Saí da faculdade
nesta quinta-feira chuvosa.
Tomei não o primeiro ônibus que
vi,
pois este foi embora antes que eu
o alcançasse.
Confesso que no caminho,
imersa no mundo dos smartphones
(qualquer hora acabamos afogados)
não dei muita atenção ao
engarrafamento,
que até parecia pior do que
realmente foi.
Sentei-me à janela, mas
— que erro o meu —
sentei-me do lado errado.
De onde estava, não podia
ver a praia.
Erguendo os olhos, porém,
já cansada do celular,
pude avistar um senhor.
Ofereci a ele o meu lugar
e após o sorriso que acompanhou o
seu
"não, querida, muito
obrigada",
decidi por virar-me à janela.
A claridade me incomodou,
o que não pareceu fazer sentido
considerando que tão cinza estava
o céu.
Mas talvez fosse um holofote
para me fazer ver
o estranho fenômeno que me leva a
este poema.
Havia aves.
Não uma ou duas.
Centenas.
Não cento e duas.
Milhares.
(É sempre assim o céu de
Ipanema?)
Fiquei não sei quanto tempo
olhando
apreciando
admirando.
(Será que eles sabem como são
livres?)
(Será que eles sabem quantos de
nós gostariam de um par
de asas, não de braços,
porque os braços não nos permitem
voar?)
Peguei o celular e tirei uma foto
de péssima qualidade
— nem sei bem por que o fiz.
Acho que achei que justo seria
não guardar só pra mim
este momento de poesia.
Pensei que todos no ônibus
notariam a foto que tirei
e os que ainda não tinham visto
(seria possível não ver tantos
pássaros negros no céu?)
logo perceberiam
e se perderiam naquela visão
da forma como eu me perdi.
As pessoas, porém,
pareciam não notar
— tão imersas no mundo dos
smartphones —
(um dia ainda vão se afogar).
De repente a Vieira Souto
não era seus prédios,
não era seu valor
(na verdade nunca foi),
não era nem mesmo sua praia.
De repente a Vieira Souto
era milhares de manchas negras
no céu acizentado
desta quinta-feira chuvosa.
De repente eu só queria
saber para onde iam
saber por que eram tantos
saber por que nunca na vida eu
vira algo assim.
Mas, sem sequer responder minhas
perguntas,
o ônibus virou à esquina.
Agora eram as árvores
e eu já não via mais o céu.
Via a vitrine de mil lojas
mil vestidos
mil blusas
mil sapatos
mas nada era tão belo quanto os
meus
mil pássaros.
Para onde iam?
Por que eram tantos?
Por que nunca em minha vida
eu vira algo assim?
Desci na praça e
— que alívio! —
havia aves.
Não uma ou duas.
Centenas.
Não cento e duas.
Milhares.
Mas ninguém as via.
Não me importava que não me
vissem
— talvez até tropeçassem em mim —
mas não havia problema, desde que vissem
mil pássaros.
Mas não viam mil pássaros.
Caminhei, caminhei,
e quase caí na calçada.
Não vi a pedra no meio do caminho
porque o chão não era belo como o
céu.
O chão não tinha mil pássaros.
Obrigada a olhar para a frente
disse adeus aos meus mil
pássaros.
Passei então pela entrada do
metrô
na certeza de que o subterrâneo
não me mostraria mil pássaros.
Sentei-me à janela, mas
— que acerto o meu —
sentei-me do lado certo.
De onde eu estava, não podia
ver a praia.
Mas pude ver mil pássaros.
Seriam eles mais belos do que a
praia?
Penso agora que os pássaros
parecem as palavras neste papel
coincidentemente escritas com
caneta preta,
porém em uma folha não tão cinza
quanto o céu
desta quinta-feira chuvosa.
O único problema é que
em vez do ar puro e livre
recebem o ar abafado do metrô apertado.
Em vez do meu olhar admirado
recebem o olhar desaprovador das
que incomodo com meu papel.
Desculpem, senhoras,
as palavras não esperam.
As palavras são como os pássaros,
senhoras.
Se não as escrevesse,
voariam para um lugar
que eu não sei onde é
e eu nunca mais as veria.
Porém, já vai chegando minha hora
de parar.
Parece que este poema é tão longo
quanto a distância
de Ipanema à minha casa.
Parece que este poema tem tantas
palavras
quanto havia de pássaros no céu.
Yasmin Barros
Um comentário:
Lindo!
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