segunda-feira, 25 de julho de 2016

Canto fúnebre e escalafobético


Quando atirastes em teu próprio crânio
e teus miolos se espalharam pelo chão,
pude ver os personagens dos teus escritos
levantarem-se lépidos e ganharem vida,
limpando, com displicentes piparotes,
restos de substância cinza e branca,
acopladas às tuas lindas roupas
e provenientes do teu cérebro esfacelado.

Quando atirastes em teu próprio crânio
e teus miolos se espalharam pelo chão,
pude ver os fatos e feitos dos teus estudos
(dos teus longos e exaustivos estudos)
alinharem-se bem perto do furo da bala
para, finalmente, poderem ser apreciados
e devidamente aquilatados
por toda a Humanidade.

Quando atirastes em teu próprio crânio
e teus miolos se espalharam pelo chão,
por via do rombo que te fez a bala de calibre grosso,
o sangue que jorrou da carne castigada
acabou por afogar teus clamores e tuas dores,
que permaneciam obscuros,
bem no fundo da ferida escarlate do teu cérebro.

Quando atirastes em teu próprio crânio
e teus miolos se espalharam pelo chão,
teus planos e teus sonhos afloraram à grande brecha
que a bala cavou no lado da tua cabeça
no afã de saírem todos de uma vez,
em louca revoada,
fugindo do catre em que estiveram confinados
durante toda a tua longa vida.

Quando atirastes em teu próprio crânio
e teus miolos se espalharam pelo chão,
a luz se apagou para sempre em teu olhar,
teus lábios se abriram num sorriso irônico,
e assim permaneceram engessados.

João Luiz Azevedo

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