terça-feira, 11 de março de 2014

Um texto de Carolina Leta


silêncio.

no teatro, em tempo de espetáculo, logo abaixo à superfície, nos dias. lhe sou serviente: me deixo calar. não tenho interesse em falar e a ânsia me acomete cada vez menos. os diálogos que tive pela pele, através dos gestos, ali, pelo externo da retina me botaram cara a cara com o que existe, com um indizível acolhedor que fazia pregar por adoção. as palavras são nomes vazios, hordas de letrinhas tapeando no céu da boca de cada um. estão ali obviezando. já não tivemos o suficiente? intrusas de festa, estávamos seguindo bem sem elas: a passos sensíveis, em caminhos de percepção, vagando no sentir de um outro. outros. em misturas intermitentes. lavagens de água e vento.

uma palma da mão de temperatura morna alça vôo à testa ou à face corada e o mundo inteiro reside ali. tudo em volta é estátua ou movimento passageiro, paisagem distante. um corpo deitado no chão e uma música em bom tom me deixam de estômago cheio. você não existe, as paredes não existem, toda minha vida se esvai entre cada corda do fado. E toda uma beleza, uma força tão cinza e emocionada que entra por  mim, transforma sangue, veia, orgãos em matéria da mesma qualidade: faz de tudo miséria transparente. um choque em série de calmaria triste e frenesi palpitante, quem chegou? o espanto segue contínuo: como é bonito! queria viver disso, de sensação sem peso, cabeça inativa: o instante, aquele único, me parece traduzir toda a cultura, sociedade, sentimentos, sensações, horrores, loucuras, prensados em segundos. eles fecham meus olhos e de repente estou azul. logo depois branca. se deixar colorir é dos primeiros estágios assim que se para de vomitar palavras. engulo-as; faço delas resto de mim.

se te dirijo a palavra é porque os sentidos encolheram.

mas se te enxergo, perceba, meus olhos me jogam nua à você.

Carolina Leta