quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Andrômeda Acorrentada


Com que aterradora agressividade
Ataca a rocha a marina tempestade!
Água e terra em feroz competição
Por maremoto e intensa vibração
De Cefeu a orla etíope estremecem
E o terror no velho rei estabelecem,
Pois à fúria em Posídon instaurada
Gritos por misericórdia valem nada.

Também no cinzento e escarpado rochedo
Treme a virgem Andrômeda de medo.
De sua altiva mãe a desregrada voz
No deus marinho acendeu o ímpeto feroz
Ao as vastas filhas de Nereu comparar
Em beleza à sua prole singular.

Ao Oráculo muito penou dizer
Àqueles pais que para demover
Do deus colérico a ira inflamada,
Que deixassem na pedra acorrentada
A predileta filha como sacrifício
Ao monstro emergente do precipício.

Diante do seu reino a destruição
Só sobrou ao rei a paterna negação,
E não foi com pouco ressentimento
Que condenou a filha ao fim sangrento.
E como sofreu ainda mais o soberano
Em ter de assistir ao ato desumano!

No horizonte longínquo já assomava
Na superfície do mar a besta brava,
Um colosso em volume semelhante
À rocha sobre Andrômeda dominante.
Os incontáveis dentes na boca aberta
Mostrava Cetus alcançando sua oferta.

Eis que surge incauto o anguicida Perseu,
Por Zeus filho que Dânae concebeu,
Espada à mão, sobre Pégaso montado,
Com a cabeça da Górgona armado:
Troféus duplos que de Argos o varão
Colheu da Medusa na decepação.
Muito espanta o herói aquela cena,
Ver acorrentada a virgem pequena:
¬Formosa, tão alva quanto a espuma do mar,
O negro de seus cachos a contrastar,
Os graciosos lábios comprimindo
E seus olhos a tristeza traduzindo.

Por marmórea estátua seria tomada
Andrômeda na pedra encadeada,
Se não fosse por seu úmido sal vertido
E o cabelo pelo vento sacudido.
Lá a virgem bela em restada submissão
Esperava a derradeira execução.

À Andrômeda acorrentada dirige
Perseu a voz que uma explicação exige.
Qual foi o crime hediondo que cometeu
Para ser punida a filha de Cefeu?
Uma beleza assim sem precedentes
Não deveria ser posta em correntes!

Defronte de tanta altivez hesita
A tímida Andrômeda desdita.
Esconderia o rosto logo a mão
Se não lhe detivesse o frio grilhão.
Mas do herói a calorosa insistência
Na jovem vence a última resistência.

Mas tão logo que lhe contou a princesa
O que a levou a ser na pedra presa,
Ergue-se do mar um bestial rugido
Por gritos dos etíopes acrescido.
Grita também a filha de Cefeu,
Com o grito dos pais ecoando o seu.

Então exige Perseu valente,
Pela morte do monstro insurgente,
Ao pávido rei em matrimônio a mão
Da bela virgem salva da execução,
E do monarca só restava ao caso
Conceder ao pedido sem atraso.

E voa Perseu contra Cetus colossal,
Empunhando firme a espada fatal,
E dá três golpes do Pégaso alado
Na besta sobre seu dorso e lado,
Com que agilidade se esquivando
Do bruto ataque do monstro nefando!

Como não afundava a incansável besta,
Saca a anguícoma cabeça de sua cesta
E o petrificante olhar ele vira
Contra o fruto de Posídon e sua ira,
Transformando em rochedo esculpido,
A adornar a orla, Cetus vencido.

Morta a besta, Perseu voa sem demora
Para a pedra onde Andrômeda ainda chora.
Por golpes de espada ele parte a corrente
Que prendia os braços da virgem fremente,
E voando transporta à terra segura
A ainda assustada esposa futura.
Assim Perseu, por chuva de ouro gerado,
Salva a bela Andrômeda de seu fado.

Leonardo Ferrari

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