fui desmontada uma vez — lembro bem, era 2006, fiz o trajeto tijuca–ilha do governador apertada entre a cômoda e a cama. me reergueram no segundo andar de uma casa rua professor veríssimo da costa. ali fui leve, colorida, movimentada. ali o tempo passou rápido, acabou abruptamente, tudo aquilo que habitava as minhas frestas me foi retirado, guardado numa caixa, e eu (outra vez desmontada) guardada noutra.
quando
fui ver o sol outra vez já era 2015. fui parar numa quitinete na ilha da
gigóia, meu peso se tornou outro. já não era mais remexida com frequência —
agora era cuidadosamente catalogada, mais pesada, as cores mais sóbrias. vez ou
outra adicionavam mais um à minha coleção. vez ou outra vinha alguém à casa,
tomava um café, tirava um de mim e partia.
hoje
vivo em copacabana. não fui desmontada no trajeto. a proximidade com o mar me
enferrujou, não sou mais desmontável. sou cada vez mais pesada. quase não cabe
mais nada em mim.
Clara Luz
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