terça-feira, 14 de abril de 2009

Até a boca, um texto de Alexandra Wiltshire

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Até a boca, as garrafas estavam cheias, para matar. Sede até a alma. Acreditei em mim mesma, que encheria três garrafinhas para deixar ao lado do computador, para matar a sede sem me levantar, enquanto estivesse trabalhando. Mas sou uma pessoa que enche três garrafinhas por um motivo, e depois uso de outro jeito. À noite, antes de ir dormir, levei uma para o quarto; depois de manhã, ao sair para a faculdade, levei outra na bolsa, deixando apenas uma sobre a mesa do computador. Agora posso parecer uma pessoa menos interessada em ordem. Até que então... A sede bateu. Neuroses até o pescoço, palavras até a língua, garrafinha ao alcance dos dedos... Mas medo. Não quis bagunçar a beleza daquela garrafinha cheia, filha única, bela. Cheíssima, até a boca. "— Cadê as outras, já bebidas?" Rolou um medo de instaurar o caos naquela garrafa tão em paz. Porque se as outras já estavam pela metade, faria mais sentido terminar o líquido daquelas antes (não é?). Mas eu estava com sede agora, e as outras estavam longe. E o propósito era não me levantar. Esse é o mesmo princípio de ter várias roupas lindas que eu amo, todas guardadas no armário, e que tenho pena de usar porque vão gastar. (Mas gente, não é para gastar mesmo? A água não era para matar a sede? As roupas não são para me deixarem bonita, bem arrumada, como gosto? Para que esse monte de dedos com as coisas? Para eu morrer, e as coisas permanecerem como uma lembrança "do que um dia poderiam ter sido, e que não foram".) Abri a garrafa e bebi. Mas que culpa de perturbar aquela paz. A sede morreu temporariamente, mas as questões transbordavam na minha cabeça.
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Alexandra Wiltshire

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