domingo, 6 de dezembro de 2009

Presságios a e pós Auschwitz

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A chuva caia forte naquele dia, uma pequena nevoa cobria as pastagens, que deixava um ar de frio e sem vida planar na atmosfera dos sentidos. Enquanto dezenas de vagões, de interior escuro e de pessoas, percorriam os trilhos violentos de uma causa estúpida e de pessoas idem, tendo em suas laterais pequenas esperanças, que nos iludiam, fazendo-nos acreditar, acreditar que tudo era um sonho surreal, e que na alvorada estaríamos em nossas camas despertando para nossas vidas. Mas não era nada além do real, era o próprio real.

A paisagem passava rápido, não conseguia escutar coisa alguma, tendo meu tímpano alojado no ermo de mim mesmo e o vazio em meus olhos imprecava aos horizontes, no momento que estático meu ser se punha. Mesmo assim, lutava com minhas forças a arranca-me de meu corpo, pois meus presságios eram aterrorizantes demais para agüentar.
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Posto que num dado momento, certa imagem a dilacerar meu ser paralisado, uma doce criança camponesa a me fitar, aquele acontecimento que durara um estalar de tempo no tempo real, em meu tempo parecia uma eternidade, cabecinha cabisbaixa e olhos tristes para mim, em que lágrimas brotavam-lhe olhos afora, e ao chão secavam-se como se em fogo caíssem para evolar-se. Um fato que parecia querer me ensaiar para algo, mas que a mensagem ao receptor chegava ainda crua.

A temerária locomotiva enfraquecia sua força perante a boca de tijolos e cimento, que à sua frente ia se agigantando com objetivo de nos pré - engolir a vida ao adentrarmos em seu complexo de atrocidades, erigido em um campo belo e maquiado por um sistema, florescendo de suas entranhas, pétalas do ser desumano na rosa do humano.

O gelar em meu corpo, de meu rosto ao encontro com pétalas do ser desumano, eis que, em meus olhos desesperançosos, a anunciação de meu fim finalmente. Aberta as portas dos vagões, descíamos milhares, todos com sentimentos interligados. E íamos sem saber para onde. E neste intervalo do ir e do chegar, passávamos por diante uma chaminé de tamanho estrondoso, e que infindamente, exalava fumaça por sua grande boca, que expelia pessoas.

Enfim, chegamos à frente de uma porta, eis que a atravessando, adentrávamos no cômodo poderoso, que por seus braços abraçava milhares de uma só vez, para com sua boca, nos dar o último beijo.

Cuspiam-nos pelas chaminés para dissiparmos no espaço. Efeito de uma cegueira moral, que decapitava vida em nome de uma ação estúpida, que não tinha sentido e nem porquê, mas mesmo assim eram cultivados por pétalas do ser desumano.

Hoje, cerca de 65 anos após nos cuspirem a vida, mas que ainda, partículas de fumaças de nosso ser insistem em ser, as chaminés do preconceito continuam queimando no bicho homem, continuam exalando fumaças, continuam expelindo pessoas, tendo sua forma tão quanto maquiada como antigamente, e agora, não há uma chaminé só a queimar.
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Fabiano Mafia Baião
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