Artista! Oh, curioso, faminto de mundo! Eterno insatisfeito. Rebelde contra o destino fatal das possibilidades transitórias e limitadas do humano.
És um louco que se recusa a ser esmagado pelo cotidiano enfadonho e teima em rasgar o tecido da realidade. Mergulhador fáustico que só se contenta quando atinge as profundezas abissais daquela extasiante perda dionisíaca de si mesmo.
Antítese ambulante, por que insistes em domar a realidade? Por que crias aquela outra “realidade”, para além dos sentidos, tão verdadeira quanto teus sonhos? O mundo real não te basta?
Paradoxo invencível, como haveremos de definir-te?
Talvez o epíteto de “teimoso incorrigível” lhe caiba, por ora. Prometeu desvairado, que mesmo sob a ameaça (terrível) de grilhões, abutres e dores lacerantes, ousa descortinar e gritar a grandeza gloriosa da raça humana.
Serás tu ainda aquele mágico primordial, feiticeiro, pajé, xamã; sacerdote que conduzia a tribo primitiva por um mundo (sur-)real ainda inexplorado?
Bendito sejas tu, primeiro caçador a se disfarçar, assumindo a aparência de um animal para escrever o ritual da caça. Bendito sejas tu, primeiro homem da idade da pedra, a assinalar um instrumento com uma marca, com um ornamento, com um símbolo. Bendito sejas tu, místico primevo, que, entre sacrifícios e rituais de encantamento, deslumbrado e fascinado, ousou dar sentido a tudo que o cercava, ordenando o caos.
Artista! Mesmo que não possamos mais evocar (ou invocar) o (Sara)mago daquela primitiva sociedade tribal (será?), ainda assim tu és o porta voz de toda a coletividade pois, quando crias, és servidor.
Abandona, em êxtase, o teu ego para ser eco de uma experiência maior. Apropria-te da máscara coletiva que traz à lume aquele inconsciente comum a todos nós e dá voz a toda uma raça. A raça humana.
Artista: eis aí seu munus publico, sua missão social.
Talvez a única definição que me resta é aquela que repousa no famigerado vocábulo grego pharmakon. Palavra ambígua que encerra um invencível paradoxo, exatamente como tu artista, que te negas, peremptoriamente, a deixar-te abarcar por invólucros, rótulos ou definições (que só fazem limitar, dar um fim...).
PHARMAKON!
Simultaneamente antídoto e veneno. Eis aí toda a equivocidade do humano. É nessa corda bamba, entre causa da doença e cura, entre droga benéfica ou maléfica, que certamente te encontrarei, eterno equilibrista que cambaleias entre o real e a ficção.
Artista! És Fausto; és bode expiatório. Vítima sacrificial, salvador e perdição; médico e portador da moléstia (humana, demasiadamente humana...) do desejo de transcender.
Faze teu ritual medicinal; que sejas, agora e sempre, o nosso remédio contra uma vida medíocre.
Vai, incorrigível romântico! Estanca a ferida do átimo que foge e escreve nela a tua obra imorredoura! Concede importância ao comum. Torna desconhecido o familiar. Confere mistério ao corriqueiro. Dá sentido ao absurdo.
Alquimista tresloucado! Transforma o físico em metafísico e assim (só assim!), rouba a centelha mágica e nos conceda, diante de tudo que é mortal, aquela singela parcela do infinito... aquela que nos cabe por direito.
Vittorio di Salerno
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Vittorio di Salerno é aluno do curso de Artes Cênicas da PUC-Rio
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