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Afogaram-se os peixes no mar por falta d’água, morreu meu cão inchado feito uma bola, morreu Bolota. Mas eu fui ao enterro não, que a enchente a levou. Pra onde, eu não sei não, talvez pra água seca que afogou os peixes de ar. Ah, talvez você comece a me entender agora. É pena que eu te engane. Lê de novo este início, depois.
O rio barracento era uma torrente só. Muita casa caiu, muita gente sumiu e outro tanto de gente chorou na tristeza que a chuva pariu. E ali, bem perto dali, tudo há dias era só sequía. Mas o barro do rio da rua lambeu as fendas do chão salgado do que já fora oceano, inundando suas rugas.
Só que, tadinhos, nesse impossível, os mil de mais de mil peixinhos embeberamse de um marrom gosto de esgoto: cadê o sal do nosso azul? Veio a Bolota, durinha de tão inchada, e se juntou aos sofás que boiavam, aos pneus que boiavam e àqueles miles de peixinhos com as boquinhas em beijo pedindo ar, ah! Que cardume fúnebre.
E foi que no dia seguinte tava lá eu, a Bete, Pedrinho e o Alex, mergulhando naquele rio de mar, incomodando o urubu na Bolota, jogando peixe um no outro, felizes na nossa desgraça, criando montões de anticorpos. E as ideias que se misturam, as coisas que não casam, dizem que sou leso da cabeça, mas a Bete ainda fala comigo — eu acho.
A minha mente... às vezes boia.
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Luciano Prado da Silva
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O rio barracento era uma torrente só. Muita casa caiu, muita gente sumiu e outro tanto de gente chorou na tristeza que a chuva pariu. E ali, bem perto dali, tudo há dias era só sequía. Mas o barro do rio da rua lambeu as fendas do chão salgado do que já fora oceano, inundando suas rugas.
Só que, tadinhos, nesse impossível, os mil de mais de mil peixinhos embeberamse de um marrom gosto de esgoto: cadê o sal do nosso azul? Veio a Bolota, durinha de tão inchada, e se juntou aos sofás que boiavam, aos pneus que boiavam e àqueles miles de peixinhos com as boquinhas em beijo pedindo ar, ah! Que cardume fúnebre.
E foi que no dia seguinte tava lá eu, a Bete, Pedrinho e o Alex, mergulhando naquele rio de mar, incomodando o urubu na Bolota, jogando peixe um no outro, felizes na nossa desgraça, criando montões de anticorpos. E as ideias que se misturam, as coisas que não casam, dizem que sou leso da cabeça, mas a Bete ainda fala comigo — eu acho.
A minha mente... às vezes boia.
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Luciano Prado da Silva
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Esse texto está na capa do jornal Plástico Bolha #27. Faz parte do livro Aneurisma matou berimbau, de Luciano Prado da Silva, que pode ser adquirido aqui. Publicamos novamente esse clássico em função da chuva que se abateu sobre o Rio de Janeiro. Que as mentes ilhadas boiem também!
.Esse texto está na capa do jornal Plástico Bolha #27. Faz parte do livro Aneurisma matou berimbau, de Luciano Prado da Silva, que pode ser adquirido aqui. Publicamos novamente esse clássico em função da chuva que se abateu sobre o Rio de Janeiro. Que as mentes ilhadas boiem também!
7 comentários:
Lu, adoro! Inda não comprei seu livro, mas vou fazê-lo e devorá-lo todinho. E vc não incomoda. Mande sempre sempre suas publicações.
beijo.
Clarissa.
Lu,o conto é um dos meus preferidos, entre tantos outros maravilhosos que você tem. Merece o título de clássico.
Olha Luciano, classico sim com toda a certeza! Abração!
É isso mesmo: "Muita casa caiu, muita gente sumiu e outro tanto de gente chorou na tristeza que a chuva pariu".
Foi assim que aconteceu.
A ficção fala melhor que o jornalismo.
Parabéns, Luciano!
Lu,amigo querido uma vez lhe disse que você iria longe com seu talento e alma doce e consciente de poeta. viu, não me enganei!! vc como todo poeta enxerga não com os olhos mas sim com a alma que vê o que os olhos não alcançam.
É simplesmente BÁRBARO esse conto.
te amo.
andreia carla''la cubana''.
É muito bom saber que ainda surgem talentos na literatura brasileira. Parabéns, jovem escritor. Siga em frente!
Li um pedacinho desse conto no Jornal O Globo do dia 03 de Maio e achei legal. Resolvi procurar pelo texto na íntegra e achei muito mais interessante ainda.
Parabéns ao autor Luciano. E que venham muitos outros contos desse maravilhoso autor.
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