segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O homem que matou Plutão, Tiago Maviero

.

Confesso. Fui eu que matei. Nunca gostei dele mesmo. Tem um cara aí ganhando a fama. O nome? Acho que é Brown. Mike Brown. Pra mim esse nerd não mata nem formiga. Tá certo que o defunto era pequeno. Andam chamando até o maldito de anão. Conheci na escola... Isso mesmo! Estudamos juntos. Já contei? Foi na quinta série. Ele sempre era o último da fila. Cara meio frio. Não tinha muitos amigos. Vivia do brilho dos outros. Sem luz própria, sabe? Depois da formatura, nunca mais o vi. Sumiu! Quer dizer, uma vez passou correndo na praça XV. Um jeito esquisito, meio fora de órbita. Tentei chamar, mas não deu tempo. Não sou doido. Quebro umas velas vez ou outra. Louco, não. Tem coisas que só falo na frente do meu advogado. Nessas horas funciona o tipo estrela. Tenho os meus direitos. Sou réu primário. Aqui tem chuveiro quente? Não posso tomar banho frio. Tenho um papel com telefone da minha prima Arlete. Ela é puta aqui na rua de trás. Um dia me falou pra ligar nesse número se precisasse. Vai pagar a fiança. Não tô com grana. Que olhar é este? Qualquer um mataria o filho da mãe. Fui encurralado quando soube que era regente. Ele! Absurdo. Não sabia nem dele mesmo. Ia saber de mim? O infeliz estava na casa cinco. Corri para o quintal e vi que era o número do vizinho. Na casa cinco sob influência de Marte. Nem sei quem é esse tal de Marte. Só sei que o cara ia me deixar agressivo e violento até o dia doze. Eu ia esperar até o dia doze?! Peguei a pistola. Invadi sem delicadeza. Sei que vocês estão aí! Larga de esconde-esconde. Puxei o gatilho. Arma carregada. Virei no corredor dando de cara com a foto de uma gordinha. Era azul de tão obesa. A foto tava num quadro enorme preso na parede. A gorda não tava bem. Muito ozônio na cabeça. Logo saquei qual era a deles. Fui até a cozinha. Ninguém por perto. A geladeira estava aberta. Tinha um bolo assando no forno. Voltei para o quintal. Era noite. Não vai ligar pra Arlete? De repente, ela traz algo pra eu comer. Tenho jeito de mentiroso? Olha pra mim. Parece que tô inventando? Estou algemado, senhor policial! Estou preso neste lugar fedido, mal iluminado. E essas pessoas? Uma mais estranha que a outra. Se um meteoro cai aqui, acaba logo com esta história. Cheguei atirando pra todos os lados. Acertei dois. Um no ombro e outro na cabeça! Confesso. Foi assim. Puft! Paft! Puft! Paft! Não tem pra ninguém. Fiz curso superior. Tenho direito a cela especial. Escuta! Policia! Seu nome? Vou anotar. Gostei de você. Não é aluado feito esse amigo eu. Haley? Pronto. Ouça este conselho. Cometa um crime. Vale a pena ser um astro desses. Eu nem podia imaginar o quanto é divertido. Antes eu escutava Mozart e comia baba de moça. Agora vou ver o sol nascer quadrado. Puft!Paft!Puft!Paft! (gargalhadas). Na verdade só soube ontem que o defunto tinha oito irmãos. Ele era o caçula. Por isso o apelido? Não sei. Pelo menos com tanta gente nem vão sentir falta. Não tinha televisão na casa deles. Na minha casa sempre tivemos TV, telefone, telegrama, telescópio, teleférico... Teleférico era no sítio. Foi no sítio que conheci Maria Fernanda, Maria Eugênia e Maria Priscila. A Maria Priscila tinha enfermidades nos ossos. Eugênia dizia que eu não falo coisa com coisa. Nunca entendi o que ela quis dizer com isso. “Coisa com coisa”. Se ainda fosse coisa com coisa nenhuma, tudo bem. A Maria Fernanda era insignificante. Bem sei por que estou aqui. Saturno denuncia crimes. Não imaginei que tivesse um detetive na minha cola. Saturno não é nome de gente, é nome de cachorro (gargalhadas). Moro numa vila de doze casas. Uma grudada na outra. Não gostam de mim. Dizem que sou um escorpião do deserto, um peçonhento. Sou? Não sou, não. Matei com base em cálculos matemáticos. É ciência. Cúmplices? Não tenho. Talvez os velhos gêmeos da casa três. Eles apontaram a direção e ficaram rindo por trás das cortinas. Alegravam-se ao som da confusão. Minha avó dizia que eu levava jeito pra show-man. Antes de morrer, me deu esta roupa pra eu usar nas minhas apresentações. Quando fui intimado a depor, peguei pra vestir. É uma ocasião mais que especial. Tinha fotógrafo na entrada, microfones, até o pipoqueiro veio fazer um bico. Fui magnífico na entrevista. Primeiro escondi o rosto, depois levantei e olhei pra multidão. Muita gente. Escondi o rosto e pensei: E agora? Levantei a cabeça e dei um sorriso. Um largo sorriso. Foi tanto flash que por fim eu queria um buraco negro pra me enfiar. Então gritei. Sou inocente! Sou inocente! Só pra fazer figura. O repórter perguntou: Você nega o crime? Respondi: Não negarei mais. Fui eu que matei. O povo vibrou! Nossa, nunca vi tanto estardalhaço. Meu coração estava a mil. O assassinato virou matéria e antimatéria em toda a impressa. Quando virei pra entrar na viatura, alguém pediu uma última palavra. Fui olhando tipo câmera lenta e falei: Não se esqueçam de dizer pro Brown que estou de olho nele. Ninguém leva a fama às minhas custas. Puft! Paft! Puft! Paft!
.

Nenhum comentário: