segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Irene no escuro


Estou suado e ofegante, largo a bicicleta na calçada de Irene, com cuidado, pra não fazer barulho, por mais que desconfie que ela saiba que cheguei, e mesmo que tão tarde da noite, tenho certeza que haverá uma testemunha.
Foda-se.
Não tenho nada a perder.
Aproximo com cuidado, conheço a casa de Irene como a palma da minha mão. Depois de dar uma olhada na rua deserta, pulo o muro do lado, que é menor e dá direto pra varanda, aterrisso no gramado bem aparado, tiro meus sapatos pra não fazer barulho.
Meu coração bate acelerado, sangue corre quente nas veias, tão vivo e fresco quanto o sangue que mancha minhas roupas.
Estou eufórico e tremulo de febre, sou como uma corda de violão que oscila e vibra criando imagens paralelas à sua.
Quando toco na porta vejo que está aberta, é a confirmação de que ela sabe que estou aqui, a sala tá escura, só com a luz da escada acesa, posso ver a silhueta do corpo magro de Irene parada no último degrau, me olhando enquanto seus cachos egocêntricos estão armados sobre sua cabeça.
Como ela sabe que eu tava vindo?
A corda ainda não terminou de oscilar.
Eu sou um cara possessivo e inseguro, é por isso que tenho uma faca presa na parte de trás do cinto. Meus óculos estão cada vez mais embaçados devido às bufadas de cansaço pela indisposição causada pela febre, enquanto a barba tá coçando.
Irene está nervosa.
Começo a andar em sua direção. Piso no primeiro degrau da escada e apago a luz para que não me veja.
Vou subindo cada vez mais rápido, vejo o vulto da Irene correr para a sacada da casa.
Mais gotas de suor escorrem pela minha testa, só que agora frias e incomodas.
Minha camisa ensanguentada pesa e escorre sobre minha calça jeans.
Sou a corda que oscila.
Vou puxar a faca presa na cintura, e vejo que não está mais lá.
Que merda é essa?
Noto também que já não estou subindo escadas, pois não existem mais degraus, e sim um chão gelado e plano, está uma total escuridão, mas posso sentir com os pés descalços o azulejo antiderrapante abaixo de mim.
Que merda?
Não sinto mais o corpo dolorido de febre, passo a mão pela testa, não estou suado frio, a camisa parece não estar mais ensopada do sangue da outra pessoa que matei antes de vir pra cá, até parece ser outra roupa.
Merda!
Eu chego ao fim do que deveria ser uma escada, só que agora parece ser um corredor.
Vou tateando pelas paredes.
Encontro um interruptor, acendo, por um segundo uma luz muito forte e branca toma conta de tudo, quando abro os olhos vejo que não estou na casa de Irene, realmente não há mais faca, nem roupas sujas de sangue, e sim um uniforme...
A corda parou de vibrar.
Levanto a cabeça, tudo começa a girar ao meu redor.
Merda!
Segundos atrás eu estava na casa de Irene, subindo as escadas, e agora...
Estou numa cantina...
Com pessoas de uniforme?
Uns três indivíduos velhos e barbudos jogam dominó numa mesa pequena e descascada, outro olha com cara de retardado pela janela, uma senhora acaricia um gatinho no chão, enquanto outras meia dúzia de pessoas assistem a uma pequena TV presa na parede, e três guardas armados vigiam as três entradas da sala.
Fico sem reação.
Onde é que eu tô?
Como?
De que jeito?
Um homem muito gordo de branco se aproxima de mim, puxa uma prancheta debaixo do braço, arrasta o dedo por ela e diz sem olhar pro meu rosto:
_Muito bem... Ah... O senhor, né? Hora do remédio.
Então tira duma pochete ridícula presa debaixo da barriga, um copinho de café, deposita dentro dois comprimidos vermelhos e estende o braço, eu apanho estupefato, mas não por isso, e sim pelo que diz no crachá pendurado em seu peito.
Clinica Psiquiátrico Santa Rosa.
Que porra é essa?
Eu começo a gritar e me debater, quero voltar pras escadas, o gordo tenta me segurar, puxo a caneta do bolso de sua camisa e enfio num de seus olhos, sangue jorra pra minha cara, um dos guardas corre, aponta a arma e dispara...

Numa fração de segundos estou no chão, sangrando e desfalecendo.

Igor F. G.

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