terça-feira, 12 de novembro de 2013

miopia


nunca entendi quem diz
que o amor é cego

o amor é
lente grossa
põe o mundo
em foco
e me faz ver tudo
que nunca vi

ajeito a armação no rosto
e vejo:
o porta-retrato ao lado da cama
a sombra clara do futuro
a palavra nova por trás
do poema já gasto

tal qual vista mal-acostumada
estranho ficar sem
você nos olhos


Larissa Andrioli colaborou com a edição #32 da versão impressa do jornal Plástico Bolha e, com esse poema, foi a terceira colocada da categoria prosa do V Prêmio Paulo Henriques Britto de Prosa e Poesia, oferecido pelo PET-Let da PUC-Rio. Parabéns, Larissa!!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Antônio Torres no Plástico Bolha



O escritor Antônio Torres, autor 13 obras, entre elas o premiadíssimo Essa terra, esteve na PUC-Rio no início deste mês, quando bateu um papo com o Plástico Bolha. O resultado da conversa é essa entrevista, na qual o autor fala sobre seu estilo, suas referências e o que há de biográfico em sua obra. Tudo com muito bom-humor.

Em seus relatos biográficos, você sempre diz ter escrito, quando jovem, alguns versinhos, até descobrir sua vocação para a prosa. Ficou algum eco de poeta na sua escrita?

Espero que sim. Porque sou um prosador movido por poesia e música. Na minha infância, se você me perguntasse o que eu queria ser quando crescesse, eu lhe responderia, cheio de fé e orgulho: “Castro Alves!” Só não queria era morrer aos 24 anos, como ele. Acho que me tornei prosador por ser incapaz de escrever um único poema, unzinho que fosse, à altura, por exemplo, do invejável Ossos do Ofício, de Paulo Henriques Britto, que este Plástico Bolha publicou na capa da sua edição de maio passado. E que dizer da minha falta de talento musical? Ai se eu pudesse escrever com a sonoridade do violão de Baden Powell, do piano de um Tom Jobim, ou o de Bill Evans, numa valsa de Bach, ou de Luiz Eça tocando Melancolia – que ele compôs aos 15 anos, imagine -, ou do trompete de Miles Davis, em seus uivos ora líricos, ora lancinantes! Mas aí é pretensão demais, não é, não?

Que autores, além do tão citado William Faulkner, o influenciaram?

Você começa elegendo os seus príncipes. Querendo ou não, acaba tendo ressonâncias deles no seu próprio texto. Minhas influências são uma mistureba da poesia romântica às guarânias e boleros – melosos cantores, por favor, cantem outra vez Mujer, si puedes tú con Dios hablar... -; e da literatura de cordel a Vinicius de Moraes, do baião de Luiz Gonzaga ao mexicano Juan Rulfo, o autor de Pedro Páramo e Chão em chamas; de Chico, Caetano & Gil a Guimarães Rosa; dos cantadores das feiras interioranas ao cosmopolita Scott Fitzgerald; de Graciliano Ramos ao jazz de Thelonious Monk e John Coltrane; de Faulkner e Truman Capote, sobretudo o Capote do conto Memória de um Natal, uma pequena obra-prima. Também bebo nas fontes dos mais admiráveis estilistas do continente americano: Machado de Assis e Jorge Luis Borges. As influências variam de livro para livro. Não escapei da de James Joyce em Os homens dos pés redondos, o meu segundo romance. Tudo que espero é que tenha sobrado para mim, pelo menos, um lampejo do talento que tanto admiro nos outros.

Alguns estudiosos atribuem à sua obra um fator autobiográfico, como em Essa terra. Há alguma empatia entre Antônio Torres e Totonhim? Que acha dessas leituras?

Essas leituras vêm desde a minha estréia, em 1972, com o romance Um cão uivando para a lua. No princípio, isso me incomodava. Depois passei a gostar, achando que elas conferiam uma certa veracidade aos meus romances. Claro que sinto empatia pelo personagem Totonhim, tanto que ele acabou fazendo parte de uma trilogia (Essa terra/ O cachorro e o lobo/ Pelo fundo da agulha). Não nos esqueçamos do que disse Gustave Flaubert: “Madame Bovary sou eu!” De alguma maneira, há traços do autor por trás de seus personagens, até os femininos.

Essa terra é anexado à tradição da literatura sertaneja, embora seja um livro contemporâneo. O romance é escrito em lugar de discussão urbana: o êxodo dos nordestinos para os grandes centros. O que dizer do arcaico e do contemporâneo na nossa literatura?

Parece-me que esse tipo de conflito não está mais na relação campo- cidade, e sim no transe entre as periferias e os centros das metrópoles, que no caso do Rio de Janeiro envolve também um outro, morro-planície. Isso tem gerado uma literatura de alta voltagem, como a do carioca Paulo Lins e a do paulista Marçal Aquino, só para citar os dois exemplos que me ocorrem.

No seu conto Por um pé de feijão, assim como no romance Balada da infância perdida, percebemos uma memória melancólica da infância atrelada à vida rural. Há alguma relação estética nesse recurso com a perspectiva de fracasso que envolve muitos personagens em Essa terra?

A atmosfera melancólica que você percebeu nesses textos pode ter algo a ver com a memória que tenho da minha infância, quando éramos todos, lá no sertão, envolvidos pela melancolia, a cada pôr-de-sol, ao ouvirmos a voz de Augusto Calheiros a cantar, no Serviço de Alto-Falantes, que se propagava pelas redondezas do povoado do qual estávamos próximos. “Cai a tarde, tristonha e serena...” Era a hora da Ave-Maria. Piores ainda eram os fins de tarde dos domingos, quando as visitas pegavam o caminho de volta às suas casas, deixando-nos a esperar, melancolicamente, a escuridão da noite, quando só teríamos por visitantes as almas penadas dos nossos mortos. É por isso que tenho uma profunda relação estética com o Pedro Páramo, de Juan Rulfo, cujo cenário é tão fantasmagórico quanto o nosso noturno sertão era, no tempo em que eu vivia nele.

Em Essa Terra, as vozes de muitos narradores se confundem com as de outros personagens e, em alguns casos, com a sua própria voz. Há alguma intenção política nesse modo de narrar?

Sinceramente, não tive tal intenção. O que tentei captar foi, primeiro: o estado de choque de Totonhim, a partir do momento em que ele vê o seu irmão mais velho, o Nelo, enforcado na sala da casa em que ele morava e na qual hospedava aquele que voltara de São Paulo, com toda pinta de herói, mas que – viu-se isso quatro semanas depois de seu regresso à terra em que nascera -, lá chegara de mala e bolsos vazios. Segundo: o suicídio do herói enlouquece o lugar, cujo sonho era o de partir. Aquele que partiu, voltou e se matou, também matou esse sonho. “A tragédia está na volta”, já dizia Nietzsche. De alguma maneira, fui por aí, ouvindo as vozes que se entrecruzavam até a loucura (como no caso da mãe do trágico Nelo, uma das personagens mais fortes do romance Essa terra, no meu entender).
 
O que você tem produzido em literatura? Algum projeto específico?

Em setembro do ano passado, publiquei o Pelo fundo da agulha, que, como disse antes, fecha a trilogia iniciada com o Essa terra, em 1976. Neste 2007 saiu o meu primeiro livro para crianças (Minu, o gato azul), belamente ilustrado pelo jovem artista gráfico Adriano Renzi. No próximo mês de setembro, estarei lançando um livro de crônicas, perfis e memórias. Título: Sobre pessoas. Mas, sim, querida galera do Plástico Bolha: acabo de começar a escrever um novo romance, já batizado de Todos os filhos, no qual o protagonista é o Totonhim, em outro tempo - este em que estamos vivendo -, e numa nova história.
 
Teria algo mais a dizer aos nossos leitores?

O que tenho a dizer mais é que gostei da entrevista. Boas perguntas. Espero tê-las respondido a contento. Por fim, mas não por último, muitíssimo obrigado pela honra da sua atenção e apreço.


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

...par de sapatos


Menina Ariela não sofre de esquizofrenia. Senhora Doutora Psiquiatra pensa que sim, bem ouvi, que imbecil. Sei eu, ser não-vivo, forma presa, que não. Vi tudo por detrás do quadro; vi o que aconteceu a menina Ariela, Deus me perdoe.

Mal completou os onze anos, fê-lo há dezoito dias, ou vinte, ou dezenove, já com isso que tenho que ver, nada. Chegou do liceu por volta dumas quatro horas, da tarde, pois que ainda estava claro o dia, e sozinha ficou, é praxe, às segundas-feiras chega por umas quatro, muito mal enxergo os números indicados no relógio de parede, pela posição dos ponteiros é bem por aí, nunca soube contar horas nos ponteiros, quiçá dali do quadro, é longe.

Vi que a menina entrou pela sala de visitas e de imediato cerrou a porta, duas giradas de chave na fechadura de baixo, duas na de cima e ajuste do ferrolho, como mãe lhe ensinou, e tirou dos pés os sapatos, e largou-os por lá mesmo, e se foi para a esquerda, e... - com mil perdões, que meu campo de visão Dali do quadro dos relógios esquartejados é limítrofe –. Foram-se uns instantes – o tempo derrete -, quantos não sei precisar, ponteiros passeiam, tique, passeiam mais, taque.

Só tornei a enxergá-la quando voltou àquele canto da sala, onde está a poltrona de couro cor-de-caramelo, a andar de meias pelo carpete, carregando pela asa uma xícara enfumaçada, vai ver estava cheia de café fervente.

Menina Ariela se sentou na poltrona e depositou a xícara sobre a mesa à frente, com cautela, mesmo assim derramou umas cinco gotas, não as contei, por sorte não lhe tocaram a pele, foram direto ao chão. Emanou um ar de “Raios!”, e um suspiro de frustração lhe escapuliu da boca, há de ser pedante ter de levantar logo depois de sentar. Deu uns segundos e impulsionou duma vez o corpo para fora do assento, e caminhou uns passos, e..., e mais uns segundos, tique, outros, taque, e regressou com um trapo molhado na mão esquerda, sim, pelo que me lembro era a  esquerda.

Agachou a Ariela e esfregou o pano no ponto onde creio que havia entornado o líquido, devia ser ali mesmo, ou qual o sentido de sair esfregando pano no carpete, nenhum. Umas quatro esfregadas, dum lado ao outro, vai-e-volta duas vezes, e lá foi ela levar o troço a...

Voltou de novo à cena, e por reles acaso, acredito, virou a cabeça à sua direita - a minha fronte - e ficou ali estática naquela posição por muitos instantes, tique, mais outros muitos instantes, taque, com exceção da cabeça, movida em pequena escala. Foram muitos, disso tenho absoluta certeza, digo-o porque vi o que a menina viu.

A visão do Inferno acometeu a Ariela, e me acometeu junto, porém em meu caso já não é tão grande problema, ora, que poderia me assustar mais que a não-vida, nessa condição já perduro, não há nada que me meter mais medo que isso. Menina Ariela, dela já não poderia afirmar o mesmo.

O incompreensível atemoriza, e não é para menos, onde já se viu escola não ensinar a lidar com o que foge à lógica. Certo que assim nasce um desastre, o primeiro desconhecido ataca a psique envolta pela parede firme da racionalidade, o desconhecido vem que nem martelo e bate, bate com força contra a parede, e a parede desmorona, claro, é firme e frágil. A parede da Ariela, como toda boa parede, desabou, e junto desabou a criança.
Ela virou a cabeça à sua direita, a minha fronte, e ali ficou focada sua visão, decerto não foi só virar para a direita, teve também de abaixar um pouco a cabeça para olhar o chão, do contrário não sei como veria o que viu, e que eu também vi.

Estava o carpete pisado pelo par de sapatos atirados ali de qualquer maneira, o par de sapatos com o qual Ariela fora às aulas, e o qual tirou tão logo chegou à casa. Cenário mediano aquele, um piso carpetado, uma poltrona de couro cor-de-caramelo, uma porta trancada, paredes brancas, um relógio de parede sobre as paredes brancas, um par de sapatos no chão. Nunca fui dum brilhantismo épico, mas creio que é justamente quando o ordinário abriga o extraordinário é que a percepção desse extraordinário pende para o terror. Foi o terror que destruiu a parede da Ariela.

Com a cabeça virada à direita, decerto levemente inclinada para baixo, com o par de olhos encaixados nessa cabeça, aliás, é que menina Ariela viu o fenômeno. O par de olhos viu o par de sapatos. O par de sapatos andou.

Um, dois, três, cinco passos. Esquerdo flutuando, posicionando-se meio palmo à frente do direito, direito flutuando, posicionando-se meio palmo à frente do esquerdo, foi assim, um andar comum, exceto sem pés, sem corpo que andasse o andar dos sapatos. Cinco passos eles deram, Ariela paralisada, movendo apenas os olhos em conformidade à trajetória. Eles andaram, andaram, e pararam. E Ariela paralisada.

Bem sei que o extraordinário existe independentemente da lógica, que a lógica engloba não mais que o ordinário, e que o ordinário por vezes abriga o extraordinário. Sei disso, porque o pós-morte já é em si mais do que o racional comporta, e pós-morta muito bem estou, obrigada. Bem sei. Ariela não sabe. Ou sabe, mas finge não saber. Só sei que naquele momento não o sabia, e disso tenho certeza, ninguém familiarizado com o desconhecido com ele se atemoriza, que absurdo.

Paralisação da menina Ariela durou um ângulo menor que noventa graus nos ponteiros do relógio de parede, isso deu para ver, por conseguinte arrisco afirmar que foram menos de quinze minutos, tique, será que a conta é essa mesmo, taque, vá saber, nunca fui dum brilhantismo épico. Quinze minutos fossem; quinze minutos duma eternidade do mais profundo desespero.

Depois de menos-de-quinze minutos de paralisia Ariela cedeu aos joelhos e caiu sentada, cabeça apoiando na parede, e a expressão no rosto de incredulidade misturada com medo misturado com dor de barriga.

Olhos arregalados, boca entreaberta, sequer uma palavra emitida, só silêncio, o silêncio aterrador de quem viu um assassínio violento ou um fantasma mal encarado. E foi só isso.

Ponteiros passeiam, tique, passeiam, taque, nada. Olhos piscam, brisa vai, brisa vem, ponteiros passeiam mais, a tarde escurece, os mosquitos sobrevoam a sala de visitas, encontram refeição, picam-na por toda a pele, ela urina por ali mesmo, nada. Nada.

Mãe da Ariela chegou por volta das dez, era praxe, e viu o carpete urinado, e a filha sentada, encostada à parede, silente, amedrontada – não necessariamente nessa ordem -, sacudiu-a, sacudiu-a, nada. Menina Ariela muda, mãe chorosa aos berros, deve ter chamado ambulância, pouco depois entraram uns homens vestidos de branco com uma maca nas mãos, e ali posicionaram a criança emudecida, e saíram porta afora todos, e foi o último resquício de Ariela.
Não sei que sucedeu, não vi mais nada, só mãe já não aos berros voltando para fazer não-sei-o-quê, inexpressiva, ninguém se deu ao trabalho de limpar a urina, moscas rondam por ali todo o tempo, o dia clareia, a noite escurece, o tempo passa, tique, dança dos ponteiros, taque, e não há mais o que se ver.

Fosse eu forma livre e falante, diria à menina que não pode, não é prudente que se cerre no próprio senso de racionalidade. O ordinário, repare bem, eu o vi, eu o presenciei, abrigou o extraordinário.

Não é esquizofrenia. Senhora Doutora Psiquiatra o diagnosticou em recado na secretária eletrônica, ecoou na casa inteira, porque é uma imbecil.


Menina Ariela não sofre de esquizofrenia. Menina Ariela sofreu de choque com o intangível, que tudo que não é tangível parece que apavora. Algo a fez catatônica, e não foi enfermidade. Não foi alucinação, não foi delírio, não foi o ordinário, Deus me perdoe. Foi o...  

Helena Mussoi 


Helena Mussoi foi a primeira colocada na categoria prosa do V Prêmio Paulo Henriques Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio. Parabéns, Helena!

Na cozinha


(h. Paulo Leminski)

Penso poesia
enquanto cozinho:

- ferve, água!
- frita, ovo!
- pinga, pia!

nada me obedecia.
Pensava poesia.

Marcos Casadore


Marcos Casadore é nosso colaborador de Assis, SP. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Do avesso


Não sei pra que viver cem anos. Se tivesse com quem, ia comentar, que bobagem um assunto desses na TV, só serve pra consolar as pessoas velhas que falam o tempo todo em morrer, do tempo que resta, essas coisas. Pelo menos duas vizinhas aqui no prédio são assim. Uma delas completa toda frase sobre o que vai fazer – mesmo se for na próxima semana – com se Deus quiser, porque na minha idade nunca se sabe.

Mas Silveira, que é como eu chamo o meu pai, não fala de morte. Não fala de nada, cada vez fala menos, só quando precisa mesmo, porque consegue quase tudo de mim com gestos. Por exemplo: ele inclina a cabeça em direção à cozinha, ergue um pouquinho a sobrancelha quando está com fome, e eu trago a bandeja. Isso tudo sem tirar o olho da televisão. Eu digo Silveira já vou trazer a sua comida e o seu remédio. Como eu cheguei tarde do trabalho, ele está morto de fome, aí esquento alguma coisa da geladeira. Mesmo cansada, não me importo, só não quero nessa hora da noite é desvirar roupa; o resto até distrai.

Só que não adianta ver a novela com o Silveira pra distrair, não adianta fazer sopa pra distrair, porque quando vou dormir desando a desvirar roupa. Nos sonhos, são pilhas de calças jeans, e agora tem uma moda de calça jeans skinny ainda mais difícil de tirar do avesso, então no sonho quase não tem blusa que é só pendurar, pra Rafaela apanhar logo e livrar espaço. A pilha que não acaba é de calças e roupas de inverno, e no inverno o limite de seis peças por cabine não faz muita diferença, porque as mulheres saem com aquela montanha dizendo não ficou bom, e raramente, raramente mesmo, uma delas devolve alguma coisa no cabide ou do lado certo.

Aquelas meninas que ficam horas experimentando calça jeans, talvez elas vivam cem anos. Nem são tão mais novas que eu, mas elas se olham tanto no espelho, sempre olham a própria bunda no espelho grande do corredor, e parecem tão felizes, que com certeza vão viver muito, apesar de nunca pensarem nisso; e talvez eu seja a única pessoa de 34 anos que sabe de verdade que um dia vai morrer.

Soube em dezembro do ano passado, faltavam poucos dias pro Natal. De lá pra cá, troquei a sopa por gelatina feita de véspera e biscoito. Não coloquei mais remédio na bandeja, e o ventilador de teto passou a fazer um barulho agradável na sala, que nem relógio. Ou então fui eu que comecei a prestar a atenção nos barulhos e nos silêncios depois daquela noite, quando finalmente consegui chegar em casa.

Era sábado e eu nunca tinha desvirado tanta roupa na vida, porque a loja ficou lotada o dia todo, a fila do provador chegava a uns vinte clientes. Não que eu tivesse tempo de contar, porque além de tirar do avesso, separar, ajeitar, eu tinha que responder que não, não estamos fazendo reserva de roupa, que outro tamanho só perguntando pra vendedora, tudo isso contando o número que interessa, o de peças antes e depois delas entrarem, porque na véspera dois alarmes tinham sido encontrados no chão da penúltima cabine.

Não gosto de ficar imaginando quem está querendo roubar, porque só quem julga é Deus, mas naquele dia eu pensava nisso, percebia as duplas de amigas se entreolhando na fila, o jeito que elas iam dar pra me enganar. Ninguém gosta de ser enganado, mesmo que a loja não cobre o furto de mim. Como a Rafaela não parava no provador, era chamada a toda hora pra ir ao estoque ver isso e aquilo, todos os funcionários irritados com o movimento, as roupas amontoavam que nem nos sonhos. Depois que a loja fechou, fiquei uma hora tirando do avesso, arrumando, limpando, observando os estragos pra depois relatar. Foi só então que eu soube da chuva, porque no shopping a luz deixa a gente atordoada, parece que de propósito, pra ninguém pensar no céu ou no relógio. Mas só acreditei de verdade no tamanho da chuva quando apagaram um pouco as luzes dos corredores. Eu ainda estava no segundo andar, e a penumbra combinou com a chuva e com a noite que deviam estar lá fora. Quando saio do shopping, sempre tenho a sensação de estar descendo de outro planeta.

Fiquei duas horas debaixo da marquise, vendo a água subir, e mais uma vendo baixar. Só percebi o celular descarregado quando já estava sozinha – a multidão tinha arregaçado a calça e metido o pé na água. Hoje fico pensando como não vi a hora passar. Foi como se eu tivesse saído de um planeta mas não chegado ao outro. Talvez me sentisse descansando, porque mesmo em pé não precisava desvirar roupas, e nem tinha vontade de sair dali pra um domingo cuidando do Silveira.

Só que de repente fiquei com medo. Deu um pavor de preferir morrer. A chuva não machucava mais, porém estava tudo escuro e deserto. Pra onde tinham ido os ônibus? Eu precisava sair dali e minha única lembrança de lugar talvez aberto era um botequim no quarteirão de trás. Com sorte, era daqueles que não fecham enquanto tem bêbado com dinheiro. Melhor bêbado do que chuva e escuro.

Na rua, a água estava pelas canelas, mas não havia correnteza e consegui chegar lá. As pernas e os sapatos pesavam, arrastando a água grossa. No bar aberto, o dono tirava a lama do piso com rodo. Eu só pensava na mendiga que vi mijando no caminho, na calçada do outro lado, muito gorda, abaixando as calças folgadas, tipo pantalona. Dá pra ficar aqui até amanhecer e os ônibus voltarem?, eu perguntei, e o dono deu de ombros num sim. Com o dinheiro da passagem quase contado, pedi uma Coca. Veio na garrafa de vidro, diferente do shopping, mais barata.

Coca-Cola tamanho família era hábito de fim de semana, espécie de alegria pequena, coisa bem típica da mãe, mas espatifou naquele dia. Não, naquela noite. Talvez chovesse. O sangue, o acidente, a mãe escorregou com a garrafa, disse o pai que ainda era pai e não Silveira. Isso, depois. Da hora, nunca tinha lembrado direito. Porque os cacos no chão, cuidado com os cacos a mãe sempre dizia, estavam espalhados, e eu, descalça. Só por isso não saí do lugar. Não podia sair. Do mesmo jeito que não podia mexer no fogão, criança não mexe no fogão, é perigoso. Fogão é perigoso. Mas o perigo não era o fogo nem o fósforo, era que a cabeça podia bater nele, bem na quina, com um safanão. E a garrafa podia espatifar, e os mil cacos confundiam tudo, porque só se podia olhar para o chão, pra não pisar neles, e não pro fogão nem para a cabeça sangrando da mãe, nem para os olhos do Silveira que ainda eram arregalados naquela época. E chovia.

Marta Barcellos


Marta Barcellos ficou em 2º lugar na categoria prosa do V Prêmio Paulo Henriques Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Vingador Negro


A primeira vez que ouvi falar dele foi no boteco. Era um fim de tarde de domingo e eu tinha descido para ver o jogo do meu time, você sabe, na rua é muito mais divertido. Cheguei cedo para garantir um bom lugar. Foi aí que veio a velhinha corcunda me agradecer. Ela está lá todos os dias, no almoço e no jantar. Deve ter uns duzentos anos e usa sempre um vestido quadriculadinho, por baixo de uma camiseta enorme, daquelas de escola de samba (“Você fez bem, meu filho. Esses garotos ficam na maior balbúrdia incomodando gente honesta, realmente mereceram a lição. Afinal, aqui é ou não é um ambiente família, um ambiente de respeito? É ou não é, rapaz?”). O balconista veio logo abrindo uma cerveja (“Cortesia da casa, chefe!”), e, quando eu disse que não bebia há alguns anos, ele soltou uma gargalhada e saiu repetindo para todo mundo que eu era um brincalhão, tremendo brincalhão. Foi juntando tanta gente (“Aquela sua capa é maneira, mermão!”) que achei melhor ir embora para assistir ao futebol de casa mesmo. Minha mulher achou muito esquisito.

Outra vez, à noite, foi na passeata. Vinha voltando da farmácia, mudei de calçada para cortar caminho e dei de cara com a multidão. Eu nem sabia que haveria aquele ato, tão comum hoje em dia pela cidade. Um monte de encapuzados me pegou no colo e me jogou para o alto comemorando não sei o quê. Foi um jornalista que me contou, assim que me colocaram de volta no chão: Eu acabara de botar para correr o pelotão de choque com seus cassetetes e balas de borracha. Também havia aspirado o gás lacrimogêneo, filtrando o ar que agredia os manifestantes. Ele exigia uma declaração quando policiais a paisana tentaram me prender, alguns ninjas que estavam por perto me ajudaram a fugir.

Naquela manhã, já te contei isso, eu tinha saído para comprar pão e umas revistinhas na banca do Aristeu. Estava passando pela feirinha da praça quando senti a porrada. Um camarada partiu para cima de mim berrando e me enchendo de sopapos. Na cabeça dele, aquilo era uma lição para eu aprender a respeitar a mulher dos outros. Enquanto isso, uma periguete fantasiada de ontem olhava para mim e não parava de gritar (“Derrete ele, derrete ele! Joga o seu raio e derrete ele!”). Parece que eu tinha acabado de dar em cima da maluca sem me preocupar com o namorado, que voltava do banheiro. Talvez fosse um engano. Olhando bem de perto, arriscaram testemunhas, o cara não era assim tão parecido comigo, principalmente pelo uniforme colante e a cabeleira black muito alta na cabeça (“O outro era bem mais bonito que esse aí, meu amor”). O valentão deu mais uma ou duas bordoadas, por via das dúvidas, só para garantir. Depois disso saíram cambaleando abraçados; ela com ar de profunda decepção, ele inchado de orgulho por defender a honra da amada.

Casos como esse eram cada vez mais comuns. Tinha um sujeito solto por aí que era mais alto do que eu, mais forte do que eu, mais cabeludo do que eu, só que todo mundo insistia que era eu. Chegava aos lugares e praticamente podia ler o pensamento das pessoas (“Ué, mas não foi esse cara que acabou de sair daqui, voando?”). Certa vez quase cruzei com ele. Podia jurar que era eu dobrando, veloz como um raio, a esquina da rua da praia.

Aproveitei as férias e resolvi passar uns tempos na serra. Achei prudente me entocar no mato enquanto a poeira abaixava, aquela história já estava ficando perigosa. Foi o filho do caseiro, um bostinha de doze ou treze anos, que me trouxe de volta ao inferno.

 “É você, não é?”

“Eu quem?”

“O Vingador Negro, aposto que é.”

“Vingador o quê?”

“Negro. Eu vi você na televisão. Na internet também, não se fala em outra coisa.”

Como só estávamos nós dois na varanda, resolvi dar corda para o moleque e saber um pouco mais sobre esse outro.

“Vem cá, me diz uma coisa, esse cara aí, o tal Vingador, você tem alguma foto dele em ação? Vídeo, sei lá.”

“Claro que não. Quando você usa seus poderes, cria um campo magnético que impede a captação de imagens, dá pau em tudo que é aparelho eletrônico. Mas você sabe disso muito bem, não é?”

“Sei... campo magnético. E o que mais? Qual é a desse Vingador Mascarado?”

“Negro, Vingador Negro. Você tem um cinto de utilidades. Quando precisa, usa um de seus apetrechos para detonar com o inimigo.”

“Apetrechos?”

“É. Corda Invisível, Super Garra de Titânio, o escambau. Mas, na maioria das vezes, você resolve tudo é no braço mesmo. Vacilou, leva cacetada. Trinta segundos e o malandro já era.”

“Entendo...”


Enquanto o garoto delirava, o circo, de repente, se armou. Em um minuto surgiu uma penca de agentes, todos de preto, vindos não sei de onde. E helicóptero e fuzil e caveirão. Alguns usavam colete a prova de balas. Não se identificaram, mas seus óculos escuros davam pinta de funcionários do governo. Me jogaram para dentro de um furgão e me trouxeram para essas suas dependências muito limpas. Antes de apagar, foi isso aí que eu pude ver. Já faz alguns dias, não sei direito, perdi a noção do tempo. Fica difícil dormir com essa luz, que não desliga, na minha cara. Gastei todo meu inglês de colégio com vocês e até agora ninguém me explica nada, ficam aí anotando e anotando. Só o que deu para pescar é que os seus colegas estão monitorando meus e-mails pessoais, e que, desde a semana passada, cessaram as aparições do Vingador Negro.

Carlos Eduardo Pereira.



Carlos Eduardo Pereira ficou em 3º lugar na categoria prosa do V Prêmio Paulo Henriques Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio. Parabéns, Carlos!!

InterTranças Japão


                           
Reserve sua passagem para mais uma viagem pelo mundo da literatura. O destino agora é o Japão, a partir de textos de Haruki Murakami, Natsuo Kirino e Jun’ ichiro Tanizaki.
O InterTranças Japão acontece na Sala Multimídia do Centro Cultural Justiça Federal (Avenida Rio Branco, 241, ao lado da Estação Cinelândia do metrô), na próxima quinta-feira, dia 07 de novembro, às 19h.
Os ingressos custam R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia-entrada). 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Olha o trem!!



Estação Nordeste! No próximo sábado, dia 09 de novembro, nos vagões do MetrôRio! Poetas cariocas da nova geração dão voz a grandes nomes da poesia nordestina! Imperdível!

Estação


a moça na estação de metrô
passava o dedo -
igual passa manteiga, minha vó dizia -
passava o dedo no aparelho celular

a moça, na estação de metrô
aquela, que passava o dedo, como
passava manteiga no celular
ativou um som, assim
com a ponta dos dedos, assim
ativou um som de voz de criança
assim, uma voz de criança

a moça, na estação de metrô
no meio da estação de metrô
ouvia, assim perto, assim perto
do ouvido, a voz de criança
de uma criança, assim, baixinha
a voz, a criança, assim
pertinho do ouvido

a moça, na estação de metrô -
a moça, assim, no meio da estação de metrô
a moça, assim, com a ponta dos dedos
encostando, de leve, assim, delicada, o
celular, ao lado do ouvido, que dizia:
mamãe, te amo. a moça, assim, tremendo de leve, com a ponta dos dedos assim, delicados, ouvindo aquela voizinha, assim, pequena, assim, pequenina, do seu filho, do seu filho que morrera no mês anterior, assim, de repente, assim, sem falar, assim, no meio da estação de metrô, da moça, assim, que chorava – assim, delicada, no meio da estação de metrô que seu filho morrera, caindo – assim – numa pausa, assim, num segundo, assim, fora do tempo – caindo nos trilhos, não. caindo não. a moça não conseguia parar de chorar. a moça, assim, no meio da estação de metrô, chorava, assim, sem parar. a moça gritava no meio da estação de metrô, assim, forçando, assim, forçando aqueles envolta a ignorar, a ignorar que ela chorava, chorava, assim, no meio – no meio! – da estação de metrô. vê se pode, no meio... dizia a mocinha, assim, sentada por perto, tomando uma coca, assim, gelada, assim, refrescante, vendo, sem ver, vendo, sem ouvir, vendo, sem sentir porra nenhuma, a moça chorando pelo filho morto que dizia mamãe te amo no meio da estação de metrô. no meio da estação de metrô. no meio da estação de metrô. no meio.

Danilo Lovisi



Danilo Lovisi é nosso colaborador de Juiz de Fora, MG.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Estação Nordeste




Está chegando o Estação Nordeste! Grandes vozes da poesia nos vagões do MetrôRio!

Doce fúria


Quando era apenas nada
Fui pro baile da terra -

Dancei ao amanhecer
Um ritmo desconhecido.

Horas mais tarde,
Engracei-me com o crepúsculo

Engajei-me em comunhão sedenta
Com a fúria do resto do mundo.

Nascido vesgo, sabendo ler
O mapa dos movimentos internos


As moções endógenas

Pré-noções indígenas -

Eu sou mais que meu eu
Vida centrífuga de doce fúria.

Rômulo Cyríaco 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Fica acordado


Desenvolvimento de ideias potencialmente doutrinadoras. Algumas comparações com animais, tal como nas fábulas, porém com um cunho de dominação. Porque animais possuem uma imagem que confere o aspecto real, a assim chamada verossimilhança, a qual parece ser nessa contemporaneidade um pré-requisito quando se fala em formação de rebanhos. Pois gênese de uma relação servos-mestre não é mais aceita fora de quatro paredes.
A liturgia. Continua crível, mesmo com a proliferação de personalidades eclesiásticas. E surpreende a capacidade das pessoas em acreditar nas múltiplas corretas interpretações de um só fato. Surpreende por não ser obra de David Lynch, quiçá se passe em Marienbad. É um tido fato. Posso gritar sobre esse fato, e assim ganho um programa vespertino na televisão ou uma igreja. Se chacoalhar muitas cabeças, quem sabe um monstruoso templo sem arquitetura?
                Falo mal, falo bem, mas passo a caixinha e jamais forço colaboração. Financeira. No céu não há árvores, no céu não há metais. Carência das matérias-primas, por isso mando dinheiro pronto direto para lá. Tão populoso o céu, uma densidade demográfica incrível. E ainda a alta concentração de ozônio. Sob essa ótica, dez reais não são, é. Pouco, quase nada. Um lado com mesquinhez, o outro não envia preciosidades para a terra: sem chuvas ácidas, raios, inversão térmica, tempestades tropicais, tornados. Fiquem fadados ao tédio.
                Fica acordado que sou um deus. Sou estéril, mas te criei. Sem ajuda de mulher alguma, afinal na minha terra o atípico é a heterossexualidade. Somos homens apenas. Cada uma de nossas costelas é uma semente sem solo para crescer. Onde há solo, as sementes germinadas são enclausuradas louvando meu nome. E sem coroinhas. O nome vem da admiração às coelhinhas, confesso. Interessa-me a ideia de morar num local repleto de criados submissos e passivos. Então a coloquei em prática.

Pedro de Carvalho

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lançamento do livro "Meus Encantos"



Lançamento do livro "Meus Encantos", de Carolina Michels, hoje, às 20:00 horas na Livraria Argumento, Rio Design Barra. Av. das Américas, 7777, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Poesia jornalística


Esposa.
No automóvel.
Espúrio.
Pedindo.
Seu.
Amplo.
Abono adicional.
Adiou para depois.

Todavia.
Aconteceu.
Atualmente.
Concomitantemente.
Com cerca de.
7  pessoas.
Carentes.
Fé de mais.

Se acaso isto fosse
Texto jornalístico
Noticioso
- objetividade, simplicidade
clareza, concisão, precisão
e interesse público -
Não serviria para
Nada.

Mas é poesia
Jornalística.

Jargão.
Adjetivação.
Juízo de valor.
Anfibologia.
Conclusão. 
Rebuscamento.
Verborragia.
Banalidade.
Cacofonia.
Parcialidade.

Interesse
Do Público.

Lide
Prolixo...


Hugo Pernet 


A peleja da voz com a língua





Numa Ciro sempre vale a pena! Temporada curtíssima, às terças e quartas, de 22 de outubro a 18 de dezembro, no teatro Cândido Mendes, rua Joana Angélica 63, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Se liga no ritmo!




No próximo domingo, dia 27 de outubro, acontecerá o lançamento dos livros "Ritmos brasileiros" e "Ritmo é tudo", de Ricardo Elia. A parir das 16:00 horas, na Livraria Cultura do Fashion Mall, São Conrado, Rio de Janeiro. 


Rotação


Ver sentimentos vãos

se esvaírem pelo vão
do esquecimento.
Que os vis se vão
e as virtudes venham

Deanna Ribeiro


Deanna Ribeiro é colaboradora da cidade de Olinda, Pernambuco. 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Aquilo que eu era sozinho



Quem nunca morreu não sabe

O fim daquilo que eu não era
Ou a mentira de que vivo.

Arrisquei quase nada
Como quem pisa no paralelepípedo
Fingindo ser abismo.

Escorreguei distraído
Em olhos que não reconheciam
Aquele corpo de coisa alguma
Envelhecido no pedaço de vidro.

O resto era o risco
De ser aquilo que eu era sozinho.

Leleco

Lançamento do livro Tessituras e Tramas



Lançamento do livro da nossa amiga de Plástico Bolha, Ianê Mello, acontecendo agora no Boteco Salvação. Endereço: Rua Henrique de Novaes, 55 - Botafogo. 

Arqueologia


Nem mesmo a mais remota pista de uma sirene no background do desenho de som de alguma cena de algum filme de alguma época que já pudesse ter visto. A vida não cabe num tubo de ensaio, ela pensou. Quem dera os elementos pudessem ser balanceados como numa xícara de café – para uns, mais fraco, para outros, mais forte, mas sempre a mesma composição de pó e água que já se espera. Vale pelo laboratório!, alguns disseram, com citações a dicionários, receitas de bolo, progressões aritméticas. Mas a moça – ou já era um tamanduá? – não ouvia nada. Entre folhas e gravetos, camuflada, à espreita. Foi então que, no ímpeto da caça, em busca de qualquer formiga, desenrolou um emaranhado de arame com suas patas, as unhas crescidas atrapalhando um pouco, e preparou uma arapuca. Ou ela, ou eu, cogitou ainda. E mesmo já não sabendo quem era quem, lançou a armadilha, e pescou uma pedra em que estava inscrita a imagem de seu rosto.




Ana Costa Ribeiro tem texto publicado na versão impressa da edição #26 do jornal Plástico Bolha.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Poema de Chloe Paisley


Me dá a chave, por favor
Do seu reino interior.
Dorme, dá-me, dama dormindo —
Não se preocupe com que estou descobrindo.


Primavera dos Livros 2013



O evento Primavera dos Livros 2013 ocorrerá entre os dias 24 e 27 de outubro, nos jardins do Museu da República. O Museu da República fica na rua do Catete 153, Catete, Rio de Janeiro, RJ. Para mais informações: http://www.primaveradoslivros.com.br

Faça parte do Plástico Bolha


Quer ver o seu texto no blog ou na versão impressa do Plástico Bolha? Nós estamos abertos à produção de todos, da prosa ao poema, passando pela charge, a crônica, a crítica e o ensaio. Temos o maior prazer em dar visibilidade a todo material que não encontraria repercussão nas mídias tradicionais e, para isso, contamos com a sua colaboração. Envie-nos o seu material através de nosso site: www.jornalplasticobolha.com.br, na sessão "envie seus textos". Estamos aguardando os novos Machados, as novas Clarices, ou só você mesmo! Participe!

Império do sono


Vive nesta ocasião subterrânea a criatura sonâmbula que faz da noite o dia inteiro e das oportunidades, travesseiro.



Sob os seus domínios, o ofício discreto da respiração e o olhar fixo num qualquer lugar, a ponto de dissecar a anatomia insuficiente das coisas quando não incomodado pelo ruído da vigília.

Então, o conhecedor de rostos anônimos, esse companheiro ausente de luzinhas turbulentas, diálogos inaudíveis e pernas inquietas que percorre ao sabor das estações o meridiano de destinos, lembra: “a vida fará salsicha dos seus sonhos”. Era o que diziam, era o que queriam dizer.

Mas as palavras que são ditas evaporam facilmente e até se condensarem em nuvens das quais se alimenta, percorrem um longo caminho num tempo inimigo que foi torturado até a morte sem lhe dar uma resposta.

Janina Daou

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Deitado em uma rede


Sentir

O cheiro da grama molhada
O balançar da rede
O som da água caindo

A mente se distanciando
As leves batidas do pé direito na parede
Um frio no estomago vazio e satisfeito

O acender de um cigarro
O resto do gosto de café na boca
O ardor das lágrimas no olho

As noites maravilhosas
Amigos para sempre
A glória

Para sempre incongruentes
Psicose emancipada que emana das vísceras
Memórias de uma menina

E sentir de novo

O entardecer
O pesar das pálpebras
O vazio da mente
A rede ficando mais lenta
O pé não mais tocando nada
Um breve segundo de morte

O fim da chuva



Luiz da Franca tem texto publicado na edição #32 do jornal Plástico Bolha.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

De lá pra cá


eu quase nada sei sobre
esses homens do deserto
que decerto também quase
nada devem saber sobre mim

portando joias de marfim
eles de turbante montam
elefantes gigantes viciados
em amendoim enquanto
eu de manhã pego atrasado
o ônibus lotado do motorista
elefante viciado em música ruim

e nada de serpente saindo da
cesta ou passear de camelo
aos sábados o máximo que
se consegue adquirir do
continente asiático por aqui
é uma esfiha do habib’s ou
um kibe mal temperado
  
e pra quem disse que no
Brasil não se fazem Oasis
como em Cholistão basta
visitar o Rio quarenta graus
e experimentar a sensação
de ser um grão de areia
em estado de sublimação

namastê não mais que mil
e uma noites por um real
e no final da programação
um jantar com Ali Babá e
seus quarenta ladrões na
sacada do Copacabana
Palace e um cálice de
Masala Chai entre as
refeições (e pros sultões
de Brunei um gole ou três
de caldo de cana caiana
antes de cair na cama)
  
eu quase nada sei sobre
esses homens do deserto
que vêm de longe a pé em
caravanas só pra ouvirem João
Gilberto e Mutantes enquanto
comem o acarajé da baiana 
com caipirinha de manga.

Camillo José



Camillo José é de Recife, PE, e colaborador do Plástico Bolha.

domingo, 20 de outubro de 2013

Participe dos desafios poéticos do Plástico Bolha!


Na atual edição do Plástico Bolha o Desafio Poético era escrever sobre o esporte nacional, o Futebol. Você conferiu as poesias publicadas? São gols e mais gols, repletos de poesias. Veja todas no link: http://www.jornalplasticobolha.com.br/pb33/desafiopoetico.htm e participe das futuras edições da coluna.

sábado, 19 de outubro de 2013

genética — poema de Lucas Viriato


do corpo
do rato
pro corpo
da gente

um pulo
do gato

Lucas Viriato



Lucas Viriato é poeta e editor do jornal Plástico Bolha. Este poema faz parte de seu último livro, "Corpo Pouco", lançado em 2013.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Entrega do 5º Prêmio Paulo Henriques Britto



Aconteceu ontem a entrega do 5º Prêmio Paulo Henriques Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio. O evento ocorrido no Laboratório de Artes Cênicas revelou os vencedores (que se inscreveram com pseudônimos) e deu a oportunidade para que cada um lesse seu texto. Em breve revelaremos os autores e obras vencedores, e os publicaremos na bolhosfera. Parabéns à todos que participaram!


Plástico Bolha encontra com jovens no Horto









Na última quarta-feira, 16/10, Lucas Viriato e o Plástico Bolha estiveram presentes na Associação de Assistência ao Adolescente, em conversa descontraída sobre a Índia e a figura do jovem escritor hoje. Muito obrigado à Rosi Trindade e todos que ajudaram na organização, e, principalmente, aos alunos, interessados e participativos durante todo o evento! 
        
Alunos folheiam o Plástico Bolha!

Eco Performances Poéticas



Com a proposta de criar um espaço aberto a novos nomes da poesia e romper com os modelos tradicionais de sarau literário, acontece nesta sexta,18 de outubro, a partir das 19h, no Museu de Arte Murilo Mendes, mais uma edição do Eco Performances Poéticas.

Nesta edição os convidados são os poetas Ismar Tirelli Neto, Bira L. Silva e Anelise Freitas, que lança seu novo livro O tal setembro.  

Integrante da organização do Eco, Anelise Freitas apresenta poesias autorais em seu segundo livro. O trabalho conta com poemas escritos a cada dia do mês de setembro. Ao todo 30 poemas gravados em folhas soltas, que podem ser lidos de forma não linear, estão presentes na publicação.

O poeta carioca Ismar Tirelli Neto, finalista do concurso “Contos do Rio” (O Globo),  se apresenta pela primeira vez com poesias de seus livros Synchronoscopio (7Letras, 2008) e Ramerrão (7Letras, 2011). O poeta se destaca como um dos nomes mais autênticos da poesia brasileira contemporânea.

Completando o grupo de convidados, Bira L. Silva participa do evento com a apresentação performática de "O Corvo", de Edgar Allan Poe.

Após as leituras dos poetas convidados, ocorre o tradicional microfone aberto, momento no qual o público interage subindo ao palco para realizar leituras de poemas, sejam eles autorais ou não. A programação conta ainda com a exibição de vídeos poemas. A trilha sonora desta edição fica por conta de Tiago Rattes.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Plastico Bolha e a juventude carioca


Hoje, às 14:30, a convite de nossa amiga Rosi Trindade, a equipe do Jornal Plástico Bolha participará de uma conversa com jovens na Associação de Assistência ao Adolescente, no Horto (RJ). Conversaremos sobre livros, o processo de criação e aproximando os jovens da figura do escritor.Para equipe do jornal é sempre um prazer estar junto das novas gerações. Fotos em breve!