o fim tão perto
clitóris ereto
afana e ufana
belezas dúbias
amar a morfina
ou a dor desatada
cândido no sufoco
poema de um louco
Rodrigo de Souza Leão
terça-feira, 30 de abril de 2024
Poema louco
segunda-feira, 29 de abril de 2024
domingo, 28 de abril de 2024
Um poema de Thais Vicente
isso está fora de moda
bom é ser o comedor
tudo se resume a foda
Thais Vicente
sábado, 27 de abril de 2024
sexta-feira, 26 de abril de 2024
Entrevista: Lorena Pimenta, atravessamentos pela palavra
Lorena Pimenta, autora afro-brasileira de 31 anos, é formada em produção audiovisual. Publicou, em 2017, o livro de contos Juro, foi quase amor, pela Editora Transversal, e participou da coletânea Chorar de alegria, publicada pela Globo Livros. Carioca, canceriana e aberta a tudo o que a vida tem a oferecer. Gosta de observar o mundo e retratá-lo com poesia em suas histórias e textos. Nesta conversa com o Plástico Bolha, ela nos conta um pouco sobre a sua relação com a leitura e a escrita.
1) Como a literatura entrou em sua vida e como você se relaciona com ela hoje?
A literatura entrou na minha vida ainda criança quando uma vizinha, professora, me presenteou com um livro no meu aniversário. Na dedicatória escreveu que desejava que a leitura se tornasse parte indispensável da minha vida. Anos depois, emocionada, ela chorava na fila de lançamento da minha primeira obra — Juro, foi quase amor. O livro que ela me deu foi Os cavaleiros da távola redonda. Me conectei especialmente ao contexto de amores impossíveis. Aquilo me inspirou de alguma forma. Me trouxe identificação, adrenalina, paixão. De lá para cá, eu deveria ter uns 9 anos de idade, não parei mais de ler. A literatura, daquele tempo até hoje, é o modo que encontro de me entender e mergulhar no mundo. É como mapeio meu coração e dou nome aos meus sentimentos para vivê-los melhor. Muitas vezes, amadureço enquanto ser humano nas entrelinhas das obras. Aprendo com os personagens. Permito que os livros me leiam mais do que eu os leio. A literatura é uma cavidade do meu coração.
2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se poeta ou torna-se poeta?
Acredito que a poesia está em todos, mas alguns decidem vivê-la. Falo da poesia da vida como um todo. Agora, enquanto profissão, é preciso muito mais que inclinação, dom. É preciso dedicação, estudo e disciplina. É preciso insistir e evoluir enquanto autor. Além de aprender sobre o mercado como um todo. Dizem por aí que escrever um livro é sempre mais fácil do que vendê-lo.
3) Sendo uma profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser uma “leitora amadora”? Há um botão de liga/desliga?
Ao trabalhar com livros, é impossível lê-los e não fazer determinadas análises ou pausar a leitura algumas vezes para anotar inspirações ou impressões sobre técnicas. Contudo, isso não impede que eu aproveite a obra como um todo e me entretenha com ela. Acho que é complementar. Talvez eu tenha aprendido a ler melhor ao escrever. São processos entrelaçados.
4) Você consegue separar a sua obra da sua vida? ou vice-versa? Fale um pouco sobre a sua relação de vida e obra, se elas se interligam para você ou não.
Minhas obras se interligam com minha vida por diversos motivos. Um deles é o recorte de ser uma mulher negra, lgbt+, por exemplo. Minha perspectiva sobre amor e outros sentimentos acabam tendo esse atravessamento. Assim como a construção de textos e personagens (estou trabalhando num romance agora). E na hora de compor determinados aspectos, por mais diferentes que tenham sido da realidade, não deixo de beber na fonte dos sentimentos que já experienciei ou tenho ânsia (ou medo) de experienciar.
5) Qual sua obra literária favorita?
Pergunta difícil. A mais difícil até agora (risos). Tenho algumas obras. É quase uma traição citar apenas uma. Então, deixarei três: Hibisco Roxo, de Chimamanda [Ngozi Adichie], Caderno de um ausente, de [João Anzanello] Carrascoza; e A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe.
6) Lorena, sabemos do seu lindo trabalho na coletânea Chorar de alegria. Você pode nos dizer qual é o seu texto favorito do livro e por quê? Como foi escrevê-lo? O que te inspirou? E como você olha para o texto hoje em dia?
“Quando o mar virou gente”. É um texto que me traz nostalgia. Tem paixão, mas, ao mesmo tempo, é dolorido. É a descrição do processo de reconhecer o fim, o desamor e nomear sentimentos. Escrevi numa tacada só, com o peito transbordando. Foi como correr e colocar lágrimas no mundo através do suor. Me inspirei numa antiga paixão. Olho com alívio por estar vivendo um amor saudável, calmo e gostoso. E também com alegria por ter evoluído tecnicamente, mas, ainda assim, ter muito carinho por tudo o que foi escrito ali.
7) O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?
Terminei de ler Nunca vi a chuva, do Stefano Volp, e estou no finalzinho de O quarto de Giovanni, do James Baldwin. Não sei se indicaria um livro em específico para o momento atual, mas diria para as pessoas ficarem ligadas no trabalho dos autores que estão surgindo. É importante ler clássicos, mas também é importante dar valor ao que está nascendo agora. Acredito que todo autor traz certo retrato de sua geração. E, é claro, complementaria dizendo para buscarem diversidade nas leituras. Leiam autores negros, indígenas, lgbt+. Leiam mais mulheres. Leiam mais autores latinos. Gastem realmente um tempinho na busca do que pode interessá-los em vez de seguirem sempre pelo mesmo caminho.
8) A literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua própria escrita?
Acho interessante encontrar um meio termo. Trazer temas atuais, orientar pessoas, trazer à tona problemas sociais, mas com leveza e humanidade para que gere empatia. Assim como colocar respiros dentro das obras. Acredito que a empatia possui um poder imenso de chocar pessoas. De fazê-las pensar e mudar de um jeito mais intenso e rápido. Não existe apenas um jeito de contar determinadas histórias, sabe? O que tenho visto agora no trabalho da maior parte dos novos autores negros é justamente isso. Abordar temas importantes sem excluir outros aspectos que são tão comuns à vida de todos. Tenho buscado esse caminho no meu atual trabalho, que está em andamento.
9) Quais as qualidades de um bom leitor?
quinta-feira, 25 de abril de 2024
Avarandado, de Matilde Campilho
Quarta nota para
Não garante nada mais
Do que as 12 graças
Desdobradas pelos
Corredores do mundo
Agora isso é mais
Do que suficiente
E apesar dos bofetões
Do tempo invertido
Apesar das visitas
Breves do pavor
A beleza é tudo
O que permanece
Matilde Campilho
quarta-feira, 24 de abril de 2024
terça-feira, 23 de abril de 2024
para um homem comum
amanhece na sexta da paixão
e uma prece me ocorre everyman
tão doce uma fissura uma aflição
à la philip roth à la saul bellow
quantos anos mais tola fixação
fraca fístola de rimas incompletas
e manuais de poesia obsoleta
com poemas do ordinário do amor
percebe ter ido embora a paixão
sem nem ao menos vc me dizer
eu te amo mas não vingou
acontece pode acontecer tchau
vc partiu e o tempo parou
vc voltou e o tempo se suspendeu
meu ex-amigo meu ex-amante
meu everyman meu judas judeu
Larissa Lins
segunda-feira, 22 de abril de 2024
Um poema de André Capilé
para o búfalo
André Capilé
domingo, 21 de abril de 2024
Evangelho segundo o pecador
me quero aberta em cálice e vinho e pão
fenda rasgada de ritos
hábito deitado à fogueira
onde abrasam as peles recém-expostas
a carne viva pulsa porque viva
porque crua porque fera e primeira mulher
serpente e desfrute
me quero imersa corpo inteiro no indevido
lambendo o caminho desviado
com a mesma língua
dos cânticos
o sacro e o santo
molhados da espera
com a sede dos abstêmios
e dos crédulos em desgraça
e eu graal sacrílego
estou nua e disso não me envergonho
Milena Martins Moura
sábado, 20 de abril de 2024
UMA APRENDIZAGEM TRANSCULTURAL NOS CADERNOS DE GUIMARÃES ROSA, de Marília Rothier
sexta-feira, 19 de abril de 2024
Entrevista: Paulo Henriques Britto, o notório saber da palavra
1) Como a literatura entrou em sua vida e como você se relaciona com ela hoje?
Desde os seis anos de idade sou um leitor compulsivo. A partir dos 22, quando comecei a traduzir, percebi que a literatura ia ser também o meu trabalho; essa consciência se reforçou ainda mais quando, depois de fazer mestrado em linguística, comecei a pesquisar e ensinar poesia e tradução de poesia.
2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se poeta ou torna-se poeta?
Como em qualquer outro tipo de trabalho, a pessoa deve ter uma disposição inicial para a poesia — amor às palavras, algum talento — e muita dedicação: ler, ler muito, ler muitíssimo, e escrever constantemente. Sem trabalho, ninguém se torna poeta — nem músico, nem pintor, nem matemático, nem coisa nenhuma.
3) Sendo um profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você̂ consegue ser um “leitor amador”? Há um botão de liga/desliga?
Muito difícil desligar esse botão. Claro que, quando estou mergulhado num romance, há momentos em que sou apenas um leitor, mas a qualquer instante posso me deparar com uma passagem que desperte uma série de considerações — para usar a sua palavra — profissionais. O mesmo se dá com um poema. Quando leio versos que me empolgam, há um momento de pura entrega, mas logo em seguida sinto a necessidade de entender por que motivo o poema me afetou tanto; e aí faço uma análise formal e semântica, e invariavelmente descubro onde reside a causa do impacto do texto.
4) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação?
Sim e não. Sim, porque a qualquer momento você pode ter um impulso de escrever, uma ideia, uma motivação concreta, com origem por vezes numa atividade cotidiana; qualquer ocorrência na sua vida pode vir e ser utilizada na sua produção artística. Mas ninguém passa vinte e quatro horas vivendo em estado de imersão artística; há momentos que são vividos apenas como tais, e não como material para elaboração artística. Ninguém? Bem, talvez haja alguns artistas assim, principalmente entre os músicos; mas imagino que sejam componentes de uma minoria.
5) Quais os livros fundamentais para a sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?
São perguntas que eu levaria dias para responder! Vou ter que ser muito sucinto. Na área de poesia, os poetas que mais me marcaram foram, num primeiro momento, alguns poetas de língua inglesa que li por volta dos onze, doze anos, quando morava nos Estados Unidos: Shakespeare, Whitman, Poe, Dickinson. Quando voltei para o Brasil, descobri Pessoa, e pouco depois Bandeira e Drummond; em torno dos vinte e poucos anos, fui muito marcado pela leitura de Wallace Stevens e Cabral, e um pouco depois por Kaváfis. Esses são apenas alguns dos mais importantes para a minha formação. No momento, estou lendo o livro mais recente da crítica de poesia norte-americana Marjorie Perloff, Infrathin: an experiment in micropoetics. Quanto a leituras indicadas para o momento atual, isso vai depender do interesse de cada um. De novo, para ficar na área de poesia, vou citar apenas dois ou três nomes de poetas brasileiros contemporâneos que venho acompanhando de perto: Edimilson de Almeida Pereira, André Capilé e Claudia Roquette-Pinto.
6) A literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua própria escrita?
A meu ver, a boa literatura nos obriga a enfrentar de modo mais direto a realidade, com tudo o que nela há de complexo e mesmo duro. A literatura nos faz tomar consciência da condição mortal, entre muitas outras coisas. Na minha escrita, estou sempre tentando entender em que lugar estou, tentando dar sentido às minhas vivências, mesmo quando escrevo coisas que estão longe de ser autobiográficas.
7) Todos já fizeram poemas algum dia, em geral na juventude. Você escreve poesia já há muitas décadas. O que te faz permanecer poeta?
A leitura e a escrita constantes, e a vontade — por vezes necessidade — de escrever.
8) “Traduttore, traditore". A tradução é, necessariamente, fadada à imprecisão?
É possível pôr ao mundo uma tradução isenta de marcas pessoais e infidelidades à obra original? De novo, uma pergunta muito ampla, que não vou ter espaço para desenvolver aqui. De modo geral, o que posso dizer é que nenhuma tradução é exata, mas isso não é um problema específico da tradução, e sim de toda e qualquer intervenção humana. Não há traduções perfeitas pelo mesmo motivo que não há tratamentos médicos que garantam saúde perfeita e imortalidade, nem engenharia do trânsito perfeita que acabe com os engarrafamentos em caráter definitivo. Do mesmo modo, toda tradução guarda marcas pessoais do tradutor, mas isso não é uma característica exclusiva da tradução: é impossível realizar praticamente qualquer atividade sem algum viés, alguma marca pessoal. As limitações da tradução são reais, tal como são as de qualquer outro empreendimento humano.
9) Como está sendo a experiência de ser avô? Isso influencia de algum modo sua produção?
Creio que a única influência direta é que tem me levado a escrever narrativas que eu possa ler para meus netos.
Esta entrevista foi realizada como parte das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato.
quinta-feira, 18 de abril de 2024
quarta-feira, 17 de abril de 2024
Horizonte de eventos
No vértice do fulgor
o ouro que flameja
e não parece invocar
com este lance nada,
nem uma careta rotunda
nem um sobressalto.
terça-feira, 16 de abril de 2024
ILUSÃO, um tango de Edgardo Zuain
histórias sem avesso que inventa a ilusão,
os tempos que vivemos, as máscaras do mundo
e as saudades antigas de um louco coração
você saberá do que lhe estou falando
eu semeei com palavras as várzeas da paixão
mas o vento que avança, arrasta o que encontra
e a vida que é mudança se deixa levar
refrão
solidão rio longínquo que não deixa de passar
minha dor um navio que se afunda na distância
meu amor uma praia que se escapa do seu mar
o destino quis cruzar os nossos caminhos
animou minha esperança como o cheiro de uma flor
procurei sua beleza em todos os sentidos
mas fiquei como um pássaro pairando no ar
um dia eu pedi o que não tinha existido
o que pede qualquer homem com vontade de querer
uma casa-companheira para me encher de vida
e uma mulher formosa para se deixar querer
refrão
solidão rio longo que não deixa de passar
minha dor um navio que se afunda na distância
meu amor uma praia que se escapa do seu mar
Edgardo Zuain
Se você gostou da letra do tango, Ouça aqui a canção.
segunda-feira, 15 de abril de 2024
domingo, 14 de abril de 2024
De crise em crise
E a estética da crise
É moralista
A crise é poética
E o poeta da crise
É um fascista
De crise em crise
De passo em passo
De grão em grão
Mais um deslize
Sigo em cansaço
Na contra mão
Felipe Fernandes
sábado, 13 de abril de 2024
Um poema de Clara de Góes
Não falo mais nos jardins
dos Finzi-Contini, não penso
na Gestapo, nas Marchas para a Morte,
no terror vermelho, nos massacres da Bósnia
ou de Ruanda. Os campos de refugiados
palestinos são uma questão de foro íntimo.
Por falar nisso, fodam-se os arquivos da ditadura.
Cansei de gente. Declino da espécie.
Clara Góes
sexta-feira, 12 de abril de 2024
Entrevista: Ana Chiara, entre leituras e memórias
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Dizer: fazer — poema de Octavio Paz, traduzido por Eduardo Jardim
1.
Entre o que vejo e digo,
entre o que digo e calo,
entre o que calo e sonho,
entre o que sonho e esqueço,
a poesia.
Desliza
entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer
É um fazer
que é um dizer.
A poesia
se diz e se ouve:
é real.
E logo que digo
é real
se dissipa.
Assim é mais real?
2.
Ideia palpável,
palavra
impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e os destece.
A poesia
semeia olhos na página,
semeia palavras nos olhos.
Os olhos falam,
as palavras olham,
os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos
tocar
o corpo da ideia.
Os olhos
se fecham,
as palavras se abrem.
Octavio Paz, traduzido por Eduardo Jardim
quarta-feira, 10 de abril de 2024
A rosa que exala o dia
a rosa
que exala o dia
ignora
a hérnia
a cárie
a carne fria.
a rosa
que exala o dia
é uma aliança
entre
o mormaço
e a alforria.
e escoa
e urina
sobre o passado
e mira
e relincha
em cima
dos telhados.
feito dama-da-noite
seu aroma
invade tudo.
Rogério Batalha
terça-feira, 9 de abril de 2024
Derradeiros ou exordiais
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Big Bang
domingo, 7 de abril de 2024
Lobotomizam
o lobo
limbo
lindo
que
embala
o rabo
bobo
do próprio
estorvo
camufla
espantalhos
Rodrigo de Souza Leão
sábado, 6 de abril de 2024
Coda, um poema de Paulo Heriques Britto
Toda vida é provisória,
todo poema é fragmento.
Cada dia, cada hora,
cada verso é só um momento
de alguma totalidade
que você sequer concebe.
Viva e escreva e não se abale.
Você não é o que você escreve.
Paulo Henriques Britto
sexta-feira, 5 de abril de 2024
sereia
minha musa
troiana-lusa
num disse me disse
falam que, tão linda,
jogou o pomo
para Afrodite
minha musa
é atenta e sapiente…
daí, há quem pense
que, sem pena,
jogou o pomo
para Atena
minha musa
é sincera, é austera
(o amor como ele era)
vai, fala logo, eu sei:
jogou o pomo
para Hera
Lucas Viriato
quinta-feira, 4 de abril de 2024
Gambiarras
restam gambiarras.
a vida crua e cítrica
e a ferrugem das horas
sob as inquietações dos dias.
a vida hoje e sempre:
gambiarras.
o trem de ferro
os descampados
as folhas secas do quintal
e o papel de embrulho
que envolve as manhãs
do povo indo para o trabalho.
Rogério Batalha
quarta-feira, 3 de abril de 2024
Percebendo Marguerite
Percebendo agora, essas paredes brancas foram um engano
Você me olha da porta com desinteresse e diz que discorda
Marguerite Duras me olha da cama e diz que concorda
Marguerite é qualquer coisa menos dura:
Diz, com ternura, “foi um engano”
Satisfeita, puxo o livro, sopro a poeira
Leio alto, com postura, curiosa e empolgada
Vejo luzes fraquejando, roupas adornadas e um lenço pendendo do [teto
Mapas enquadrados, cidades inflamadas e corpos recém descobertos
Na parede está a bomba (como um cogumelo)
Caindo sobre o quarto (atmosfera de encanto mesmo ao som dos seus [protestos)
Eu sei que você está odiando
Porque sua cara evidencia o quanto tudo é ordinário
E revela, sem sutilezas, a nudez do meu palco
Ainda tenho Hiroshima às minhas mãos
Tenho Marguerite me encarando e você claramente enfadado
“Hiroshima é super trágico”
Dou tudo de mim (estou encenando)
Dou tudo de mim e ainda assim
A plateia pode estragar o espetáculo Paula Reis Vianna
terça-feira, 2 de abril de 2024
o verme, de Gabriel Silveira
ando na rua com passos em ritmo
de fuga
atentos ao primeiro sinal
ao primeiro estrondo de
algo que já é
banal.
procuro por portas abertas em cada esquina,
por frestas para ir quando o bicho pegar.
ele tem duas patas e um olhar odiento
é verme que rasteja na caveira
com rodas enquanto a fumaça se espalha pelo ar.
deixa no solo pegadas rubras e de preto zomba
do luto
de feridas que não cabem em números
do irmão do outro lado do muro.
crânio acéfalo de faca em riste
que rasga um país
ao meio.
Gabriel Silveira