Maria acordou sorrindo, sonhou com um tempo onde não havia nada, nem mesmo ela e se sentiu bem. Maria é estranha, mas se sente viva quando tudo parece morto. Maria, Maria! - chama sua irmã – Corre pra cá! Vem ver a festa! Mas ela não vai. Maria não gosta de festas. Maria não gosta de nada, nem de sonhar.
Maria é assim: morta e viva e triste e bela. Semi-perfeita em seu nome curto e beleza dura. Maria é tão blasé que nem sei como ela pode ter uma história. Na verdade ela não tem uma história, ela não tem nada, só uma descrição. Maria não faz nada, não ama ninguém, não estuda, nada aprende. Maria apenas está ali, Maria é como um rosto do outro lado da rua, você nem vê, nem mesmo sabe que ela está ali, mas lá está ela com sua vida e morte e beleza e tristeza. Maria é assim, como um flamingo pegando carona numa kombi cheia, caso você a veja apenas ri.
Maria é um eco, uma resposta vazia e mecânica que grita e grita e grita e acaba. Assim, sem início nem meio nem fim. Maria não pode ter uma história, Maria não aparece na tela nem vai ao cinema nem sabe de nada. Maria é grão de poeira que a gente sopra do dedo, é um dente-de-leão recém-soprado. Maria é o fim da picada.
Mariana D Casals
quinta-feira, 30 de junho de 2011
MARIA
Café, Tabaco e Cadonda
Um gole de café amargo
Virginal cigarro entre os dedos
Afago
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Atrito, a pólvora acende
Consome, o palito se rende
Entre os dentes
Tragada
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Inspiro fumaça
Expiro neblina
Que a dança disfarça
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Dissimulado prazer
Café e Tabaco
Carol quero você
Não te acho...
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Vitor Granado
domingo, 26 de junho de 2011
Espaço Plástico B. no CEP 20.000
“CANTE UM FUNK PARA UM FILME”
de Emílio Domingues e Marcus V. Faustini
21:00 – Microfone Aberto: 2 minutos pra ser feliz!
21:30 – Farani Cinco Três (performance)
21:50 – Ju & Juju (performance)
22:00 – Espaço Plástico B.: Ana B. & Greco B. (poesia e música)
22:10 – Löis Lancaster e conviados: E. E. Cummings (poesia)
22:20 – Alice Caymmi e Rafael Rocha (música)
(R$ 5,00)
sexta-feira, 24 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Cidade aTravessa
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Da Janela do Sobrado
– Ah, mas eu casava com qualquer um – diz a Joana –, porque todos eles são bonitos!
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– Pois é – Regina concorda, e acrescenta: – Os que não têm beleza no rosto, a beleza vai no corpo.
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Essa conversa, meu amigo, segue embalada. Joana rasga elogios aos rapazes, Regina os estica do outro lado. Eu da janela do sobrado tudo ouço: rádio de pilha ligado no jogo do Fluminense pra disfarçar a espionagem. Parecem duas meninas novas, com menos de dezesseis, não fosse uma ter vinte e lá vão tantos e a outra passar dos quarenta. A mais velha é a Joana, ou a mais experiente, como dizem os cavalheiros.
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Pois bem, com seus quarenta – ou quase tantos –, Joana não perde o desejo. Não pode ver um homem logo sonha com o malandro a seu lado, na cama, ou em cima dela, ou no portão, de costas, saindo pra trabalhar; afinal, que importa que ele volte tarde da noite, com cheiro de bar e marca de unha de outra mulher? Ela quer casar, isso é que é. Ela quer casar e sonha isso toda vez que pousa a cabeça no travesseiro. Assiste à novela só pra matar a saudade de como se beija. A cada cena picante, fica com água na boca. E, por mais que os moços desdenhem, está longe de ser feia; tem o cabelo vermelho, felpudo, e, pra deixá-lo apresentável, passa horas na casa das amigas cabeleireiras: todas entusiastas, “mais ou menos profissionais”, dizem. Um cabelo bem bonito por um preço camarada.
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Isso é que é.
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Joana tem pernas grossas; cada coxa, meu amigo, vai pra mais de uma régua – dessas comuns, de se levar pro colégio –, os peitos são bem projetados: um dia, seguramente, foram bons de ter nas mãos; e pra esse fim ainda valem, mesmo que esteja perdida a robustez da juventude.
Isso, camarada, não tenho medo de contar, se um dia Joana ler essas linhas, tome isso de elogio.
Agora penso por mim, que pensar por outros não tem vez: um dia quisesse o divino que eu fosse o querer de Joana. Porque os rapazes sem camisa miram no longe das janelas as meninas bem de vida que namoram marinheiros. Ah, o divino abençoasse; eu partiria sem medo, de corpo e de alma – mais de corpo nesse caso – e perderia a castidade que o destino me impõe feito grilhão nos pés de escravo, e se o amigo acha que a metáfora padece de anacronismo, pense nisso como algema no punho de preso. Isso sim é que é!
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Elas, lá em baixo, assistem ao desfile dos rapazes pela rua esburacada.
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ESTOU AQUI, dá vontade de gritar. Mas gritar mesmo eu não grito.
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Sou fraco.
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Mas não grito.
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Elas olham cá pra cima e eu aceno com um sorriso.
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O mundo, Joana, é mesmo infinito!
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Eduardo Gaspar
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terça-feira, 21 de junho de 2011
Estio do tempo
O emoldurador
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O trabalho:
Dar moldura a um quadro.
O que significa fazê-lo.
Dar moldura não é mero
Ofício de marceneiro,
É significar o quadro
Perante o nada.
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Aqui neste quadrante
Há a arte.
Após a madeira, o nada
(que a arte tentou enquadrar)
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Uma paisagem, um rosto
Um momento pretenso a parar.
E que para isso se desloca,
E o coloca preso à parede
Para que toda realidade possa andar.
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Dois dedos de madeira
Para o limite
Da realidade que passa
(e ainda se tornará arte)
Para o quadrado que marca a ausência,
Dada a moldura.
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O pintor que em seu ofício
Pára um instante, que
Nunca pára, mas
Já é ausente, e
Por isso pintado.
Significado pela falta,
Referendada a moldura.
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A moldura que não sabe
O pintor até ali
- só sabe o quadro.
O pintor que não acessa o todo
- só percebe o instante.
E o poema
- que não sabe o emoldurador –
Mas o emoldura mesmo assim.
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Afinal nem o agora nos basta.
E no mais, a ausência dirá por mim.
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Flávio Morgado
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Destino poético
Destino poético:
medir um caminho sem fim,
enquanto a música silencia,
a luz crepuscular se eterniza por segundos
e o pensamento toma seu devido lugar;
o vazio e a coisa.
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Entre o sabor do acasoe a certeza do saber,
há um som que só pode ser ouvido
no absoluto silêncio:
a meditação do corpo.
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Sabor é saber sem esforço;é ser a própria estrada na qual se caminha.
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Dorly Neto
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sexta-feira, 17 de junho de 2011
O passar das horas
quinta-feira, 16 de junho de 2011
terça-feira, 14 de junho de 2011
Verbalizando o amor
Que com cada letra eu possa escrever mil palavras de amor para ti.
Que com todas as palavras eu possa dizer que te amo.
Que em cada verso eu te proclame minha poesia
E que em cada poesia tu te transformes em melodia.
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Pois em cada pensamento te tenho dentro de mim,
Em cada olhar contenho enlevo por ti,
Em cada sentimento em que te desejo
Encontro-te em todas as delicadezas afáveis,
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Que em todo lugar te anseio veementemente
Que em toda direção que eu siga te tenho em meu coração
Que em toda a imagem que se forme tu te tornes uma imagem que me conduz ao paraíso
E que em toda essa alvorada me governe a esta imensa paixão.
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Enfim, em que toda essa imensidão,
Eu encontre meu vocábulo:
Amar-te sem definição.
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segunda-feira, 13 de junho de 2011
Armadura
Chego partida em cacos
e me deparo
com a maresia do seu corpo
numa falsa cara de descaso
de quem não gosta das rachaduras
mas sempre vem e me cola
me ergue, me reestrutura
domingo, 12 de junho de 2011
Homens
Pastam, simplesmente por serem bois.
Homens, por serem homens,
arrastam-se sempre querendo mais.
Cavam, cavam suas covas
garimpando ouros de morte,
peneirando riquezas falsas,
alicerçando o caos
de suas vidas.
Voam pássaros.
Cantam; humildes, encantam
suados homens que
repousam sobre seus túmulos.
Caem das árvores
frutas que não foram
colhidas. Adubam o solo,
são esmagadas pelos pés
dos homens, que acabarão feito elas.
Hernany Tafuri
Hernany Tafuri é poeta de Juiz de Fora, MG, e autor do livro Vertigens do Tempo, onde se encontra o poema acima.
sábado, 11 de junho de 2011
A Obscena Senhora B.
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Sua vinda mudara os hábitos da casa. Por exemplo, todos passaram a recolher-se mais cedo, alegando um cansaço antes desconhecido (alegação justa, dado que duro era o trabalho nas minas). No entanto, foi apenas depois da sua chegada que eles passaram a queixar-se de sono e a ir deitar-se nem bem começada a noite.
Breve a casa respira silêncio e ela dirige-se, felina, até um dos quartos. Uma fresta de luz se insinua e expande, dando passagem ao seu vulto. Ansiosamente aguardada, ela caminha lenta até a cama onde um deles a espera. Sua mão – alva, nívea, lépida - toca aquele que, em prontidão, a espera. Sonâmbula, beija-lhe a testa e o faz sentir que sim, que valeram os esforços de um dia de trabalho árduo, apenas para aquela rápida carícia, momento do indizível. Arremate: a respiração se faz suspiro e ele sabe, redimido das penas do dia, que poderá adormecer aliviado.
Silenciosa como entrara, ela sai. Em seus quartos, a aguardam os outros seis homenzinhos.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Habemos Twitter
Piu-piu
Faz o passarinho na janela
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Piu-piu
Faz o passarinho no telhado
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Piu-piu
Faz o passarinho na cabeça do homem de ressaca pela manhã
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Piu-piu
Não para o passarinho
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É o Plástico Bolha que não para de piar
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Siga-nos em http://twitter.com/#!/OPlasticoBolha
POR QUE NÃO VIVER AO VIVO?
De repente tudo se tornou tão previsível.
Acordarei e repetirei o ritual diário
Não farei nada de novo
Mas pode ser que eu conquiste um novo público.
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O cenário não mudou
Mas reparo uma mudança:
Os atores não são os mesmos.
Ah! mas são os mesmos personagens!
Aquele ali eu já conheço
Aquela? Já interpretei muitas vezes
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A cena se repete sempre
A emoção mais expressiva que observo?
Uma “Tensão Pré-Flash”
E que exigência a câmera nos faz!
Tão felizes, tão magros, tão agradáveis
E cada vez mais distantes de nós mesmos
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Em que cabeça vejo os cabelos do comercial de Shampoo?
Fios lindos e saudáveis
E, voando no mesmo vento que os balança,
Uma consciência remota
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Ria de si mesmo
Mas não chore na frente dos outros.
Não te reveles a qualquer um!
E a ti, quando te revelarás?
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Perdemos quem somos.
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Olhei meu rosto no espelho
Ornado de lápis, blush e batom
E me perguntei quem eu queria representar
Com aquele retrato que acabara de pintar
Fiquei aborrecida com a questão
Lavei o rosto.
E mesmo com a face limpa
Não reconheci quem eu era
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Eu era uma tela em branco esperando qualquer cor?
Onde estariam os rascunhos e estudos que antecederam aquele final?
Era como se eles tivessem se perdido
Agora a minha verdade era aquele personagem
Do qual não era de minha autoria sua história
Mas que eu sabia de cor cada falso ato seu
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Por que não viver ao vivo?
Falta coragem de assumir o errático
Então, simplesmente perguntamos:
- Se a suavidade existe, por que toda essa aspereza em viver?
E esquecemos que sentir é seco e sem anestesia
Camila Da Vinci
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Um poema de Edson Pielechovski
Caminho
(entre casas e ruas)
o poder da tua leitura
cega flores; livros; passarinhos
Olho
no último andar
(sonho em ser dono de um bar)
anonimato? democracia? memória?
Edson Pielechovski
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Lixo, luxo e leitores extraordinários
Notícias sobre leitores inusitados, em meios considerados inusitados, atravessam, com certa freqüência, os noticiários televisivos dos canais brasileiros. Elas trazem exemplos de pessoas que, distantes dos bancos escolares, fisgados pelo anzol das letras, recolheram livros, nas condições mais precárias em que se pode pensar, e formaram bibliotecas. Está aí o surpreendente!
Neste cenário, a última notícia diz respeito ao catador de lixo, José Carlos da Silva Bahia Lopes, conhecido como Zumbi, de 35 anos, trabalhador em um dos maiores aterros sanitários do mundo. Localizado no Jardim Gramacho, bairro periférico de Duque de Caxias, o lixão é o local onde foi filmado o documentário Lixo Extraordinário, indicado ao oscar (se o leitor quiser saber mais, pode procurar ele mesmo e ler, pois há muito disponível, inclusive na internet) paisagem também de Estamira, do ano de 2004, de Marcos Prado, outro documentário premiado.
Noticiou a imprensa: o catador de lixo está montando uma biblioteca com os livros que encontra entre materiais diversos, tais como, latas, plásticos e garrafas, rodeados de moscas e urubus, estes atraídos pelo odor fétido do material ali depositado.
Na trilha em que segue este texto, os leitores, do lado de cá do saber, já fizeram a ligação com filósofos e poetas como Benjamim e Baudelaire, catando no lixo deste personagem real, imagens daquele que coleciona “tudo o que a grande cidade jogou fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que ela desprezou, tudo o que ela espezinhou”, catando pedaços de conhecimento.
Do lado de lá, no catar do lixo, Zumbi (lembremos da carga histórica desse nome!) também já catou pensamentos como os de Niestzche e Maquiavel! E já acumulou mais de dez mil títulos, entre eles, dicionários, manuais de informática, livros de noções de Direito Penal, obras de ficção como O Código da Vinci e outros. Há também os escritores brasileiros renomados, como Drummond _ O Avesso das Coisas e Contos de Aprendiz; Clarice Lispector, A Hora da Estrela; Machado de Assis, com o Dom Casmurro... e muito mais.
Bem, em meio ao luxo da leitura, ato de poucos, e ao lixo, produção de todos, o caminho que desejo tomar nos leva a formular algumas perguntas: por que um leitor se forma em meio ao lixão, não descartando o descartável em outros contextos? E por que, em grande parte das escolas e universidades, um enorme contingente de estudantes descarta o saber disponível, desestimulado de ler? O que há no saber escolarizado que funciona como uma droga inibidora da vontade para a leitura e, por conseqüência, para uma adequada construção do conhecimento?
Do lado de cá do nosso conhecimento, para responder a isso, seria necessário recorrer a teorias, pesquisas, a todo um aparato acadêmico, com citações, referências; discussões em simpósios, congressos nacionais e internacionais, seminários, encontros, mesas-redondas, debates, palestras...
Do lado de lá do conhecimento do leitor formado no lixão, ele responde, na singeleza da pergunta: “se você não lê, de onde vem o seu saber?”
E como Rita Lee, que “não quer luxo, nem lixo, quer só saúde pra gozar no final”, estamos nós, os professores, e queremos só saúde para o final... do ano letivo. Mas como, se, em meio às fórmulas mágicas e quadradas dos planejamentos educacionais, o que temos é nosso fracasso, diante dos leitores catadores que escrevem os anais da desordem?
Valéria Pereira
Valéria Pereira é doutora em estudos literários pela PUC-RIO.
terça-feira, 7 de junho de 2011
As Tintas de Juraíma
as folhas eram pingos de sol,
as árvores eram pedras verdes
e o azul se inventava nas praias.
Em três dias Juraíma conheceu a terra vasta
e a noite guardada nos oceanos.
Ensinou o vento a correr,
tatuou estrelas nas costas de Deus.
Preguiçosa, sentou na beira de um rio.
Bebeu água, deitou, dormiu.
Então, os homens nasceram.
Fizeram palavras, fizeram cidades.
Hoje, repetem antigos gestos.
Quando repousam, Juraíma brinca com seus rostos:
Pinta-os de tempo, num desenho sutil e infinito.
Os homens despertam e nada percebem,
enquanto ela ri, baixinho, na beira do rio.
Paloma Espínola
segunda-feira, 6 de junho de 2011
A Crase
Levei meu texto para esse escritor ler. Afundei naquele sofá que me deu uma sensação de desequilíbrio. Escritor novo é foda. Ainda mais com essas novas tecnologias. País que ninguém lê. Pirataria. Filmes 3d. Ele me olhou como se eu fosse um passa fome. Não que eu não seja, mas jogar assim na cara é foda, né? Depois mudou a posição das pernas, tirou os óculos e disse: você só fala do teu bairro. E eu: é... Eu só falo do meu bairro. E pensei que nunca viajei de avião e queria viajar de avião. E que não conheço ricos depressivos ou policiais em crise. Ele me disse: gostei do teu livro, você escreve bem. “Eu escrevo bem”, pensei. Mas tem que melhorar o português, o texto está cheio de erros, sobretudo a crase, falou num muxoxo. Ele estava preocupado com a crase.
Delano Valentim