“Sorria,
você está sendo filmado” – alerta o sarcástico sorriso amarelo. Por vezes ao
ler o aviso questiono-me se de fato somos livres ou se o conceito de liberdade
não passa apenas de uma doce e mera ilusão. Se por um lado escravidão é a
ausência de liberdade, por outro, a ausência da escravidão em si não nos torna,
necessariamente, livres. A nova escravidão não carrega mais consigo correntes e
grilhões, ela entra sorrateiramente em nossas vidas disfarçada de “Grande
Irmã”.
Tenho
a infeliz oportunidade de presenciar a concretização do presságio orwelliano e
ver o seu grande vilão – Big Brother – tomar forma e cor no mundo real. Não
refiro-me aqui ao deplorável reality show idealizado pelo holandês John de Mol,
cujo formato se alastrou feito praga pelos cinco continentes, incrustando-se,
ao que parece, em nossa televisão brasileira há mais de uma década.
Refiro-me sim a um dos maiores personagens de ficção criados pela
literatura britânica. Trata-se do brilhante romance, com viés político, intitulado
“1984” ,
de Eric Arthur Blair sob o pseudônimo de George Orwell.
A
obra produzida em uma época (1948) em que a Europa e Ásia eram dominadas pelos
regimes totalitários de Stalin e Hitler – aliás figuras de inspiração para a
produção da mesma – busca alertar seus contemporâneos e futuras gerações para
os perigos do totalitarismo. Orwell retrata uma sociedade, cujos cidadãos são
vigiados em tempo integral e em todos os locais através das teletelas
(aparelhos que transmitem e captam som e imagem) sob a liderança do onipresente
“Grande Irmão”, sendo constantemente lembrados pela frase propagandística: “O
Grande Irmão zela por ti”.
Diante
da realidade que vivemos hoje podemos dizer, sem hesitar, que Orwell foi acima
de tudo um visionário da sociedade contemporânea, que vive em meio a uma
liberdade vigiada. Por causa de um poder público inoperante, que não consegue
combater as ações criminosas e violentas garantindo assim a segurança dos
cidadãos, tornamo-nos condescendentes com o uso de uma tecnologia que propicia
a vigilância total de nossos atos, aceitando inclusive a invasão da nossa
privacidade. Somos vigiados nos estabelecimentos que frequentamos, nos
condomínios que moramos, nossas conversas podem ser gravadas, nossos veículos
monitorados, tudo em prol da própria segurança. Esta vigilância constante expõe
justamente as condições de insegurança às quais estamos sujeitos, vivemos a era
da desconfiança absoluta, cujo maior inimigo é o outro.
Diferentemente
da ficção de George Orwell, o nosso inimigo não é visível e pode ser qualquer
um ao nosso redor. Temos assim, como consequência mais desastrosa, um
isolamento crescente do indivíduo, propiciando um comprometimento das relações
sociais. Vivemos a era da globalização, não há mais fronteiras nem limites para
comunicação e veiculação da informação, entretanto, paradoxalmente nos tornamos
cada vez mais solitários.
Somos
constantemente bombardeados por notícias de violência que acabam alimentando
mais ainda os fantasmas e temores da insegurança física e emocional que nos
assola. Criamos as nossas próprias “teletelas” com a intenção de zelarmos por
nós mesmos, o grande problema agora está em se enxergar a linha tênue que
separa a (falsa) ideia de proteção, da violação e invasão de privacidade.
“1984” serviu para nos alertar
sobre as consequências que um Estado totalitário pode acarretar, resta-nos
saber quais são os efeitos que uma liberdade vigiada pode causar em uma
sociedade como a nossa.
Liege
Karyj
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