Quando nasce um escritor? Seria no sentido literal da
palavra, quando ele é expulso do útero de sua mãe e grita o mundo a plenos
pulmões? Ou seria o contrário? O escritor nasce quando dá a luz a sua cria, sua
criação, cuidadosamente organizada em folhas de madeira de reflorestamento
prensadas e impressas com a ordem do caos de palavras que ele encontrou?
Afinal, o escritor é cria ou criatura? É uma antítese de dois? Uma aberração
contra a ordem natural do universo?
Faço perguntas, mas a verdade é que eu sei a verdade. Sempre
considerei essas ponderações de suma importância, embora nunca tenha perdido a
noite pensado sobre isso. A verdade foi iluminada na minha cara, me atingindo
como uma bala bem no meio dos olhos. Eu me questionei: Como pude não ter visto
isso antes? O qual cego pude ser ao fechar os olhos só porque estava escuro?
A catarse veio enquanto eu lia. Era um livro pequeno, sujo,
já velho, de título interessante e o mais importante, de segunda (ou terceira)
mão. É bem sabido que os livros adquirem a sabedoria daqueles que o leem e
sugam a daqueles que o escrevem. Pois bem, assim como a felicidade, a revelação
vem de súbito, matando de susto os de coração frágeis. Quando me dei conta,
havia resolvido um problema que desde muito me assaltava. Eu finalmente entendi
o momento em que um escritor nasce.
É claro que minha experiência deve ser levada em conta, foi
só quando percebi o que estava fazendo que o mistério foi resolvido. Vejam bem,
abram os olhos e os ouvidos, fechem a boca e escutem: Os escritores sempre se
enganam. Nunca veem o mundo com os olhos, mas antes com a mente. Criam
situações e coordenam toda a história em suas cabeças de vento. As pessoas
deixam de ser o que são e viram personagens cheias de nuances que não passam de
farsas. Os lugares admitem novas interpretações e significados. Nem mesmo o voo
de uma borboleta passa ileso pelos escritores (ah, eles adoram voos de
borboleta, tão efêmeros e etc.)
Então veio o medo. Olhei o espelho e vi aquele moço, tinha
os olhos nervosos, tinha a boca querendo mudar de lugar, e tinha um brilho
cansado, meio capenga, sem rumo. Era um escritor. Eu finalmente me reconheci
como um, e a primeira vista, não gostei muito do que vi.
Além de escritor, eu também tenho a ousadia de colocar as
palavras no mundo e esperar que cada um se vire com elas. Pai irresponsável, eu
sei. Nem todo escritor tem a coragem (seria burrice?) de infectar o mundo com
sua esquizofrenia nervosa. A maioria simplesmente morre de implosão, os outros,
como eu, de explosão.
Admito que o principal motivo que leva um escritor a de fato
escrever, é a vaidade. Ela embriaga o ego com palmas e afagos. É a que
adrenalina atingi os atletas, é o hormônio que sobe à cabeça no clímax sexual,
é pura biologia.
Escrever, afinal de contas, é aceitar o animalesco. Se
fantasiar de carnaval e viver quarta feira de cinzas.
Thiago Amorim
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