sábado, 30 de abril de 2011
Para Carlos e Adélia
Quando eu nasci
Não veio anjo ou demônio
Tampouco parteira, benzadeira
Padre, pai de santo ou sinfonias
Uma enfermeira, um ou alguns instrumentadores cirúrgicos,
Obstetra, e um tapa do pediatra
Apresentaram-me o mundo.
Dum gole de ar, irreconhecível
Para a vida vim
Um vasto mundo
Na maternidade Praça XV para o mundo
De um enlace adolescente
Vasto mundo
Fruto do acaso
Não tinha caderneta de poupança
Nem muitas festas
[Um casamento encobria a barriga já saliente pós debute]
Criada assim,
Entre tios e avós
Nenhum anjo ou demônio
Apresentou-se
Vá, Munique
Porque assim te chamaram
[sem rima
Nome de cidade importante.
ou solução]
Neste vasto mundo vá
Nem que seja pra ser gauche na vida.
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Muca Velasco
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sexta-feira, 29 de abril de 2011
Sujeito-Homem
Delano Valentim
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Oração Corpórea
São os acordes da respiração
O som dos corpos em choque
Pra turbulência do beijo é um toque
No envolvimento lingua, pulsação
Tá no cheiro da carne, da boca
Nossos pelos entrelaçados
Na nuca o gemido abafado
Na sede o suor é uma gota
Na seiva do orgasmo o sorriso
Exaltado nos dentes travados
De um fez se dois corpos pesados
Largados no mar do indeciso
Nossa mãe nossa menina
Nos acolha em teu ventre estrelado
Nos retire este tempo gelado
Nos defenda da lingua ferina
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Vitor Granado
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quarta-feira, 27 de abril de 2011
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Espaço Plástico Bolha no CEP 20.000
21 anos de invenção
quarta – 27 / 04 /// 20:30 – 5 reais
20:30 - cine curta cep 20.000
querida b, |letícia simões 5:02
vide o tape | priscila de azevedo maia | 4:55
paó sem palavras | daniel paes | 5:17
os caminhos do espelho | paula manzo | 1:05
feito pedra | adélia jeveaux | 7:07
miró e manuel | pedro cezar e marcos kuzka | 3:30
21:00 – poesia & performance
laura liuzzi
masé lemos
coletivo organismo
os siderais
Espaço Plástico Bolha
Mínima Lírica com:
lucas viriato / domingos guimaraens
Receitas cantadas com:
gabriel fomm e ângela câmara
22:00 - música sólida sarau
roda de compositores com
dimitri br + achilles chirol + silvia rebello (diahum.com)
fernando paiva + flávia muniz (luisamandouumbeijo.com)
ismar tirelli neto + alice sant'anna + mariano marovatto
domingo, 24 de abril de 2011
Sô Rio
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O dia é feito de aventura
Com salves dias
dias sim
dias não
eu vou sobrevivendo sem
nenhum tostão
um prefeito
perfeito filho dedicado
limpando a bagunça pra
debaixo do tapete
todo o pretérito imperfeito
eu Rio
de quê?
o dia é feito de ventura
andar num campo minado
pisar em bueiros buracos
nos dentes de asfalto
sorriso que Rio
ta rindo do quê?
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Breno Coelho
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quinta-feira, 21 de abril de 2011
CAFÉ
Dê-me café,
Quero escrever.
Uma xícara desse tônico
E terei forças renovadas,
Encontrarei a palavra perdida
Que caiu como folha
Da árvore da vida.
Dê-me café,
Quero escrever.
Sou aristocrata,
Poeta,
Basta o aroma
E cantarei a luta de amor e fé
Nesta página aberta.
Dê-me café,
Quero escrever.
Estímulo para meu cérebro,
Investigarei pensamentos,
Sentimentos,
Decretos divinos
E registrarei tudo
Com dedos ágeis sobre as teclas.
Dê-me café,
Quero escrever.
Um pouco mais
Dessa infusão das Arábias
E não terei mais sono,
Revelarei segredos,
Juntarei letras em estranhas galáxias
E mergulharei num outro universo.
Dê-me café,
Quero escrever
Até morrer.
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Raquel Naveira
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Raquel Naveira é autora da casa.
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DIÁRIO
Danço numa ciranda de fogo
olhos acesos pelo brilho da vida.
Subverto a morte
até o presente momento.
Descubro a beleza das coisas
quando não procuro por nada.
Canto a música barulhenta dos dias
melodia dissonante da existência.
Invento galáxias particulares
no Big Bang das ideias.
Ouço o silêncio das pedras
na insônia da madrugada.
Aprendo a educação pela dor
na escola dos erros.
Domestico a tristeza
em tempos de solidão.
Busco a felicidade
na carne feminina do amor.
Escrevo o meu diário secreto em forma de poesia!
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José Augusto Ribeiro da Fonseca
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quarta-feira, 20 de abril de 2011
Foras da lei
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Não moramos em lugar seguro
As opiniões sempre mudam
Os cobradores sempre ligam
E ela não cansa de se admirar no espelho
Se sair à noite com este colar
Pelo amor de Deus, terminaremos presos
Porque somos uma bomba relógio sem hora para explodir
Terroristas sentimentais
E juntos criamos um poema sem intervalos sem rimas
Sem espaço
Sem masturbação
Somos livres e toda a polícia está à nossa procura
O leão rugindo
Os teóricos em poesia
Os 181 e os 171 também
Por isso treparemos em praça pública
Depois fugiremos da cidade.
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Anderson Pires da Silva
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Anderson Pires da Silva é nosso colaborador de Juiz de Fora.
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O Homem-Peixe
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Pulou para fora do aquário
Rastejou-se no carpete
Procurou um mar imaginário
Sem que ninguém soubesse.
Rolou da escada
Querendo alcançar a rua
Chegou até a escada
Saiu embaixo da chuva.
Seguiu pegadas
Deixou vestígios
Descamou-se em estradas
De delírio.
Atravessou pistas
Chafurdou na lama
Prejudicou as vistas
Machucou as barbatanas.
Mergulhou em poças
Refugiou-se no cais do porto
Esbarrou em louças
Sem nenhum conforto.
Buscou um barraco
Um pedaço de vitrine
Uma peça de teatro
Um roteiro de filme.
Um conto
Uma canção
Ficou sem ponto
Sem noção.
Nada encontrou
Nem mesmo um tema
Só se encaixou
Neste poema.
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Marcio Rufino
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terça-feira, 19 de abril de 2011
relicário de desejo
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o que há são os pássaros.
inabaláveis, de recorte à janela
gritam:
trôpegos de delicadeza
descobrem o caminho de budapeste
em uma reza, as mãos coladas:
Letícia Simões
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segunda-feira, 18 de abril de 2011
domingo, 17 de abril de 2011
PERGAMINHO DO FOGO
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Flávia Muniz
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Pintura
Há dias em que os efeitos visuais são
[uma parte de um todo
que se acomete
Pelo acaso da coincidência
Então a poesia se faz pela tinta escorrida
Formas que nascem do pó
Milagres que o vaticano não
[oferece no cardápio
Espírito do giz de cera
Santa aquarela do perpétuo
[socorro!
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Fernando Andrade
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sábado, 16 de abril de 2011
Aos poetas contemporâneos
Há um oceano no caminho
Ao sudeste de Drummond, ao nordeste de Cabral
As montanhas, as praias
As garotas de saias
Matando aula à tarde
A imaginação do velho poeta: enfarte!
Você pode ser como dantes
Uma força respeitável contra as forças sociais
Você pode ser honesto
Ou doidona
Três ou trinta pontos na carteira
Desde que não cultive raízes na criminalidade
Desde que não seja “a porra imprestável de um difamador”
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Anderson Pires da Silva
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Pombo, pobre e pão
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Hoje um pombo quase me atropelou! Um pombo bem do gordinho.
Esta praguinha tão bem alimentada pelos velhinhos nas praças.
Quantos pombos comendo pão dormido,
quantas pessoas dormindo do outro lado da calçada
e eu aqui escrevendo sobre pombos, pobres e pão.
Será que sou mais inútil que aqueles velhinhos?
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Alberto Pereira
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sexta-feira, 15 de abril de 2011
AS PALAVRAS SILENCIADAS
As palavras silenciadas
emblemas (emblemáticas, né)
Condenação moral! nos pensamentos
Não quero que O Mar
feche minha passagem
como fez com o
Rio
Nem tô emagrecendo
rápido. Rápido. Rápido. Rápido
A resposta é que---
Tenho mais fome
de pança, vícios
– ah, viver sem eles!
Enxergo de longe as veredas que dão no Pão de Açúcar,
ou o Cristo clone Redentor
Ou negligente ou forte,
ele/ela me acompanha
Vem comigo
Floresta
Paulo Vitor Grossi
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Paulo Vitor Grossi é autor da casa.
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aterro do flamengo
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chão:
riscado.
a palavra interrompida na ordem do dia.
vãos em madeira quente:
de onde vêm os homens?
(de lá, apontam)
suspenso, o salto.
— a tarde, enquanto
você dormia
de resto, os pássaros
o jornal amarfanhado
e o branco enrodilhado à areia.
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Letícia Simões
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quinta-feira, 14 de abril de 2011
A puta
Sonho com um príncipe encantado. Sempre sonhei em estar perto de um homem que me tratasse bem, bonito, cavalheiro. Esse é meu desejo mais aberto, minha verdade mais divulgada. Nasci feia. Não tem jeito. Eu era um bebe feio, depois fui uma criança feia, continuei sendo uma adolescente feia e hoje, sou uma jovem feia. E sou feia não de gorda nem de torta, sou feia por proporções. Questão de relação entre nariz e boca, orelha e olho, peito e bunda. Não combino. Sou uma criatura que Deus fez com pressa.
A vida me permitiu adaptar-me aos homens de segunda categoria. Sou aquela que recupera os pedaços quebrados dos rejeitados. Sou a dona do colo que cala o choro de tantos meninos perdidos, envergonhados, medrosos. Não cabe, a mim, julgar com desdém aqueles que, como eu, nasceram assim, abaixo do normal. Nunca neguei um rapaz sequer. Estendo meus braços, para todo homem que busque carinho, afeto, prazer. Minha flor provém com todo o néctar que qualquer homem, renegado pelo mundo, precisar.
Todo homem que namorei, perdi. Talvez por ser puta, talvez por ser santa. Mesmo tendo pena do pobre que me enamora, mesmo sabendo e ignorando suas disfunções, suas deformidades, suas mais grotescas falhas, mesmo sendo um sacrifício aturar a criatura que se atrelava a minha carne tal qual carrapato, nunca fui eu quem terminei. Sempre cuidei, amei, sempre! Acredito que sou o fundo do poço. Sou o fim da linha. A partir de mim os homens se reconstroem. Eles renascem e me deixam.
Não posso negar o cansaço. Viver a espreita de um homem bom é duro. E olha que nem planejo tomá-lo para mim, do mundo. Nem casar, nem nada. Quero só ser adorada uma noite. De verdade. Que ele esteja triste, que ele esteja desolado! Mas que me queira! Meu sonho eterno como puta e como feia é ser desejada por um homem puro e bom. Ter um ser belo, cuidando, com o toque, meu corpo. Deixar-me ser guiada por um cheiro limpo de homem bom. Ah! Que isso seja por uma noite! Não queria mais do que isso. Sei que é pedir demais. Mas peço que seja! Quero estar banhada de gozo e suor daquele que vai fazer minha vida valer a pena. Preciso, quero, sonho, demais.
Mas sei que não é assim. Já me acostumei à ideia da miséria, da migalha... Ao menos tenho homens para que eu satisfaça. Homens ralos, de beijos duros, de mãos grossas, de vozes ou fracas ou roucas... Fedendo à cachaça, querendo minha graça, chorando de vergonha, querendo minha fidelidade, me ligando com saudade, me largando na sarjeta, esquecendo a gorjeta ou até pagando extra! Tanto faz. Não é o dinheiro que me agrada. Gosto mesmo é de ser amada.
Ah! Que nada... Tem vezes que eu até esqueço o que fazer com a vida. Eu sigo sem guia. Sou feia. Sou aquela. A sobra. A outra opção. Eu sou aquela que tem amor. E que quer ser como deus e ser fiel a todos que me amam. Pois sei, sou pouco, mas sou o consolo. Sou eu quem salvo aqueles que são o resto. O mundo é cheio de resto. Eu só quero um consolo... Sou pouca coisa, mas sou tudo que posso oferecer. Queria salvar o resto. Queria ser salva. Acho que o resto é feito para o resto. Deve ser isso. Dê a Cesar o que é de Cesar, dê aos feios o que é dos feios.
Thiago David
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Três Borboletas Brancas
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Num dia de chuva, enquanto um corpo à terra descia,
Três borboletas brancas, miúdas brincavam
No jardim sem lamentar pel’alma que ali não mais jazia
E as flores ao redor delas erguiam o lamento pela vida
Em que já não mais existia o sopro pujante
Que apaga a chama da efêmera vela.
As três borboletas brancas, miúdas ziguezagueando
Em meio às folhas pinceladas pelo vento
Procuram nas coloridas flores a seiva fecunda
Que a elas concede mais tempo.
Se o pranto oculta o dia que
As miúdas borboletas brancas não exaspera,
O crepúsculo da tumba revela a luz do caminho
Que o eterno bolor cordialmente espera
Pelo corpo adormecido sob o solo do jardim florido
Que acolhe as três borboletas brancas, miúdas,
E agora chega mais uma,
Só que esta é amarela.
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Glaucia Brum Carlos
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Glaucia Brum Carlos é aluna do curso de Produção Textual da PUC-Rio.
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quarta-feira, 13 de abril de 2011
cajado express (ou new key)
online
com o dedo
em riste
e rente/ na barra de espaço
no enter
no delete
e no deleite
da Serpente
#deusexiste
(e te cura
de repente)
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Álvaro Andrade
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Um poema de Tatiana Batista
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No seu chapéu, mel de malandro;
que dá o tom, no sol, blusa de brim.
Na batida da bateria, o tom do tamborim,
que encanta meu canto, num rodeio
de cerveja, malandro de botequim.
No seu chapéu zulu menino candango,
ladrão de coração, de choro e canção.
Encontra na graça de um galanteio
o seu jeito, sua raça, inspiração.
Menino malandro de chapéu de palha
vem como num samba, desfaz a falha
de não pertencer à mim.
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Tatiana Batista
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Balada dos dois amantes
Ela gritou o seu nome três vezes,
e o nome dele feriu o rosto do vento.
Foram amantes no hotel da esquina,
onde os meninos perdem a infância, e
a vaidade cerca até o mais velho dos homens.
Ela gritou o seu nome três vezes,
e o nome dele espantou as aves da praia.
Foram amantes às margens do Sena.
Nas ruínas da Cidade dos Mortos,
se amaram como os cães se amam;
foram cães, se amaram.
Ela gritou o seu nome três vezes,
e a noite sucumbiu, sem freios,
no fundo do mar,
e eles se amaram como peixe e sereia;
foram peixe e sereia, se amaram.
Ela gritou o seu nome três vezes, e
o Cristo Redentor ergueu os olhos,
vendo o céu pela primeira vez.
E eles se amaram, como homem e mulher;
foram homem e mulher, se amaram.
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Danilo Diógenes
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Danilo Diógenes já publicou diversos textos aqui no Blog do Bolha.
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terça-feira, 12 de abril de 2011
Excertos da imaginação
Bruna Maria
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CORREIO ELEGANTE
essas saudades de encostar a cabeça
no ombro
de algum
são saudades da minha própria
(ternura)
de um tempo de
torrões de açúcar
com remetente
e de extravios delicados
que no máximo adocavam a boca de outro
sem um alguém a receber ou enviar
limões
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Gabriela Bouzada
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Gabriela Bouzada é nossa leitora de Belo Horizonte.
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segunda-feira, 11 de abril de 2011
Família
O homem faz logo seu trampo - quer descansar.
A mulher cozinha o feijão (para o homem)
a menina sonha em ser feliz
o menino leu um livro e ri.
O homem já não tem pretensões
a mulher não sabe o que é isso
a menina nem pretende saber
o menino é pretensioso (pensa que sabe)
O homem não chora, não ri.
A mulher só chora, só ri
a menina não sabe se chora ou se ri
o menino caçoa do pai, da mãe, da irmã..
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Marcílio Tursi
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O furto do celular amarelo
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Olá,
Marta Marinho
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Pulsação
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Pulsa forte
Oh, Como pulsa!
Esse coração maroto
Cuja alma de garoto
Pula, corre, brinca e blefa.
Pulsa forte
E pulsa a vida,
Rotina corrida
De escola, bola e cama.
Pulsa os primeiros pêlos,
O pré-vestibular,
Os sonhos e a primeira faculdade.
Pulsa o campus e os trotes de verão.
Pulsa as festas, e da chapada, pulsa...
Pulsa jovem coração.
Do trabalho,
Família, namoro
O estresse não podia estar de fora.
E nesse pulso-atropelo de quem vive.
Pulsa médicos, remédios e o descanso.
Pulsa praia, o vai e vem das ondas.
Aquele afeto de quem ama e cuida.
Pulsa da esposa o carinho terno.
Pulsa o olhar. E do que é findável, também pulsa.
O como que de repente
Num demorar que não tarda.
O sussurro anuncia a velhice
E num último pulsar já riste
Pulsa feliz um tranco.
Como quem num pulo
Pulsa num gesto final-barranco.
Num impulso só, termina.
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Felipe Guimarães
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Felipe Guimarães cursa Letras na PUC-Rio.
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domingo, 10 de abril de 2011
Demaquilante
Para área dos olhos: enxergar melhor.
Para área dos dedos: escrever melhor.
Para área da boca: falar melhor.
Para área dos cabelos, do sangue, da literatura.
Demaquilante para o mundo.
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Liza Almeida
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O CANTO
ouço do canto dos pássaros
o sotaque do sul
o gosto tropical
e o drama bacana
da praia de copacabana
com mar-azul-carnal
e há uma nova onda vindo
que chega na ponta
bem de fininho
e atinge a sombra da alma
no balanço das águas
cálidas de mágoa
— os pássaros saíram do ninho
só para me fazer auscultar
o canto do corpo soprano
que prefere o céu
a mar.
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Yasmin Nariyoshi
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Yasmin Nariyoshi mora em São Paulo e é a nova descoberta poética do jornal Plástico Bolha.
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(ins)piração
a beleza é como algo sutil
entra pela janela da alma
abanando o rabo
deita e ocupa quase
a metade do travesseiro
— tem cheiro de tosa —
é como verme de ouvido
entrando no lugar errado
— esse lado do peito
tá ocupado? —
leva segundos para notar
que de repente você já está
cantando
de novo.
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Braulio Coelho
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sábado, 9 de abril de 2011
Meio dia
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Sua pele quente me queimou.
Entroncamento
É festa — vê — a luz
defronte. O entroncamento
aberto: é uma rua onde
passa um trem
de carga, que, às vezes,
engole
Danilo Diógenes
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Dois de novembro
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Procurava não chegar muito cedo, mas também não muito tarde. O ideal era entrar quando houvesse muitas pessoas na sala. Tentava passar despercebido. Vestia sempre um terno preto e agia com discrição. Evitava olhar os familiares nos olhos. Temia ser abordado. Quando isso acontecia, costumava dizer que era um amigo distante. E se faziam mais perguntas ele se calava, baixava os olhos e simulava choro. Pedia licença para ir ao banheiro e não voltava.
Na maioria das vezes ninguém o incomodava. Tinha total liberdade para se aproximar do caixão e observar com cuidado o morto. Desenvolveu uma memória fotográfica incrivelmente eficiente. Bastavam-lhe trinta segundos para registrar todos os detalhes do modelo: os traços do rosto disfarçados com maquiagem, as narinas preenchidas com chumaços de algodão, o cabelo penteado para o lado, os olhos fechados, a boca semiaberta. A roupa fúnebre varia pouco. Os homens vestem terno. As mulheres vêm de vestido, às vezes de tailleur.
Nunca ficava para os enterros. Voltava à casa ansioso para pegar o material de pintura. Com carvão, desenhava em poucos minutos o retrato do defunto na tela em branco. Depois, espalhava as tintas na paleta e passava uma tarde inteira pintando. Os mortos são os melhores modelos. Nunca se mexem. Até mesmo as paisagens se movem. Mas os mortos, não. Nem sequer respiram. São perfeitos.
Pintou centenas de defuntos. Guardava as telas no porão. Não as mostrava a ninguém. Nem mesmo aos amigos mais próximos. Tinha receio de que não entendessem. De que o denunciassem. De que o internassem em uma clínica psiquiátrica. Mas um dia tomou coragem e convidou um renomado crítico de arte à sua casa. Mostrou-lhe a coleção completa. Explicou seu método de trabalho. Contou-lhe as razões mais íntimas que o haviam levado a se especializar em retratos de defuntos. O crítico amou. Viu na sua frente um gênio. E uma oportunidade de fazer muito dinheiro também.
Marcaram a vernissage para o dia de finados. Em vez de uma galeria, reservaram uma capela num cemitério próximo. Mandaram convites para as famílias de todos os falecidos retratados. No grande dia, o obituário do principal jornal da cidade trazia um aviso com o nome do pintor convidando para a exposição.
Havia muita gente na capela. Os jornais se interessaram pela pauta e mandaram seus melhores jornalistas dos suplementos culturais. Vários outros artistas também estavam presentes, interessados em conhecer aquele novo expoente da cena de arte contemporânea da cidade. Entre os familiares dos modelos havia aqueles que estavam indignados. Um deles arrancou o quadro de seu parente da parede e levou-o embora. Outro, em protesto, jogou tinta vermelha em três quadros. As famílias de outros cinco defuntos compareceram acompanhadas de advogados e avisaram que entrariam com um processo por danos morais contra o pintor e o curador. Havia também muitos curiosos, funcionários do cemitério, agentes funerários e simples amantes da arte.
O pintor chegou depois de todo mundo. Veio dentro de um caixão. Estava vestido como um defunto, de terno. Tinha os olhos fechados, maquiagem no rosto, a boca semiaberta e chumaços de algodão no nariz. Parecia um morto de verdade. E era.
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Fernando Paiva
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Fernando Paiva é guitarrista da banda Luisa mandou um beijo, publicou um livro de contos pela 7Letras e mantém um blog de parágrafos-poesia.
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sexta-feira, 8 de abril de 2011
Dentaduras na vitrine
A velha cozinheira já colocou a comida na mesa;
Quase tão enrugada como ela;
Apoiada em sua bengala, vem mostrar
A esfera de labaredas, refletida no vidro
Do casarão.
— Adoro aqueles mosquitos que têm cheiro de
Mostarda, lambendo a minha torta de
Alcachofra!
Assim diz a caduca.
A dentadura cai e mostra aqueles
Jardins poderosos(agora inflamados).
Viraram cinzas.
Não sinto meu corpo como sentia quando
Assistia os céus psicodélicos de sábado;
As flores não caem mais no meu peito;
Se caem estão murchas.
A voz calou-se padecendo nas notas que
Valem uma vida inteira; voam pelas quatro
Estações débeis sem as asas que tocavam a
Lira esculpida nas claves dos venturosos
Filhos nativos nutridos de luares ínfimos
Que em frenesi nos arrebatavam.
Apenas mímicas perturbadas com efetivas
Bofetadas no pulso tombado e tolhido
Que não sangra. Apodrece!
E vai transformando-se em pó para ser
Levado para túmulos frígidos que
Servirão de palanque para ratos.
Fragmentos de intensidades excomungadas circulando
No meio-fio das pontes tatuadas por perucas
Amalucadas. Escorregaram nos fungos
Zangados, raivosos, não suportaram os
Traços dos arco-íris que saiam dos
Amplificadores embutidos em nossas artérias.
Ave que anda sobre as telhas, tu
Vens toda lânguida manhã enfrentar-nos
Com feitio bravio de pudores de um mundo
Que destila vinagre em penicos, para
Bebermos e depois pagarmos mais uma dose.
— Adoro aqueles mosquitos que têm cheiro de
Mostarda, lambendo a minha torta de
Alcachofra!
Assim diz as dentaduras colocadas na
Vitrine, aguardando sedentas os sedentários
Zumbis;
E elas riem das mímicas que fazemos
Nos túmulos frígidos.
Nada sangra, só apodrece!
André Siqueira
André Siqueira é nosso leitor de São Paulo.
BOEMIA
hoje a lua é verso
de loucos, de putas
e de poetas
hoje a lua é verso
prazer bêbado
regaço
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Luiz Otávio Oliani
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Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direito, conta de mais de 45 antologias literárias e já publicou mais de 300 textos em jornais e revistas alternativas.
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Chuva e Sol
Chuva e sol juntos em mormaço afetivo;
Ficam os pingos de leveza mais claros.
Minha paz declaro à linha do universo;
É isso que levanta meu amor.
Quem dera que tudo fosse claro como os
Pingos dessa tarde utópica.
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André Siqueira
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quinta-feira, 7 de abril de 2011
FUKUSHIMA - CRISE NUCLEAR
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Fabiano Mafia Baião
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Fabiano Mafia Baião já publicou diversos textos no Blog do Bolha.
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Janela
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quando quase tudo é cinza
fica difícil saber
se são seus olhos que colorem
os meus
ou se sou eu quem enxergo
o que não devia
na rotina da sua retina
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Yasmin Nariyoshi
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Traçado
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O pano que a agulha fura
Apura o desenho que a linha forma
Depois que ela mergulha com empenho
Em sua estrutura fina e retorna
E o caminho que a linha anda
Quisera alinhado, certinho,
Borbulha como água que ferve
Comandado pela espera que verve
Na cabeça míngua da agulha
Assim, melhor seria se
A linha que forma a figura,
Amarrada em toda sentença,
Não fosse também isca para o passado
Forte qual risca de bordado
Deixa sempre
O firme passo
De onde passou
Mas digo, sem dúvida,
Que se um fio da minha vida
Escapa vadio do tecido
E desatina a desmanchar a costura,
Principio novo a mesma tapa do puído
Da moldura ao ponto de nó.
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Eduardo Pascottini
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quarta-feira, 6 de abril de 2011
Lanterna sem luz
Dedico a quem queira consentir
de toda a minha alma partida
por meios deste curto discurso
uma série de palavras perdidas.
Amenas, serenas, pequenas
Rogo-lhe o silêncio quando pedires
e também a balbúrdia se assim quiser
Para que quando assim agires,
tirar esse azedo do rosto, mulher
Sigo lhe em busca da lanterna
da luz dos segundos infinitos
Abro os olhos logo, mas em vão
Ajoelho-me e então me deito
a dança profunda logo indica
Estou só
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Anderson Estevan é nosso leitor de São Paulo e escreveu o livro Cores Primárias.
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Cidade Cítrica
Um poeta rasgaria esses interiores
Um deles
desidrata suas entranhas
desperdiçando seu êxtase
pelas ruazinhas
desertas de gênios
...........Ou de belezaO apático passeio desse símio sutil
opera delírio
nas desvias dos nomes
das coisas
esse ladino calculando um balão de lambreta
na paleta das cores que os comuns
pintam a ordem dos dias ordinários
não especula expansão
simplesmente ele
estica a perna do
...........................................“é” (ex.)
e a engancha num hidrante da
Gávea.
Desenrola o corpo da letra pela Jardim Botânico
.............................................................................Humaitá
........................................................................................Botafogo
...................................................................................................Catete
.............................................................................Lapa
....................................................................................Lá
esse lúcifer
e deixa que a mola da letra
destrua o resto
(a letra “é” (ex.))
um ajuntamento
juntado nesse jetè
Dali,
de coisas desimportantes
na calçada transbordada
esse Chacal
de tanta alegoria
ele debulhou mais um diaàs vistas
haja ventilador na maresia.
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