Ele fez da queda um passo de dança,
do
medo uma escada,
do
sono uma ponte,
da
procura um encontro.
Fernando
Sabino em “O encontro marcado”.
Ficou um beijo engasgado na minha boca
esta manhã. Há meses, eu faço e desfaço versos de canção sobre tocar seus
lábios matutinos. Toquei-os ininterruptamente todos os dias. Foi meu ato
natural. Ação consecutiva ao despertar dos olhos. Preencheu o vazio
imperceptível entre os piscares da pálpebra ao acordar.
Hoje eu vi o silêncio. O nada sem o
qual não há canção. O vazio no ritmo, na métrica, na melodia. A sílaba átona
sem a qual não existe tom. Aquela coisa assustadora ao meio dia. A voz seca.
Hoje eu descobri o azul acima do céu de Edvard
Munch. O caos sem cor.
Não te
beijar superou o meu beijo, porque eu descobri o seu. Ouço uma canção nascer. A
sinfonia explodir do silêncio. Uma nota suave surgindo da pausa entre às
sensações. Eu posso ver o seu sorriso através do meu. Eu sei, não te beijar me
ensinou.
Ensinou-me a
cantar sem dizer. A cantar pelo o que não se diz. A ouvir toda canção pelo
silêncio interrompendo o som, parindo o ritmo, parindo tudo. Olho pela janela e
penso. Tem um mundo de quedas lá fora. Não te beijar ensinou-me a não beijar, a
te beijar a sua boca de cada dia. O valor em se ter um poema engasgado no dedo.
Saí de casa.
E fui pela rua pensando no beijo que eu não te dei, na pálpebra que piscou
mesmo assim, na manhã que nasceu. E na
inevitável sensação de não ter acordado, não ter saído de casa, não estar aqui
escrevendo para você.
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