segunda-feira, 31 de março de 2014

Poderosa


Estava, como de costume, sentado a uma mesa de um famoso restaurante carioca, no Leblon. Gosto de me sentir um médico, ou um psicólogo, e fico observando os gestos, a postura, o comportamento e a conduta dos humanos que me acompanham, mesmo que distantes, nas refeições. Essa é uma espécie de experiência laboratorial que costumo realizar em locais públicos, sempre com um olhar crítico. Naquele dia, chamou-me atenção, primeiramente, uma criancinha muito linda, que tinha certeza ser autista. A pobre criança, totalmente indefesa, era maltratada por seus pais, que a faziam comer forçosamente, sujando a roupinha da menina. Um absurdo!

Fugindo dessa realidade imunda, olhei ao redor, procurando mulheres para examinar, até que visualizei um ser de outro planeta. Loira, com idade variando entre 20 e 25 anos, ma-ra-vi-lho-sa! Olhos verdes, corpo delgado, seios volumosos, mas não pareciam ser “siliconizados”. Falava como uma tagarela. Parecia sentar-se à minha frente, de tão alto que falava. Estava acompanhada de outra mulher, com quem interagia com entusiasmo. Levantei-me e esbocei dirigir-me à mesa delas. Parei. Resolvi terminar minha refeição. Continuava olhando com olhos de sedutor. De repente, nossos olhares cruzaram-se por milissegundos. Banquei o cortês, ela virou o rosto.

Aquela mulher me enlouquecia, me empolgava. Não podia ficar parado lá, sem fazer nada. As duas continuavam conversando. Nem pedi a sobremesa, e sim, a conta. Tive a ideia de pedir ao garçom que deixasse um bilhete naquela mesa, que ficava bem em direção diagonal, a uns cinco metros de distância da minha. Hesitei, achando que era coisa de filme, e as mulheres de hoje detestam clichês. Momentaneamente, as duas trocaram carícias. Seguravam de maneira confortável as mãos, numa atitude íntima. Terminaram as saladinhas. Eu já estava suando, primeiro por causa daquela situação, depois porque havia comido só comida gordurosa.

Levantaram-se. A companheira dela nem era lá aquelas coisas, mas era até bonitinha. Tinha cabelos castanhos, olhos escuros e média estatura. Pasmem! Quando a poderosa virou-se de costas, fiquei paralisado, como se uma serpente tivesse me envenenado. Não sabia dizer se a parte detrás era melhor que a frontal, e vice-versa. Acabei dando nota 10 para tudo aquilo. Após me levantar, apertei o passo e comecei a segui-las. Deixaram o restaurante e pediram que seu carro fosse trazido. Por um momento, distraí-me e comecei a trocar ideias com o cara do estacionamento. Fiquei feliz quando soube que o Botafogo havia ganhado o jogo da noite anterior, que não pude ver, devido aos trabalhos universitários.

Quanto me virei, atentando novamente a elas, me vi num dilema: não sabia se vomitava ao lembrar os mandamentos bíblicos e toda a intolerância da religião cristã quanto a desvios do divino, ou se ficava feliz por respeitar a pluralidade natural do sistema. Julguei ser a segunda opção mais prudente e consciente, em pleno século XXI. Eram duas mulheres maduras que traduziam, naquela hora, um amor intenso num beijo que colava suas bocas com Super Bonder. No início, desmoronei, porque os costumes dos séculos XVII e XVIII dominavam parte da minha mente. A outra parte era controlada por uma vontade incontrolável de mostrar que todos têm seu valor, independentemente de se sentirem atraídos por homens ou mulheres. O carro delas chegou, e foram embora. Estava muito apaixonado ainda. Minha mente discutia com meu coração, um duelo que parecia não terminar. Sem alternativas, sentei-me desolado no chão.

Felipe Cassar

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