sexta-feira, 19 de abril de 2024

Entrevista: Paulo Henriques Britto, o notório saber da palavra

por Paula Reis Vianna, Miguel Suzarte e Mika Cordero



Paulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. É escritor premiado, professor e tradutor. Publicou sete livros de poesia, o mais recente deles sendo Fim de verão (2022), e dois livros de contos. Para o jornal Plástico Bolha, ele exerce um papel quase originário, já que a iniciativa de criação do jornal veio de suas oficinas de poesia na PUC-Rio. O encontro com Paulo é sempre uma alegria. 


1) Como a literatura entrou em sua vida e como você se relaciona com ela hoje? 

Desde os seis anos de idade sou um leitor compulsivo. A partir dos 22, quando comecei a traduzir, percebi que a literatura ia ser também o meu trabalho; essa consciência se reforçou ainda mais quando, depois de fazer mestrado em linguística, comecei a pesquisar e ensinar poesia e tradução de poesia. 


2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se poeta ou torna-se poeta? 

Como em qualquer outro tipo de trabalho, a pessoa deve ter uma disposição inicial para a poesia — amor às palavras, algum talento — e muita dedicação: ler, ler muito, ler muitíssimo, e escrever constantemente. Sem trabalho, ninguém se torna poeta — nem músico, nem pintor, nem matemático, nem coisa nenhuma. 


3) Sendo um profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você̂ consegue ser um “leitor amador”? Há um botão de liga/desliga? 

Muito difícil desligar esse botão. Claro que, quando estou mergulhado num romance, há momentos em que sou apenas um leitor, mas a qualquer instante posso me deparar com uma passagem que desperte uma série de considerações — para usar a sua palavra — profissionais. O mesmo se dá com um poema. Quando leio versos que me empolgam, há um momento de pura entrega, mas logo em seguida sinto a necessidade de entender por que motivo o poema me afetou tanto; e aí faço uma análise formal e semântica, e invariavelmente descubro onde reside a causa do impacto do texto. 


4) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação? 

Sim e não. Sim, porque a qualquer momento você pode ter um impulso de escrever, uma ideia, uma motivação concreta, com origem por vezes numa atividade cotidiana; qualquer ocorrência na sua vida pode vir e ser utilizada na sua produção artística. Mas ninguém passa vinte e quatro horas vivendo em estado de imersão artística; há momentos que são vividos apenas como tais, e não como material para elaboração artística. Ninguém? Bem, talvez haja alguns artistas assim, principalmente entre os músicos; mas imagino que sejam componentes de uma minoria. 


5) Quais os livros fundamentais para a sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?

São perguntas que eu levaria dias para responder! Vou ter que ser muito sucinto. Na área de poesia, os poetas que mais me marcaram foram, num primeiro momento, alguns poetas de língua inglesa que li por volta dos onze, doze anos, quando morava nos Estados Unidos: Shakespeare, Whitman, Poe, Dickinson. Quando voltei para o Brasil, descobri Pessoa, e pouco depois Bandeira e Drummond; em torno dos vinte e poucos anos, fui muito marcado pela leitura de Wallace Stevens e Cabral, e um pouco depois por Kaváfis. Esses são apenas alguns dos mais importantes para a minha formação. No momento, estou lendo o livro mais recente da crítica de poesia norte-americana Marjorie Perloff, Infrathin: an experiment in micropoetics. Quanto a leituras indicadas para o momento atual, isso vai depender do interesse de cada um. De novo, para ficar na área de poesia, vou citar apenas dois ou três nomes de poetas brasileiros contemporâneos que venho acompanhando de perto: Edimilson de Almeida Pereira, André Capilé e Claudia Roquette-Pinto. 


6) A literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua própria escrita? 

A meu ver, a boa literatura nos obriga a enfrentar de modo mais direto a realidade, com tudo o que nela há de complexo e mesmo duro. A literatura nos faz tomar consciência da condição mortal, entre muitas outras coisas. Na minha escrita, estou sempre tentando entender em que lugar estou, tentando dar sentido às minhas vivências, mesmo quando escrevo coisas que estão longe de ser autobiográficas. 


7) Todos já fizeram poemas algum dia, em geral na juventude. Você escreve poesia já há muitas décadas. O que te faz permanecer poeta? 

A leitura e a escrita constantes, e a vontade — por vezes necessidade — de escrever. 


8) “Traduttore, traditore". A tradução é, necessariamente, fadada à imprecisão? 

É possível pôr ao mundo uma tradução isenta de marcas pessoais e infidelidades à obra original? De novo, uma pergunta muito ampla, que não vou ter espaço para desenvolver aqui. De modo geral, o que posso dizer é que nenhuma tradução é exata, mas isso não é um problema específico da tradução, e sim de toda e qualquer intervenção humana. Não há traduções perfeitas pelo mesmo motivo que não há tratamentos médicos que garantam saúde perfeita e imortalidade, nem engenharia do trânsito perfeita que acabe com os engarrafamentos em caráter definitivo. Do mesmo modo, toda tradução guarda marcas pessoais do tradutor, mas isso não é uma característica exclusiva da tradução: é impossível realizar praticamente qualquer atividade sem algum viés, alguma marca pessoal. As limitações da tradução são reais, tal como são as de qualquer outro empreendimento humano. 


9) Como está sendo a experiência de ser avô? Isso influencia de algum modo sua produção? 

Creio que a única influência direta é que tem me levado a escrever narrativas que eu possa ler para meus netos. 


Esta entrevista foi realizada como parte das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato. 


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