segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (VI)


VI. Considerações finais

Carlos Drummond de Andrade tem um papel fundamental na literatura lusófona, não só na própria produção, mas também no que diz respeito ao fazer poético. Sua inquietude e gauchismo o tornaram um autor profundamente crítico, inclusive de si, mas sua natureza era de uma sensibilidade única, como relata o escritor Silviano Santiago:

Há várias questões na poesia dele que você percebe que foram colhidas com o tempo, pelo contato humano com gente que enriquece. Agora, tem que ter saco e ele tinha. Ele detectava uma faísca e ia atrás dela.

Tenho duas mãos e o sentimento do mundo; assim abre o poema Sentimento do Mundo, integrante do livro homônimo, publicado em 1940. Com esses elementos, o poeta deslumbrou a verdade e tantos outros mistérios do viver e do sentir. Seus poemas, tanto subjetivos, são profundamente acolhedores nas dores, revoltas, amores ou outros afetos. Era um verdadeiro minerador do outro, ao passo que utilizava de sua sensibilidade e singeleza no cuidado com a produção poética e na forma que a direcionava e redigia.

Um dos fatores mais curiosos da Antologia Poética é a sua seleção e divisão, feitas por Drummond em cima de sua própria obra, e a certo ponto, sobre si mesmo e sua história. Parte de sua trajetória de vida está atravessada nestes textos e na forma que estão organizados: o ferro na alma, fruto de Itabira, sua vinda e permanência no Rio de Janeiro, a perda do filho, o envolvimento político, as paixões amorosas; suas ideias de justiça, revolta e sono, como descrito no poema Os Últimos Dias, e tantas outros pontos marcantes de suas vivências. O poeta das nove faces da antologia era, ainda, o menino de Itabira do Mato Dentro, expulso do colégio aos 17 anos por insubordinação mental. Era, também, o poeta que aventurou-se no meio do caminho, risco que reverbera até os dias atuais. Um mestre em versar inquietudes de qualquer âmbito, Carlos Drummond de Andrade e sua poesia afetam, atravessam e narram a realidade até hoje, mesmo 120 anos depois de seu nascimento e 35 anos de seu falecimento. O pensador e escritor Ailton Krenak crava: Drummond caminha entre nós, com suas palavras gentis e gestos de indizível graça, como se evitasse fazer algum desnecessário ruído (KRENAK, 2023).

Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro de Camões.
Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo,
e brincos de palavra,
um não-estar-estando,
mas que tal jeito urdidos
o jogo e a confissão
que nem ditongo eu mesmo 
o vivido e o inventado.


Luisa Issa 

 

Nenhum comentário: