segunda-feira, 22 de julho de 2019

Um risco vermelho no cinza, de Eduardo Coletto Furlan - Segundo Lugar de Prosa do X PPBPP


Quão frio pode ser este lugar, pensa o viajante na trilha de lama e neve, seguindo em direção ao cume de uma montanha distante que num fumo torrencial desaparece e retorna com violência constante, a solidão da multidão que se forma na rua de asfalto machucado salta, grita, esbraveja e joga pedras contra uma linha bem formada de homens brutos e armados, não pode ficar mais frio do que isso, pensa o viajante na trilha de lama e neve, estremece quando tenta olhar para cima, mas o vento forte risca seu olho que queima e em brumas se esconde com medo, atrás do carro, bem posicionado, é possível ver o invólucro cilíndrico girando e como num raio um grito surdo estoura e faz desorientar toda vida da natureza que corre num misto de raiva e desespero, tropeça numa rocha escondida na neve e cai ao lado de um troco petrificado, abre os olhos com medo da cegueira e nota aos poucos que consegue ver, mas já não há trilha de lama e neve, tudo é confusão quieta, os olhos arregalados a boca aberta e o som oco distante invade o grupo de estudantes que paralisados observam os homens fardados arrastando o corpo amigo, um risco vermelho no cinza, levanta assustado sem saber onde está, olha em volta e não vê mais o cume distante, já não consegue lembrar por que subia a montanha, num beco ao lado refugia-se o grupo que em prantos questiona o sentido de tudo aquilo, tudo parecia surreal demais para ser verdade, separam-se e vão embora, nunca mais se veriam, após duvidar da própria sanidade o viajante olha fixo para seus pés e vê atônito um horizonte brilhante em tons rosados, cheio de palmeiras com suas frondes emplumadas que pendiam para todos os lados e se aproximavam cada vez mais de suas mãos, até que um solitário pássaro marinho levanta voo e estremece a realidade num grito áspero que ecoa no centro de sua razão, em delírios um poeta debruça-se sobre sua revolta e escreve, já não mais sangrarei nas páginas, já não mais cantarei nos palcos, já não mais escrutarei as ordens dos deuses da terra, triste observa uma última vez o cume dos sonhos, aquela espécie de braço prateado a meio caminho do céu, serra os lábios e o silêncio parece coagular-se, cai como cinzas sobre as páginas, que escorregam de seus dedos e voam por detrás dos altos troncos junto a uma atmosfera negra e sombria, desaparecem ao lado de adormecidas orquídeas pálidas e num último suspiro indaga, que espírito maltratado poderia ter um sono intranquilo naquele solo abençoado.

Eduardo Coletto Furlan

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