quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

81 Segundos, uma prosa de Camila Justino

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...nho que esquecer essa mulher, tenho que esquecer. O que tá acontecendo comigo meu Deus? O que tá acontecendo? Uma dissimulada... aqueles dentes nervosos — brancos lindos grandes me mordem —, sua histeria acaba comigo, ela leva susto dormindo — linda dormindo —, eu tenho que tá do lado dela pra falar que ela tá viva, ela diz que de noite seu espírito sai do corpo, eu acho que vou ligar pra ela, eu vou ligar pra ela hoje à noite. Sair pra jantar quem sabe? jantar. Mas ela não vai querer, vai querer me levar pra um buraco, adora buracos imundos cheios de bêbados nojentos. Me meter de novo em buracos, tenho que esquecer essa mulher. Eu prometi que ia sumir da vida dela. O banco. Eu tenho que ir no banco hoje, droga. Esse ano as coisas têm que melhorar, vou começar a fazer horas extras, tenho que mostrar mais desempenho. Desempenho. Só falta esquecer aquela infeliz, não deixa eu ter vida. Porra, eu sou homem, eu tenho que ser o homem da parada, tudo vai mudar. Esqueci a pasta, ah, foda-se eu não vou voltar. O verão é sem vergonha, o sol nasceu para todas. Que ridículo aquela balofinha posando de modelo, a outra até que eu pegava, dá pra pegar. Tranqüilo. Na teoria é muito bom, mas o que a gente quer ver é mulher gostosa. Gostosa. Puta merda, esses infelizes, não vou dar dinheiro não, não quero bala, não quero guarda-chuva, não quero biscoito, quero que você suma. Esses moleques. Podiam tirar todos da rua e jogar longe, do outro lado da cidade. Onde está o governo? Esses moleques. Ficam olhando com cara de piedade pra cima da gente, eu não tenho pena não. Sou cidadão decente porra, tenham pena de mim seus infelizes, se soubessem o que aquela descontrolada tá fazendo comigo. Se ela tivesse aqui no carro, me obrigaria abrir a janela e comprar uma paçoquinha. Adora paçoquinha, ia perguntar o nome do menino, ia querer levar o menino pra casa com ela. E eu, estúpido como sempre, me sujeitando a tudo. E sempre acaba me fazendo rir. Odeio quando ela me faz rir — eu amo. Mas eu sou o homem, tudo vai mudar. Porra que mulher gostosa, como é que passa devagar em frente dos carros, parece que sabe que tão olhando pra ela, tá só provocando. Essas mulheres são umas vadias. Será que ela atravessa a rua assim, aí fica um marmanjo nojento querendo comer a minha mulher, minha mulher. Eu vou ligar pra ela agora, agora. Não, não. Não posso. Pô, vontade de mijar, que merda de trân...
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Este texto estava na página 2 da primeira edição do Plástico Bolha, portanto é mais que um clássico do Bolha. Camila Justino é autora de dois livros: O mundo dá voltas, para meninas que não engolem sapos e Socooro, eu sou menina! (e tô crescendo!), ambos voltados para o público jovem feminino. Além disso, ela faz teatro, é entrevistadora da Revista Pilotis e dizem que, ultimamente, anda trabalhando muito em uma máquina engenhosa que te transforma automaticamente em autor canônico. Será? Quem quiser conferir o outro lado de Camila Justino pode ler o conto Ovulação que está na edição atual, 25, do Plástico Bolha. Essa menina vai longe!

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