VI. Considerações finais
Carlos Drummond de Andrade tem um papel fundamental na literatura lusófona, não só na própria produção, mas também no que diz respeito ao fazer poético. Sua inquietude e gauchismo o tornaram um autor profundamente crítico, inclusive de si, mas sua natureza era de uma sensibilidade única, como relata o escritor Silviano Santiago:
Há várias questões na poesia dele que você percebe que foram colhidas com o tempo, pelo contato humano com gente que enriquece. Agora, tem que ter saco e ele tinha. Ele detectava uma faísca e ia atrás dela.
Tenho duas mãos e o sentimento do mundo; assim abre o poema Sentimento do Mundo, integrante do livro homônimo, publicado em 1940. Com esses elementos, o poeta deslumbrou a verdade e tantos outros mistérios do viver e do sentir. Seus poemas, tanto subjetivos, são profundamente acolhedores nas dores, revoltas, amores ou outros afetos. Era um verdadeiro minerador do outro, ao passo que utilizava de sua sensibilidade e singeleza no cuidado com a produção poética e na forma que a direcionava e redigia.
Um dos fatores mais curiosos da Antologia Poética é a sua seleção e divisão, feitas por Drummond em cima de sua própria obra, e a certo ponto, sobre si mesmo e sua história. Parte de sua trajetória de vida está atravessada nestes textos e na forma que estão organizados: o ferro na alma, fruto de Itabira, sua vinda e permanência no Rio de Janeiro, a perda do filho, o envolvimento político, as paixões amorosas; suas ideias de justiça, revolta e sono, como descrito no poema Os Últimos Dias, e tantas outros pontos marcantes de suas vivências.
O poeta das nove faces da antologia era, ainda, o menino de Itabira do Mato Dentro, expulso do colégio aos 17 anos por insubordinação mental. Era, também, o poeta que aventurou-se no meio do caminho, risco que reverbera até os dias atuais. Um mestre em versar inquietudes de qualquer âmbito, Carlos Drummond de Andrade e sua poesia afetam, atravessam e narram a realidade até hoje, mesmo 120 anos depois de seu nascimento e 35 anos de seu falecimento. O pensador e escritor Ailton Krenak crava: Drummond caminha entre nós, com suas palavras gentis e gestos de indizível graça, como se evitasse fazer algum desnecessário ruído (KRENAK, 2023).
Não me leias se buscasflamante novidadeou sopro de Camões.Aquilo que reveloe o mais que segue ocultoem vítreos alçapõessão notícias humanas,simples estar-no-mundo,e brincos de palavra,um não-estar-estando,mas que tal jeito urdidoso jogo e a confissãoque nem ditongo eu mesmo
o vivido e o inventado.
Luisa Issa
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