“Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o
direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.” (A revolução
dos Bichos – George Orwell)
Uma letra mais um som. Um conjunto de letras e sons. Um
conjunto de letras e uma escrita. Temos, pois, senhoras e senhores, uma
palavra. Tão inocente e ao mesmo tempo tão perigosa, ela é o núcleo das
acusações feitas perante este tribunal. Apresento, hoje, a defesa da ré- a
palavra.
A acusação, como bem se sabe, é antiga. Muitos a diziam
descaradamente, mas a maior parte da censura ocorria no plano do invisível. A
palavra era acusada de pequenas subversões, uma ali outra aqui, mas foi sempre
reprimida, desconsiderada, chegando até a não ser valorizada pela sua riqueza.
Por isso, os poetas da década de 70 foram denominados de “marginais”, pois
estavam à margem do uso valorizado - o editorial - da palavra.
Essa simples senhora - a palavra - submeteu-se durante anos
a limitações. E não foram poucas. Houve até quem lhe 'parnasianisasse' e a
pusesse como mera obra de arte num papel ou na boca de intelectuais. Tiraram a
palavra do povo, subtraíram-lhe a vida.A palavra, porém, senhoras e senhores,
está aqui diante de vós. Sem encobrimentos, sem vestimentas pedindo apenas o
básico que deve ser dado a todo o ser: uma certa liberdade.
Não é pedir muito. Vejam: a palavra não precisa ser excluída
de um espaço em detrimento de outro. A palavra não quer ter preferências. Só
quer ser fluida como a "modernidade líquida" e poder ir de um local a
outro, permear diversos campos, usar todo o seu potencial. Por que uma
identidade apenas? - Eu pergunto: Por que não "celebrações móveis" de
palavra? Percebam que o peso que impomos a ela não é o que impomos a nós
mesmos. Se podemos viver em constante adaptação e mudança, por que a palavra
não? Isso é injusto. E estamos aqui para tentar fazer justiça. Uma justiça de
palavra.
Os senhores e senhoras devem estar se perguntando: mas o que
isso tem a ver com a exposição? Pois bem! A exposição não foi nada mais do que
uma revolução. Algo que não foi tão planejado, que já vinha acontecendo em
doses homeopáticas e agora tomou um espaço um tanto inusitado: o de uma
exposição em um centro cultural. Inusitado porque estávamos acostumados a ler
livros de poetas já falecidos e a colocá-los à frente das manifestações
contemporâneas e vivas de poesia, de usos da palavra.
E que problema há em revoluções? Nós, Meritíssimo, fomos
durante muito tempo inocentes quanto às mudanças que a própria palavra
provocou. Uma abertura aqui, outra ali. Uma manifestação na periferia, uma
manifestação na intelectualidade... A palavra, senhoras e senhores, não se
deixou abater. E isso é digno de reconhecimento! Continuou a tentar se expandir
e ampliar horizontes. Hoje, ela montou uma exposição de si mesma. Uma
exposição, que como disse, é uma revolução. Uma revolução, eu diria, tão justa
quanto a Industrial ou a Francesa. Uma revolução que muitos acreditam, e eu
ponho fé, entrará para os anais da história.
É importante lembrar que, durante os anos e ainda hoje, a
palavra foi além da mera comunicação, virou inclusive uma questão de poder
(Foucault explica). Palavra é expressão, palavra é poesia. E por isso
"Poesia agora". Palavra não é só direito dos livros de quem já está
morto, de quem é conhecido, de quem sabe rimar. A palavra quer estar em todos
os lugares: nas academias, nos parques, nas ruas, nas exposições, na boca e no
corpo dos poetas. Na exposição, como já foi dito pela acusação, ela está nas
lâmpadas, nas paredes, nos vídeos dos poetas, no banheiro e nos livros também.
E quem a usa? Pessoas. Famosas ou não. Ricas ou pobres. Conhecidas ou não. A
palavra, Meritíssimo, só quer o direito de ir e vir, previsto na nossa constituição.
É uma revolução? Sim! É uma revolução. A revolução da
palavra! Como isso ficará lindo nos livros de história! Nossas crianças
aprendendo desde cedo que a palavra não está morta, mas viva! E viva para se
usar.Nossos meninos e meninas vendo, aprendendo e fazendo poesia, porque sabem
que a palavra não quer ser direito de alguns.Não podemos derrubar a revolução
da palavra. Tudo o que minha cliente pede, Meritíssimo, é o direito a uma certa
liberdade. Direito esse que deve ser concedido à palavra, uma mera subalterna
das emoções humanas. "Pode o subalterno falar?"- pergunta Spivak, e a
palavra disse que sim. De fato, ela falou. Organizou uma exposição. Algo
inovador. Notem que a minha cliente quer deixar de ser exclusividade de alguns
e se mostrar viva. Seja no papel, seja nas ruas, na periferia, nos morros, na
academia. A palavra deve ser livre!E olha que a ré não pede muito. Quer apenas
continuar a ser usada pelas emoções humanas, só que com uma certa liberdade.
Na verdade, creio que, independente do que digamos aqui
hoje, a história está mudando. A revolução já começou. Nossas atitudes não
podem impedir um movimento tão digno quanto o da palavra. Entrará para a
história. Isso é um fato. Mas como a história será contada? Como nossos nomes
serão escritos pela palavra?
Dito isso, sem mais nada a acrescentar, deixo ao Meritíssimo
a decisão.
À palavra, o meu agradecimento.
Caroline Ferreira de Oliveira Brizon
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