pistantrofobia
[prefácio] apenas
havia passado dois minutos de jogo e a bola já estava no gol do brasil à
contragosto da copa das copas. [primeiríssimo
ato] quando dei por mim, eu já estava atrás das grades, porque tudo
aconteceu tão rapidamente que não tive tempo de olhar para o relógio, me
debater, gritar ou até mesmo pedir socorro a alguém que pudesse estar passando
pela minha rua naquela tarde de domingo, mas nada disso me foi permitido por
culpa do tempo, do álcool, da adrenalina, da aceleração, por culpa da taxa
temporal de variação da velocidade que se apressou demais e, pronto,
um-dois-três-quatro homens fantasiados de cinza, bota e cassetete já tinham
pisado no rabo do meu cachorro no quintal, arrombado a minha porta envernizada,
derrubado a minha cerveja, invadido a minha casa e me levado embora sem eu
saber se havia roubado alguém, agredido, matado ou talvez difamado, só que não
tive nenhum tipo de informação, não tive tempo, não tive olhos, braços, pernas
e o pior é que não tive nem o reflexo de desligar a televisão que naquele
momento pessoal caótico fui interrompida de olhar a apoteose futebolística que
estreava na minha frente (outro gol da alemanha em pleno jogo da holanda com
brasil), mas nada disso estava no script ao meu alcance, nada, nada e mais
nada, somente a voz grave me zombando de fadinha e me dizendo que eu tinha o
direito de ficar calada porque tudo o que eu falasse poderia ser usado contra
mim em um momento posterior, mas a única coisa que consegui dizer foi que eles
poderiam ficar tranquilos, afinal, apesar da fama, eu não tinha poderes mágicos
e a minha voz não tinha poder nenhum diante das suas fantasia. [segundo ato] fiquei isolada durante
uma-duas-três-quatro horas ou talvez o que eu acredite ser o espaço de tempo
que estava sem observar nem a sombra de alguém, trancada num cubículo de um
metro e meio quadrado, onde parecia uma gaiola para animais ferozes, só que não
poderia ser apenas isso, meus amigos: eu sou uma menina magra, nunca matei
ninguém, então não sei porque alguém me prenderia como num zoológico e me
colocaria às vistas de turistas que resolvesse passear naquelas férias de julho
enquanto o país festeja o show da bola organizada por uma tal de fifa, mas
mantive a incompreensão, a imobilidade que atava as minhas pernas e braços, até
o momento que, subitamente, apareceu um homem fantasiado e, assim, a minha voz
se manifestou, saindo melancolicamente da minha bile, subindo pelo meu tronco,
passeando pelo esôfago seco e chegando à boca questionando: o que vocês estão
fazendo comigo? [terceiro ato] eu
era a fada de neverland, meus caros, e isso bastava para que eu fosse presa: a resposta
do homem fantasiado deixou isso em clarividência, já que evidentemente meu nome
está atrelado à indignação, à rebelião, à voz do povo, à cobrança e, no país-tropical-abençoado-por-deus-e-bonito-por-natureza
e por bola na rede (afinal, quem não
sonhou em ser um jogador de futebol?), eu deveria estar sempre calada, se
possível deitada a sete palmos de terra, porque nada pode sonhar em abalar a estabilidade
dos sorrisos, das alegrias compradas a dólar, dos brindes da cerveja holandesa
heineken (mesmo durante o três a zero), só que, apesar dessa dita-duríssima
ação, todas minhas indagações não desvendavam a proposição inicial: se eu
estava sentada no sofá assistindo televisão, por que diabos agora eu estava
presa? [posfácio] apesar do país ser
laico mas regido pelos cristão, eu estou diante de governantes médiuns, que
jogam búzios, tarôs, bingo e bilhar, utilizam bolas de cristal, escrevem
memórias do que ainda não viveram e, sobretudo, utilizam forças místicas (e por
que não ocultas, né) para prever o futuro: eu estava presa por precaução, meus
caros, pois meu nome, meu histórico e a minha indignação é lastro de
destruição, é potencial de periculosidade, não estou do lado certo da luta,
estou do outro lado da rua, e, portanto, rasguem a constituição, mandem um
abraço pros direitos humanos e que se dane um peter pan sem sininho: cortem-lhe
a cabeça, ordenou imediatamente a rainha
de copas (ou da copa?) antes mesmo sequer do primeiro gol da holanda.
Gustavo Clevelares
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