Amor Humor, Flamor x Flumor,
sempre um clássico, jogado há 90 milhões de eras o Amor Humor nasceu como o Fla
x Flu, 45 minutos antes do nada.
Amor, humor. Quando Oswald de
Andrade escreveu isso foi o momento da descoberta da fusão atômica. A fusão é
diferente da fissão. Na fusão dois átomos se juntam para formar um só. Mais
energia é liberada e não há radioatividade. Amor/humor é a fusão poética
clássica. Oswald estava ali na ponta de lança do movimento poético da mais alta
tecnologia de ponta, mas o que fez foi olhar para trás e buscar no inconsciente
coletivo o que de mais básico existe em todos nós. Um nó de coisas que não são
nada simples.
Eu sempre olhei esse poema
pensando “por que Amor não tem H, porque Humor tem H?” Achei durante muito
tempo que a linguagem era aquilo que tornava possível a comunicação, mas no dia
que eu descobri que a batata doce é a melhor para os diabéticos pois é a que
tem o menor índice glicêmico, tudo caiu por terra! Batatinha quando nasce se
esparrama pelo chão! Como pode a batata doce, já diz o nome DOCE, ser a menos
doce das batatas?! Terra devastada! Eu percebi que a linguagem não serve para
comunicar, serve só pra poesia mesmo. Isso parece engraçado, mas na verdade nos
deixa vendidos, num mundo de caos, ou de caôs? Tá vendo, uma mudançazinha de
som e já não estamos entendendo mais nada.
O Octavio Paz comparou uma vez a
linguagem, poesia e sexo num livro chamado a Dupla Chama. Muita gente entende
que sexo é só para procriação, isso é como acreditar que a linguagem serve só
para a comunicação. Outros acham que o sexo é mais do que isso, é erotismo, é
prazer, gozo mutuo, festa do corpo e do espírito. Para esses a linguagem não
serve só para comunicar, e essa linguagem que não está nem aí para a
comunicação é a poesia. Ela é a erótica do texto.
O sexo só para procriação só pode
acontecer entre um homem e uma mulher, o sexo pelo prazer erótico pode
acontecer entre quem quiser, até entre indivíduos de espécies diferentes! Assim
também é a linguagem. Se você quer se comunicar escreva direitinho, num papai
mamãe linguístico, mas se quiser gozar junto, se solta, solta a franga,
despiroca, se embuceta.
Essas inversões e diversões me
lembram os travestimentos. A poesia é um travesti. Ela usa a linguagem como
vestimenta e arma para se transformar numa coisa que ela não é, mas a partir do
momento que faz isso ela já é aquela coisa que ela não era.
Macunaíma, capítulo IV: A Francesa
e o Gigante: “Resolveu enganar o gigante. Enfiou um membi na goela, virou Jiguê
na máquina telefone e telefonou pra Venceslau Pietro Pietra que uma francesa
queria falar com ele a respeito da máquina negócios. O outro secundou que sim e
que viesse agorinha já porque a velha Ceiuci tinha saído com as duas filhas e
podiam negociar mais folgado. Então Macunaíma emprestou da patroa da pensão uns
pares de bonitezas, a máquina ruge, a máquina meia-de-sêda, a máquina
combinação com cheiro de cascasacaca, a máquina cinta aromada com capim
cheiroso, a máquina decoletê úmida e patchuli, a máquina mitenes, todas essas
bonitezas, dependurou dois mangarás nos peitos e se vestiu assim. Pra completar
inda barreou com azul de pau campeche os olhinhos de piá que se tornaram
lânguidos. Era tanta coisa que ficou pesado mas virou numa francesa tão linda
que se defumou com jurema e alfinetou um raminho de pinhão paraguaio no
patriotismo pra evitar quebranto.”
O Mario de Andrade também sabia
das coisas e Macunaíma é travesti francesa, armada de meia de seda, salto alto
e de linguagem para derrotar o gigante. Isso é amor, isso é humor, e sempre
funciona.
Ou não funciona tanto, porque nem
eu mesmo estou entendendo do que eu estou falando. Sou um incompreendido de si
próprio. Mas pelo menos se dá pra rir de si ainda dá pra se amar. Só é possível
se amar quando se consegue rir de si mesmo. Só é possível amar o outro quando é
possível rir um do outro meu bem, se não o que resta é chorar. Sim, eu citei
Los Hermanos, o Vento.
E com eles chego ao
contemporâneo, ao agora, essa busca incessante pelo presente. Mas o que é o
contemporâneo? Só quem está vivo aqui com a gente, ou essa galera toda que já
morreu, mas a gente conversa direto, tipo o David Bowie? Para mim são todos
contemporâneos, os que aqui estão vivos nessa sala e o velho Alphonsus de
Guimaraens morto em 1921, que se foi não sem antes dizer para o Osório Duque
Estrada que preferia o livro “A arte de fazer vatapás a baiana”, do que
célebre: “A arte de fazer versos”. Eu acho isso uma grande piada e uma grande
sacanagem com o vatapá e as baianas. Comparar essa cultura maravilhosa com
aquele livro chato do cara que escreveu aquela letra do hino nacional toda
cheia de inversões sintáticas incompreensíveis.
Mas eu não posso falar mal dele
se estou dizendo o tempo todo que poesia não é para comunicar. É para gozar. E
afinal dá pra gozar muito nas inversões, como já vimos com o Macunaíma.
Talvez o Osório tenha tentado
fazer uma grande piada quando escreveu o hino nacional. Vejam o David Foster
Wallace, contemporâneo, porque nasceu ali em 1962, mas já morreu então não é
mais contemporâneo, difícil esse conceito. Mas enfim, ele uma vez escreveu uma
crônica chamada: “Alguns comentários sobre a graça de Kafka dos quais
provavelmente não se omitiu o bastante”. Diz o David: “Para mim, uma frustração
marcante de tentar ler Kafka com universitários é ser quase impossível fazer
com que percebam que Kafka é engraçado”. Kafka, engraçado?! Eu juro que tentei!
Li várias vezes a crônica, reli o Kafka, mas não tem jeito, termino sempre chorando. Talvez eu tenha
errado de livro, mas o que estava mais perto na hora que eu escrevia esse texto
era o Carta ao Pai então vamos rir com o Kafka: “Querido Pai: Você me perguntou
recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Como de costume, não soube
responder, em parte justamente por causa do medo que tenho de você, em parte
porque na motivação desse medo intervêm tantos pormenores, que mal poderia
reuni-los numa fala. E se aqui tento responder por escrito, será sem dúvida de
um modo muito incompleto, porque, também ao escrever, o medo e suas
consequências me inibem diante de você e porque a magnitude do assunto
ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento.”
OUCH! Nunca consegui passar desse
parágrafo do livro. É muita porrada, não é engraçado.
Mas brincadeiras à parte eu
entendo o David Foster Wallace. Ele diz que existem muitos humores e que os
americanos estão acostumados ao stand-up, ao humor fácil, de piadas prontas, da
punch line. Talvez eu esteja totalmente colonizado e seja um dos universitários
americanos lendo Kafka, é sempre difícil entender a língua e o humor do outro.
Mas sempre vale o esforço.
Pra mim engraçado e muito mais do
que engraçado é o livro da Gaúcha Angélica Freitas.
“Um útero é do tamanho de um
punho” é amor/humor em sua potência mais contemporaneamente exacerbada. Um
livro que trata com amor e humor um tema porrada: O que é ser mulher hoje!
Página 39 da primeira edição. Poema Mulher de respeito: “diz-me com quem te
deitas / Angélica Freitas”. Todo mundo quer saber com quem você se deita / nada
pode prosperar! Citei o Caetano agora pra compensar o Los Hermanos.
Amor Humor, Flamor x Flumor,
sempre um clássico. Mas não na acepção mais comum do termo Fla x Flu, que quer
dizer embate sem fim de contrários e sim na ideia, que no fundo reside em cada
arquibancada de cimento, de que sem Fla não há Flu, sem Flu não há Fla. Opostos
complementares, espelhos invertidos, o mesmo lado da outra moeda.
E fico devendo pra vocês a punch
line!
Domingos Guimarãens
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