sexta-feira, 26 de abril de 2024

Entrevista: Lorena Pimenta, atravessamentos pela palavra

por Anaili Sousa e Matheus Guariento


Lorena Pimenta, autora afro-brasileira de 31 anos, é formada em produção audiovisual. Publicou, em 2017, o livro de contos Juro, foi quase amor, pela Editora Transversal, e participou da coletânea Chorar de alegria, publicada pela Globo Livros. Carioca, canceriana e aberta a tudo o que a vida tem a oferecer. Gosta de observar o mundo e retratá-lo com poesia em suas histórias e textos. Nesta conversa com o Plástico Bolha, ela nos conta um pouco sobre a sua relação com a leitura e a escrita.

1) Como a literatura entrou em sua vida e como você se relaciona com ela hoje?

A literatura entrou na minha vida ainda criança quando uma vizinha, professora, me presenteou com um livro no meu aniversário. Na dedicatória escreveu que desejava que a leitura se tornasse parte indispensável da minha vida. Anos depois, emocionada, ela chorava na fila de lançamento da minha primeira obra — Juro, foi quase amor. O livro que ela me deu foi Os cavaleiros da távola redonda. Me conectei especialmente ao contexto de amores impossíveis. Aquilo me inspirou de alguma forma. Me trouxe identificação, adrenalina, paixão. De lá para cá, eu deveria ter uns 9 anos de idade, não parei mais de ler. A literatura, daquele tempo até hoje, é o modo que encontro de me entender e mergulhar no mundo. É como mapeio meu coração e dou nome aos meus sentimentos para vivê-los melhor. Muitas vezes, amadureço enquanto ser humano nas entrelinhas das obras. Aprendo com os personagens. Permito que os livros me leiam mais do que eu os leio. A literatura é uma cavidade do meu coração.

2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se poeta ou torna-se poeta?

Acredito que a poesia está em todos, mas alguns decidem vivê-la. Falo da poesia da vida como um todo. Agora, enquanto profissão, é preciso muito mais que inclinação, dom. É preciso dedicação, estudo e disciplina. É preciso insistir e evoluir enquanto autor. Além de aprender sobre o mercado como um todo. Dizem por aí que escrever um livro é sempre mais fácil do que vendê-lo.

3) Sendo uma profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser uma “leitora amadora”? Há um botão de liga/desliga? 

Ao trabalhar com livros, é impossível lê-los e não fazer determinadas análises ou pausar a leitura algumas vezes para anotar inspirações ou impressões sobre técnicas. Contudo, isso não impede que eu aproveite a obra como um todo e me entretenha com ela. Acho que é complementar. Talvez eu tenha aprendido a ler melhor ao escrever. São processos entrelaçados.

4) Você consegue separar a sua obra da sua vida? ou vice-versa? Fale um pouco sobre a sua relação de vida e obra, se elas se interligam para você ou não.

Minhas obras se interligam com minha vida por diversos motivos. Um deles é o recorte de ser uma mulher negra, lgbt+, por exemplo. Minha perspectiva sobre amor e outros sentimentos acabam tendo esse atravessamento. Assim como a construção de textos e personagens (estou trabalhando num romance agora). E na hora de compor determinados aspectos, por mais diferentes que tenham sido da realidade, não deixo de beber na fonte dos sentimentos que já experienciei ou tenho ânsia (ou medo) de experienciar.

5) Qual sua obra literária favorita?

Pergunta difícil. A mais difícil até agora (risos). Tenho algumas obras. É quase uma traição citar apenas uma. Então, deixarei três: Hibisco Roxo, de Chimamanda [Ngozi Adichie], Caderno de um ausente, de [João Anzanello] Carrascoza; e A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe.

6) Lorena, sabemos do seu lindo trabalho na coletânea Chorar de alegria. Você pode nos dizer qual é o seu texto favorito do livro e por quê? Como foi escrevê-lo? O que te inspirou? E como você olha para o texto hoje em dia?

“Quando o mar virou gente”. É um texto que me traz nostalgia. Tem paixão, mas, ao mesmo tempo, é dolorido. É a descrição do processo de reconhecer o fim, o desamor e nomear sentimentos. Escrevi numa tacada só, com o peito transbordando. Foi como correr e colocar lágrimas no mundo através do suor. Me inspirei numa antiga paixão. Olho com alívio por estar vivendo um amor saudável, calmo e gostoso. E também com alegria por ter evoluído tecnicamente, mas, ainda assim, ter muito carinho por tudo o que foi escrito ali.

7) O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?

Terminei de ler Nunca vi a chuva, do Stefano Volp, e estou no finalzinho de O quarto de Giovanni, do James Baldwin. Não sei se indicaria um livro em específico para o momento atual, mas diria para as pessoas ficarem ligadas no trabalho dos autores que estão surgindo. É importante ler clássicos, mas também é importante dar valor ao que está nascendo agora. Acredito que todo autor traz certo retrato de sua geração. E, é claro, complementaria dizendo para buscarem diversidade nas leituras. Leiam autores negros, indígenas, lgbt+. Leiam mais mulheres. Leiam mais autores latinos. Gastem realmente um tempinho na busca do que pode interessá-los em vez de seguirem sempre pelo mesmo caminho.

8) A literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua própria escrita?

Acho interessante encontrar um meio termo. Trazer temas atuais, orientar pessoas, trazer à tona problemas sociais, mas com leveza e humanidade para que gere empatia. Assim como colocar respiros dentro das obras. Acredito que a empatia possui um poder imenso de chocar pessoas. De fazê-las pensar e mudar de um jeito mais intenso e rápido. Não existe apenas um jeito de contar determinadas histórias, sabe? O que tenho visto agora no trabalho da maior parte dos novos autores negros é justamente isso. Abordar temas importantes sem excluir outros aspectos que são tão comuns à vida de todos. Tenho buscado esse caminho no meu atual trabalho, que está em andamento.

9) Quais as qualidades de um bom leitor?

Sentir o livro. Permitir que a obra te leia em vez de apenas lê-la. Não ter pressa, mas interesse.


Esta entrevista foi realizada como parte das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato. 

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