
Um texto de Clara Luz
fui desmontada uma vez — lembro bem, era 2006, fiz o trajeto tijuca–ilha do governador apertada entre a cômoda e a cama. me reergueram no segundo andar de uma casa rua professor veríssimo da costa. ali fui leve, colorida, movimentada. ali o tempo passou rápido, acabou abruptamente, tudo aquilo que habitava as minhas frestas me foi retirado, guardado numa caixa, e eu (outra vez desmontada) guardada noutra.
quando
fui ver o sol outra vez já era 2015. fui parar numa quitinete na ilha da
gigóia, meu peso se tornou outro. já não era mais remexida com frequência —
agora era cuidadosamente catalogada, mais pesada, as cores mais sóbrias. vez ou
outra adicionavam mais um à minha coleção. vez ou outra vinha alguém à casa,
tomava um café, tirava um de mim e partia.
hoje
vivo em copacabana. não fui desmontada no trajeto. a proximidade com o mar me
enferrujou, não sou mais desmontável. sou cada vez mais pesada. quase não cabe
mais nada em mim.
Clara Luz
quinta-feira, 8 de abril de 2021
Tênis
Eu sigo os seus passos onde quer que cê vá
Te aqueço no frio, estou sempre aos seus pés
Corro uma maratona com você se preciso for
Já passamos por coisas, que ó… Só o Senhor!
Nem tudo são flores, nós sabemos bem
Às vezes desfaço o laço que dou
Tropeço na rua, mas quero o seu bem
Fui feito para te trazer conforto e não dor
Só peço que olhe os caminhos que vai
E cuide de mim pelo tempo que for
Menina, você me calçou muito bem
Assino, seu tênis, com todo amor
Hellen Otaviano
terça-feira, 6 de abril de 2021
O poema da missa
O que importa é amar a todos
O que importa é amar a todos
O que importa é amar ao próximo
O que importa é amar a Deus
Cantavam todos em coro,
Porém ao saírem
Comentaram,
Viram a roupa de Maria?
Ridícula, não?
Luiz Ricardo
segunda-feira, 5 de abril de 2021
sexta-feira, 2 de abril de 2021
Procissão da Santa adormecida
No andor se revela a razão da velha
bruxa vir ver as flores
toda hora nesta tarde,
longe de casa, na clareira que desce
Afinal, por ali passam monstros antigos,
o réptil labiríntico que
lhe recobre as decisões,
serpente do átrio que a fere na face,
seu demônio cortado engrandece-se
das outras, vampiro
de sangue velho,
derretido a cada falso perdão repetido,
assemelhado à cara da lembrança estuprada,
sua droga no bolso estragada
pelas garras fétidas,
vil espinhento com dentes corrosivos,
predador nas tocas, canta, depois arrota,
ele a engana, engata
mas ela vomita, esgana, e,
na lâmina, a carne podre do macho à cama
Árion Lucas
quarta-feira, 31 de março de 2021
Parto
terça-feira, 16 de março de 2021
Luto
O homem do meu tempo
é um maléfico animal bélico e irracional.
Movido por maquinações
abusa mulheres e crianças
pulsa dentro de si um coração recheado de insensibilidades.
No lugar de cérebro
Um cemitério de gárgulas à espera da carniça
do primeiro a desistir dessa guerra sangrenta pelo poder.
Abafada está a voz de Deus pelo homem bomba
que respira guerra, ingere balas e as vomita na boca de inocentes.
Somos todos rebanhos à espera da sangria.
quinta-feira, 11 de março de 2021
Habitado
Não habito
meus fantasmas
escondidos em armários
com portas e chaves
habito o desconhecido
álibi em criminosas
cenas e me afasto
na chegada da polícia
habito o hálito inconfundível
do demônio e o histrionismo
do ator entre cenas
habito o espaço
das paixões
arvoradas: assobio.
Pedro Du Bois
quarta-feira, 10 de março de 2021
Poemarço em Salvador!
POEMARÇO, a festa
A literatura, talvez por estar tão atenta ao presente, pode até adivinhar o futuro. E, assim, a pessoa que faz poesia é uma anunciadora dos tempos. Na cosmologia iorubá o orixá Exu é o instaurador de agoras. A ialorixá Stella de Oxóssi disse certa vez: “Exu quer só estar se movimentando, fazendo tic, tic, tic no ouvido dos outros”.
Se pensamos a/o poeta como quem inaugura agoras, esse tic, tic que ela/ele produz em nossos ouvidos são os chiados do nosso tempo. Poemarço existe para celebrar a poesia. Para celebrar a vida das pessoas que trabalham essa linguagem nos anunciando esperanças, delatando crimes, expondo feridas, sussurrando amor. Esse movimento de agoras é poesia e merece ser festejado.
Entre outras coisas, a arte é uma elaboração estética das linguagens em associação com uma compreensão política do mundo. E essa primeira edição de Poemarço é virtual por atenção ao nosso tempo. Vivemos no Brasil uma pandemia. Os movimentos para sair dessa situação são mínimos. Este evento acontece como uma cena artística que deseja ofertar vida em meio a esse caos. A arte pode oferecer, quiçá, algum breve equilíbrio ao mundo. É nesse mortal mundo pandêmico que Poemarço acontecerá como um lugar de encontros e trocas de vida.
É na poesia concreta, na poesia experimental, na poesia oral que buscamos inspiração para compor nosso evento. O poeta baiano Almandrade é o homenageado da festa. Os títulos das mesas, com poetas, tradutoras, tradutores, editoras e editores, os títulos das apresentações de poesia visual e das gravações de poemas, do sarau e da conferência de abertura são versos ou referências, e até mesmo títulos de livros dos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Gilberto Gil e da poeta Stela do Patrocínio.
As poetas e os poetas que participam dessas mesas e apresentações não têm necessariamente relações estéticas com essas e esses autores. A proposta do evento é exatamente estabelecer trocas e privilegiar a diversidade.
Poemarço se sustenta como uma festa atenta a discussões de gênero e raça e da presença e visibilidade de pessoas e de temáticas LGBTQIA+. Da festa participam mais de 40 poetas. Desse número, 75% são mulheres indígenas, brancas, e as negras são a maioria. Pensamos Poemarço como uma festa atenta a complexidade e diversidade das definições identitárias no Brasil. E que estabelece diálogos com a produção contemporânea de países de língua portuguesa, como Moçambique e Portugal. Do Brasil temos convidadas do Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Santa Catarina, Paraíba, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Com mesas de conversa, oficinas, videopoemas e sarau, Poemarço oferece cinco dias intensos de encontros com a palavra, nossa grande homenageada.
A festa tem apoio financeiro da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) através Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Luciany Aparecida e Mariângela Nogueira (Curadoras)
Mais em: www.poemarco.com
quinta-feira, 4 de março de 2021
Um poema de Yasmin Barros
o volume das horas diz que é tarde
mas o olhar ainda traz algum alento.
o copo de cerveja acaba lento,
a cachaça na boca já não arde.
o assunto na mesa se reduz
a fumar um e mais outro cigarro.
o silêncio sepulcral jaz no carro,
e a bebida, mais que eu, nos conduz.
nítido desejo, pulsão de morte.
não sei se na intenção de prolongar-me,
ou de adiar o momento maldito –
atiro-me aos braços de minha sorte,
em êxtase, a ponto de afogar-me:
o impossível queda no não-dito.
Yasmin Barros