segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Sobre a multiplicação do amor


A vida humana é a tensão que se dá entre veste e nudez. (E. Coccia)


“Recepção”

quero me despir de toda a hipocrisia da saudade
e te sofrer como um espelho


“Partilha”

eles querem limpar as nossas ruas
eles querem duplicar as avenidas
eles querem acabar com todo o amor

mas nós nos absteremos da política
como de uma coisa infecta
e abjetamente desprezível

meu coração não é um motor


“Cogito”

penso em você
logo
o amor existe


“Fânero”

veste
meu corpo nu
a sua imagem e semelhança


“Matéria estranha”

sou o amante e a coisa amada
o meu corpo e o seu
o nada que ergo em sua falta
a forma que devolvo como a lei

o nosso amor
nessa guerra anunciada
defenderei defenderei defenderei


“Reprodução”

aquém da alma
além da pele
habito a matéria estranha do seu meio
e penso
que se vivo sem você
quero perder-me


“Amor”

tumor


“Como foi”

minha imagem era a sua
sua imagem era a minha
você não teve alegria
eu tampouco tive alguma


“Despedida”

você
voa agora daqui
para lá
onde tudo
sempre
se perde no passado
mas diariamente ainda
nasce
e se põe
como o sol


“Envoi”

preciso aceitar a ideia
de que a negação
não
significa um nada

que quando os espelhos
não devolvem a nossa imagem
não
quer dizer que não há nada a se observar


“Nachleben”

meu corpo é o que restou de nós dois


“Encerramento e gran finale”

só você me interessa
só me interessa o que não é meu



Rafael Castro é mestre em estudos literários pelo Pós-Lit/UFMG com a dissertação “A vida sensível do mito na literatura Huni Kuĩ”. É indigenista na Fundação Nacional do Índio. 

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