As cataratas nos olhos brancos do maquinista não o impediam de conduzir a grande máquina de metal com maestria em constante progresso rumo ao passado. No primeiro vagão, um ambulante vende pedaços de artefatos egípcios e de outras civilizações antigas. Um pedaço de sarcófago da 23ª Dinastia a 10 reais, promoção só aqui na minha mão, mas ninguém entende muito bem do que se trata. O presente ao fim do dia para os sortudos era a conquista de um assento rígido para endireitar as costas tortas e cochilar o sono dos maltratados. O ambulante recolheu as peças nos escombros do antigo Museu, sobre o qual hoje é construída a Igreja Memorial Brasil, em que os passageiros rezam que caiam por terra os inimigos que tentam roubar o meu assento, sejam pisoteados antes de entrarem no vagão. No jardim da igreja há um cemitério, sob o qual estão enterrados os yanomamis, os incas, os egípcios, sepultados por contarem heresias de terras distantes sem cruzes. Daquela grama, cresce uma árvore chamada Favela. Um profeta do último vagão faz uma oração, que o Senhor Deus dos Maquinistas conduza de volta esse país aos trilhos, amém, meus irmãos passageiros? Esta é a profecia que se cumpre ao povo faminto que ajudou a cravar com as próprias mãos a cruz no cemitério indígena porque a cruz era mais leve que a fome do luto, fome tão grande que faz o povo engolir sua própria História, que faz o povo aceitar comer um pão pra matar sua fome sem saber que o trigo era sua própria pele, como comem aos Domingos a carne do Cristo pisoteado no vagão.
Luma Rodrigues
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