segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Do desejo feminino


"Um dia um sujeito disse:
"Cidadão é aquele que fala e
mulher não pode ter opinião!
Conhecimento não é necessidade,
é desejo." "
Não podes opinar!
Não podes conhecer...
Não saberás desejar plenamente!
Cortar-te-ei teu mais forte desejo!
Desejas, acaso, conhecer corpos celestes?
Pensas conhecer para tocar as estrelas?
Toques apenas teu corpo e te limites a isto!
Um dia tu envelhecerás e, com teu corpo,
um desejo inexistente!
Nada verás, mutilarei teus olhos!
Nada verás que eu já não tenha visto!
Não ouses opinar!
Não ouses conhecer nada fora de teu corpo!
Mutilarei teu corpo, teu prazer, tua mente!
Mutilarei teus pés com meus próprios dentes.
Que teus pés delicados
desconheçam teu chão!
Porque em nada opinas,
nem tens instrução!
Mas, que teimosa és tu!
Já te pisei os sonhos
estendidos em meu tapete!
Tapas levaste da vida.
Vida que já perdeste!
O que ainda queres, mulher?
Que ousas, ainda dizer?
Tens direito a um último desejo
antes de morrer!
Quero tocar as estrelas, o firmamento!
Quero as chuvas, as cinzas e o vento.
Quero o chão, quero cimento!
Quero conhecer.
Conhecimento!
Quero o desejo que não morre com o tempo.
Conhecer aquilo que não só o meu corpo.
Porque sou mulher (e não um lamento).
Porque sou mais que ventre e mais que rebento!
Porque sou eu mesma o meu próprio fomento!
Conhecimento é desejo!
Não me roubes meu momento!
Não quero tocar só o meu corpo!
Quero o meu pensamento!
Os meus olhos e a minha mente.
O desejo que é permanente!
(o meu desejo mais ardente)
E para eu cantar meu canto,
não preciso criar evento.
Não preciso colocar manto.
Não preciso estar ao relento.
Quero adubar meu solo,
com meu próprio excremento.
Ser minha arte a palavra escrita.
E sem ressentimento.
Cantar porque desejo.
Não quero falecimento.
E, agora, dê-me licença,
que estás no meu assento.
Quero só ser!
Ser só.
Eu.
O meu instrumento.

Raquel Scarpelli

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