segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (VI)


VI. A procura da poesia

Na sétima sessão, Poesia Contemplada, o autor mineiro explora a própria produção da poesia. Os textos apresentam um caráter metalinguístico, à medida que Drummond concebe uma meditação sobre o próprio fazer poético. É o momento em que penetra surdamente no reino das palavras, como instrui o poema Procura da Poesia, do livro A Rosa do Povo. Há o alcance de uma consciência sobre o senso estético e de produção, e a linha entre o eu e o mundo se retrai, já que o eu-lírico se coloca entre os dois territórios para situar-se no campo da linguagem. Isso se observa neste segmento de Procura da Poesia:

Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Seguindo no campo da exploração poética e literária, a categoria Uma, duas argolinhas, onde o autor trabalha seus exercícios lúdicos. São produções marcadas pela exploração do humor e da ironia. Brincadeiras com rimas, palavras e formas e o uso de neologismos também estão presentes. Essa face jocosa e irônica se evidencia no poema Política Literária: 
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.

A última categoria, Tentativa de Exploração e de Interpretação do Estar-no-mundo, se encarrega, segundo o próprio autor, de uma visão, ou tentativa de, da existência (DRUMMOND, 1962). Essa categoria é composta por poemas que propõem uma reflexão em cima do ato de se estar no mundo e o sentido da vida e do ser humano. Textos Cantiga de Enganar, Rola Mundo e Tristeza no Céu se debruçam sobre a existência com forte angústia e melancolia. Vide o fragmento de Composição:

Onde vivemos é água. O sono, úmido,
em urnas desoladas. Já se entornam,
fungidas, na corrente, as coisas caras
que eram pura delícia, hoje carvão.

O mais é barro, sem esperança de escultura.

Partindo, em diversos momentos, de um ponto de vista subjetivo, o autor se propôs a se debruçar sobre as diversas formas de existência. Evidencia-se novamente o eu inquieto de Drummond, que permeia toda sua poesia. Trata-se, portanto, de uma sessão dedicada a indagar-se sobre o existir e sobre a vida, seja ele presente, em dissolução (como no poema A Um Hotel em Demolição) ou em transformação (visto na produção Resíduo). Exemplifica-se no poema Cerâmica:

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara. 
 
Sem uso, 
Ela nos espia do aparador.


Luisa Issa 

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