1
Todo fim de mês
minha vó cabelos
brancos e vestido
florido doava
religiosamente
uma pequena quantia
da sua pensão
para a Igreja.
2
De tão religiosa
e evangélica
e fervorosa
que era cantava
uns hinos
mas não aquele hino
o hino conhecido
o hino obrigado
esse já nem lembrava
talvez um Ipiranga
ou nas margens plácidas
mas o que é plácidas?
3
Minha vó caminhava
pelos corredores
em passos lentos
dobrando o tempo
das coisas
e o dia
pela metade.
4
E ai de quem
lhe entregasse
a faca pelo cabo
ou dissesse “diabo”
ou chinelo emborcado
ou dissesse
“eu te odeio eu te odeio”
— porque isso atrai coisa ruim.
5
Minha vó sentada na sala
tomava sopa de batatas
enquanto conversava com Zé Pinto.
— mas Zé Pinto não morreu, vó?
— mas eu vejo
eu vejo,
dizia.
6
Quando partira
minha vó deixara
o vestido florido
que agora não é mais
tão florido
e alguns fios de cabelo
entre as almofadas
do sofá.
7
E há quem diga
que ainda canta o hino
mas não o mesmo hino
o hino evangélico
o hino religioso
mas um outro hino
talvez mais falado
talvez mais cantado
um hino que aprendera
da própria boca de Zé Pinto.
Felipe Andrade
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