Hoje,
enquanto limpava e arrumava meu armário, encontrei uma caixa que não via há
muito tempo. Na verdade, acho que essa caixa não é aberta desde que eu era
criança. Estranho pensar que esses papéis de carta, agora velhos, mofados e
irreconhecíveis, faziam parte do meu dia a dia tanto quanto respirar.
Antigamente, costumava escrever pequenas cartinhas para os meus amigos e
família pelo simples prazer de me deliciar com o toque da caneta no papel macio
e com a nova habilidade de escrever.
Com
papéis de carta perfumados e coloridos, um simples "obrigada" ganhava
uma força renovada, como se aquela palavra nunca tivesse sido dita antes por
ninguém no mundo. Era como se eu inventasse novas palavras quando as escrevia
naquelas alegres folhas, porque elas nunca estiveram em um lugar que as tratava
com tanto carinho quanto a minha mão, a caneta e os papéis brilhosos,
lustrosos, que chamavam atenção para cada sílaba e pareciam pronunciar o que
havia sido escrito neles em voz alta, de modo doce e suave, exatamente como
quem as lia as queria ouvir. Elas apelavam direto para os corações dos
destinatários, ainda que os textos tivessem erros de ortografia e talvez até de
gramática, comuns para crianças e, às vezes, até para adultos.
Isso
me faz pensar que ao escrever nossas vidas, muitas palavras mudam, o modo como
as usamos também muda, nossos objetivos ao escrevê-las e dizê-las mudam. E acho
que foi no meio dessa mudança que acabei trocando os papéis de carta não por
outros mais bonitos, como costumava fazer com minhas colegas na hora do
recreio, mas por papéis duros, em branco, que esperam ansiosamente por uma
resposta, para que alguém preencha o vazio interminável presente neles. Eles,
presentes no passado, agora já foram substituídos por essas teclas cujo barulho
incomoda, com letras espalhadas por um teclado que espera que quem as bate as
una de modo coerente, compreensível, responsável. É preciso preencher os
espaços entre elas rapidamente, automaticamente, sem pensar; as lacunas que
antes serviam para imaginação e intuição hoje são perigosas e, de acordo com o
que dizem, devem ser eliminadas em prol da eficiência e da seriedade, do
resultado. As letras estão separadas umas das outras como nós estamos, e talvez
elas não queiram ser juntas. Talvez elas não possam mais ser juntas hoje.
Talvez elas só pudessem ser juntas de um modo livre, com erros de concordância
e ortografia (mas sem erro nenhum, na verdade eram só as palavras e letras
brincando entre si) como eram antigamente, em lustrosos papéis de carta.
Fico
pensando em quantas palavras se perderam, em quantos sentimentos deixaram de ser
postos no papel e em prática, em quantas palavras deixaram de ser pronunciadas
em voz doce, só porque um dia, não sei bem quando, enclausurei os sonhos e
cores que haviam naqueles papéis dentro de uma caixa escura no meu armário -
obrigada.
Anna Israel
3 comentários:
Interessante reflexão. Memória, escrita,tempo de outrora..Vale a pena continuar essa temática. Lembra estrelas brilhando no papel que pontuava a redação perfeita no colégio. Sortudo era quem tinha uma constelação em casa!!
As palavras chegam, os dias é que passam lentos e platônicos. Bj
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