Para Jorge
Hausen
A silhueta
sobre a pedra mais próxima do mar, imóvel e solitária, segurava apenas uma vara
de pesca. Um pedaço de nuvem se desgrudou do céu e pairou pela atmosfera. A
leve brisa acompanhava a dança nebulosa e o balançar das folhas das árvores
preenchia o silêncio. O oceano sem horizonte visível comportava-se como um
espelho. Suspirou. Tinha os ombros curvados e caídos e, como um borrão de tinta
ao acaso, desmanchava-se numa chuva fina e quase inexistente. Segurava um bambu
que seguia a curva de seu corpo, uma linha gasta até a água e, por fim, uma
isca mergulhada, um pequeno ponto luminoso para que não a perdesse. Enquanto o
pequeno objeto oscilava na água gelada, sentou-se por alguns minutos; suas mãos
doíam e os olhos buscavam um pouco de repouso. O mar era feito de incertezas.
Quando abriu
os olhos, a claridade o cegou por alguns segundos: a vara inclinava-se na
direção do mar acinzentado. Era vivo, muito mais forte do que podia imaginar, e
debatia-se desesperadamente ainda dentro d’água. A linha era resistente, feita
exatamente para peixes grandes como aquele parecia ser. A superfície da água
antes calma agitava-se e, puxando com toda sua força, sentiu uma pontada de dor
dentro de seu corpo. Puxou um pouco mais e seu estômago embrulhou-se. Sentiu a
mente menos lúcida; quanto menor era o pedaço de linha oferecido, mais sua
cabeça latejava. Fisgar e arrancar aquilo do mar era como encontrar e extrair
de dentro de si a mesma dor de um anzol que deixa um gosto metálico na boca. A
mesma dor da ponta afiada cortando e rasgando uma pele frágil e aflita.
Quanto mais
puxava, mais doía. Deixou correr, então, um ou dois metros de linha e algumas
palavras lhe vieram à mente. Passou a linha por trás das costas e puxou mais
uma vez. Sentiu cãibras nos braços e o nylon começou a cortar sua pele já
fraca. Queria ver, queria tocar no que lhe roubava as forças. Continuou
puxando, mas se sentia cada vez mais tonto e agoniado. Os ombros pesavam, a
visão já meio turva, centenas de palavras lhe vinham à mente e cada vez
sentia-se mais fraco. Doía a cabeça, mas continuou puxando com as duas mãos.
Pôde ver o fim da linha chegando a superfície, o anzol quase para fora e soube
que só lhe restava mais uma puxada, a última, e conseguiria. Puxou. Arregalou
os olhos, assustado, já sem fazer força alguma, os braços soltos alinhados ao
corpo, os ombros ainda mais curvados, a mente absolutamente confusa, os pés
paralelos e o joelho que mal conseguia aguentar seu próprio peso.
Sentia-se
vazio guardando a produção do dia dentro da sacola sem cor, que deixou para
trás quando resolveu ir embora. Seguiu para a pista que o levaria para casa e
não ouviu nem o som de seus passos. O vento já não balançava as folhas das
árvores e nada preenchia o silêncio. Não pôde continuar. Voltou para as pedras,
sentou e pegou no pedaço de pano com as duas mãos. Ouve sua barriga roncar um
eco vazio e tenta devolver, sem mastigar, palavras que arrancara de si mesmo.
Rasga pedaços de pano sem cor, os engole junto, a saliva com gosto metálico
desliza e penetra pela mistura pegajosa de sentido, cheiro espesso de sal,
escamas, algas, corais, medusas, cor branca de rima, susto e carapicu. Cospe
tudo no chão. É azedo demais.
Laura Chaloub
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