terça-feira, 27 de março de 2018

Brooklyn


Ela ia para o Brooklyn. Na América do Norte. Mais precisamente, Manhattan. Chegara havia uns poucos dias. Pegou o ônibus turístico, vermelho, para mapear a cidade e depois visitaria com mais vagar os pontos que mais lhe agradassem. Desceu num quase ponto final. Era ali, lhe informaram. Depois da praça, teria que dobrar à esquerda, caminharia mais uns tantos metros; do píer, o barco chegaria logo ao destino. Era só cruzar o Rio East. Desceu do ônibus, andava bem rápido para sobrar-lhe um tempo maior para o passeio, o almoço e ainda voltar e assistir ao show de rock no Central Park.

Ela virou à esquerda, mas de cabeça para baixo! Uma multidão de ninguéns! Uma tristeza, aliás, angústia da mais pura. Sentiu um cheiro abstrato, inexplicável, vãos e espaços, alturas descomunais, Calatrava, o prédio adotado à sua frente, filhote do World Trade Center depois daquilo tudo!

O indizível com duas piscinas com águas infinitas e um ralo, melhor, um ralão dentro delas onde escorriam infinitamente dor, corpos, memórias, gentes, muitas gentes queimadas e agora suas almas na água para alívio dos céus.

Escoamento de vidas perdidas, ou lavagem de memória, ou apagando o fogo tardiamente, ou água das bombas dos bombeiros que não deram conta do ódio, da crueldade desse mundo seco de amor! Nomes possíveis daquilo!

Não foi ao Brooklyn. Ficou um número de horas, um tempo incomensurável nessa inércia, paralisada observando, no museu ao lado, fotos das pessoas bem pequenininhas que caíam pelas janelas!

Rosália Milsztajn

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