segunda-feira, 16 de julho de 2018

o abraço eterno


era um salão na quinta avenida. eu, uma modelo lânguida, vinte e poucos anos, olhos tristes da mesma cor de prado do vestido comprido. inclinava a cabeça para trás enquanto o profissional enxaguava meus cabelos ruivos longos e naturais. talvez tenha sido a maneira sensual, quase orgástica, como ele tocava minhas mechas. alto, barba bem desenhada num rosto forte, seus cabelos castanhos se rebelavam amarrados num rabo de cavalo. nossos olhares se tocaram.
 
era na escócia e as terras altas tinham o mesmo tom de verde do meu vestido de veludo bordado até os tornozelos. eu tinha dezesseis anos e os mesmos olhos, meus cabelos longos e cacheados espalhavam brasas sob o sol morno do fim da manhã.
  
ele veio me buscar. esperava que não viesse. no fundo, torcia para que não parecesse mais, para que me decepcionasse. mas ele veio me resgatar como havia prometido.não consegui esconder meu regozijo, minha alegria insana. me abraçou e caminhamos juntos para a amurada – era a única saída. quando olhei para baixo, perdi a coragem. não poderia saltar. o labrador negro se lançou sobre a muralha de pedra. emergiu e saiu nadando pelo lago.
  
meu amor entendeu que eu não pularia, sabia interpretar meus silêncios. palavras eram secundárias desde o dia que nos encontramos pela primeira vez naquela vida. me abraçou forte.ele era tão grande, parecia assustador naquela vestimenta rudimentar de couro cinza, seus pés enormes naqueles calçados grosseiros. para mim ele era lindo. cabelos compridos, barba selvagem e olhos enormes. aquele olhar intenso. enxergava sua alma generosa, sentia seu amor imenso por mim, impregnado na sua pele.
  
o abraço foi eterno. sabíamos que estávamos destinados a nos encontrar em muitas outras vidas. me disse: eu volto. e saltou.

Cristina Bresser

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