O homem
aguardava paciente. Ele apreciava absorto o silêncio da escuridão noturna e se
deleitava com a antecipação dos prazeres que ela lhe reservava. De vez em
quando, deixava seu corpo fugir ao controle e se retorcia de prazer diante dos
pensamentos que invadiam a mente - não as lembranças de todas as outras vezes
em que tinha feito isso, e sim a fantasia de como seria a próxima. Era sempre a
próxima que importava, porque ela renovava o ritual, dava-lhe novo fôlego.
Eram quinze
para as onze. A essa hora, seu Floriano, o único vizinho, já estava dormindo. A
esposa acabara de ligar para avisar que já havia chegado ao aeroporto. Dali a
algumas horas, embarcaria no voo e estaria de volta em casa. Mas ele não tinha
pressa, sabia que estava no controle. E essa capacidade de brincar com a
ignorância alheia só o excitava ainda mais. Não pararia nem que quisesse, nem
que pudesse. O gozo da onisciência não permitia. Nem o amor pela filha.
Às onze em
ponto, a campainha tocou. A moça estava adiantada. Ele se levantou calmamente
da poltrona onde estava e foi até a porta. Uma ruiva em trajes mínimos o
esperava do lado de fora. A semelhança era inegável, de fato, mas ainda não era
ela. Não com aquela roupa de vagabunda, batom vermelho e cabelo bagunçado. Não
com aquele sorriso lascivo e olhos fogosos. A garota precisava ser preparada.
Antes que ela pudesse falar qualquer coisa idiota e desperdiçar o tempo dos
dois, ele a puxou para dentro, ríspido. Odiava esse primeiro momento em que
todas achavam que eram muito sexy e, soberbas, se consideravam ingenuamente
capazes de realizar todos os seus desejos, experientes como eram. Não
realizariam nem metade e, se ainda assim ele as contratava, não era porque se
sentia atraído por quem elas eram – na verdade, delas não sentia nada além de
nojo -, e sim por quem elas poderiam ser. A pessoa que elas lembravam.
Sem lhe dizer
sequer uma palavra, fez sinal para que o seguisse e a levou até o quarto da
filha. Camisola, calcinha e presilha já haviam sido delicadamente colocadas em
cima da cama horas antes. Apontando para elas, ordenou que a menina as vestisse
e depois o encontrasse na sala. Deixou-a. Foi até o quarto, pegou algodão,
papel escortex e o removedor de maquiagem da esposa e sentou-se novamente na
velha poltrona da sala. Onze e dez.
Pouco tempo
depois, a garota apareceu. A camisola translúcida deixava transparecer seu
corpo pálido e fraco, e, durante algum tempo, o homem se limitou a observá-lo
de longe. Ele precisava perceber e corrigir cada imperfeição para que nada
estragasse o seu momento. Por vezes, essa primeira fase, de análise e exame,
podia ser não só extenuante, mas também frustrante. Ele sabia muito bem o que
via, não era louco: elas não eram Ela. Ninguém jamais seria, tampouco ele o queria.
Porém, já que ela tinha ido embora, que mais poderia fazer além de se contentar
com parcos simulacros? Que mais lhe restava além da esperança de satisfazer,
ainda que mal, seu desejo insaciável de possuí-la e, depois, naturalmente,
extirpar o pecado pela morte? Ele já não tinha opção. Se não continuasse o
ritual, se não vivesse e revivesse, ano após ano, aquela noite derradeira, não
teria qualquer razão para existir. O desejo, a culpa e o prazer mórbido e fugaz
que advinha dessa mistura masoquista dos dois eram o seu combustível. Ela não
precisava estar viva para que ele a amasse e, principalmente, não precisava
estar viva para que ele dela desfrutasse. Embora, às vezes, fosse fustigado por
uma saudade lancinante, sabia que jamais teria coragem de tomá-la em seus
braços e dominá-la como fazia com todas as outras e, por isso, preferia-a morta
como estava. Intolerável seria olhá-la todos os dias se aproximando cada vez
mais de homens desconhecidos, que nada tinham a lhe oferecer, e fingir que o
que sentia era apenas um ciúme paternal; e não amor, amor carnal. Não vontade
de jogá-la na cama e torná-la mais ainda dele, mais do que já era. Portanto,
por mais que elas não fossem Ela, serviam, precisamente porque eram só
disfarces, ilusão. E se ele as consertasse e, depois, tirasse os óculos,
funcionariam adequadamente.
Desta vez,
teria menos trabalho: o corpo da garota era bem parecido com o de sua filha e a
depilação íntima havia sido feita exatamente de acordo com o que ele pedira
semanas antes. Os seios realmente eram um pouco maiores do que esperado, a
altura também, porém nada muito relevante. De repente, ele enxergou o maior
problema: o rosto. Aquela maquiagem nojenta de rameira punha tudo a perder, não
só porque denunciava a realidade, mas, principalmente, porque blasfemava contra
a memória de sua amada filha, pura e maculada somente por ele mesmo. Furioso
diante da afronta, avançou sobre a garota e a encurralou em um canto escuro -
não aguentava ver aquele sacrilégio -, esfregando o papel em sua boca com toda
a força que tinha. Quanto mais batom saía, mais prazer ele sentia. Ainda no
escuro, pegou o algodão e o removedor e começou a limpá-la, regozijando-se a
cada segundo. Aquele era o momento em que as vadias sumiam e sua filha, sua
querida filha, voltava à vida e, encarnada naqueles corpos vãos, deixava-se
possuir pelo amado pai. Era o momento em que ela manifestava todo o seu amor e
coragem e se entregava a ele, de bom grado. Algo tão vazio e comum como a morte
não atrapalharia isso: ela sempre pertenceria a ele, carnal ou espiritualmente.
Eram onze e vinte. Quando terminou de limpá-la e tirou os óculos, seus olhos
brilharam. Finalmente, era Ela que estava ali, pronta para ser dominada.
Deu-lhe um beijo suave e cálido e começou:
— Que saudades
de você, meu anjo... Você sabe como eu espero por esse momento, ano após ano. O
dia em que você volta para mim...
Como não sabia
o que fazer, a garota continuou calada.
— Você deve
estar exausta, foi um dia longo, não? Deixa que o papai te coloca na cama.
Emocionado,
ele a pegou pela mão e a levou novamente até o quarto. Deitou-a na cama,
cobriu-a com o cobertor preferido da filha, e deu-lhe um beijo de boa noite na
testa.
— Tenha bons
sonhos, meu amor.
Saiu do quarto
e fechou a porta. Onze e meia. Ele vestia exatamente o que vestia na noite em
que a filha tinha morrido. Desde então, só isso o consolava. Esperou algum
tempo até ela dormir e, quando achou que já havia se passado o suficiente,
entrou sorrateiramente no cômodo, intacto desde a morte da filha. Venerou-a lá
deitada, inocente e desprevenida. Andou calmamente até a cama e passou a mão
pelo seu corpo, beijando-o lentamente. Encantado demais para se controlar,
entregou-se à arte de reviver tudo aquilo que, durante certo tempo, tolamente
tentou esquecer. Deitou-se em cima dela, colocou as mãos sobre sua boca,
exatamente como havia feito cinco anos atrás, abriu a calça e se entregou à
paixão. A garota acordou e, atendo-se ao teatro pelo qual havia sido paga,
fingiu estar atordoada e, logo em seguida, aterrorizada. Começou a se debater e
a tentar gritar, porém ele a possuía com cada vez mais força e urrava de
prazer. Prazer e dor, prazer e vergonha, prazer e culpa.
Tão logo
gozou, olhou para baixo e viu, enfim viu, sua própria filha, aquela mesma que
ele ninou, acariciou e levou para escola tantas vezes. Aquela menina que agora
o encarava em pânico e escondia suas lágrimas, desejando nunca ter acordado
para viver na ilusão de que aquilo havia sido apenas um terrível pesadelo.
Tomado pela vergonha, quis poupá-la. Pedindo perdão, colocou as mãos em seu
pescoço e estrangulou-a. Ele não a merecia e nem ela merecia aquilo. Portanto,
para livrá-la do mal, precisava fazer esse sacrifício e dar-lhe paz.
Estrangulou-a por amor e, enquanto o fazia, entre lágrimas e espasmos, reiterava:
— Não se
preocupe, meu anjo. Papai está com você. Sempre vai estar.
À meia-noite,
ela morreu. A prostituta e a filha.
Bruna Karyne Romeu Fernandez Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário