quinta-feira, 31 de julho de 2025

Recado


Não dizer  que a voz veio do vento
ou que o vento tornou-se voz
Nem que era um sussurro mudo
que como alma pairou  entre nós
Não sou alguém para supor
o que o suor dos olhos diz
Só sinto pena dos nãos
quantos deles já existem


Mariana Teixeira

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Platão e a Metáfora


noite a adubar o mar
estrelas cadentes no cio,
garças brancas prometiam...
fragueiro, faroleiro,
Platão fazia sinais, tocava sinos
para a palavra unhar naquelas águas.
lua cariada de desejos,
parar não podia, respondeu a palavra:
havia perdido as âncoras.


Lasana Lukata


terça-feira, 29 de julho de 2025

Um poema de Cesar Kiraly


        antes da soltura 
        ímpar 
o que nos resta é sândalo
        sonhâmbulos
encordela
        meu pescoço
peço para não ter ruídos


Cesar Kiraly

segunda-feira, 28 de julho de 2025

escarlate


Meus dias se tornaram vermelhos
viscosos, delirantes, difíceis de interpretar

nem meus pés, sempre ardentes
são efetivos em me fixar

uma realidade escorregadia me engloba
e eu deslizo
dançando pelo salão


Marcela Sperandio

A Arte de Perder, poema de Elizabeth Bishop — tradução por Paulo Henriquess Britto


A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.



Elizabeth Bishop



Tradução de Paulo Henriques Britto

Poema de Lucas Viriato


como atingir o espaço sideral
sem ter meu habitual
Cabo Canaveral?

como cumprir o que se fala
ir à Meca dar três rodadas
sem ter ao centro minha Kaaba?

como sentir o vento leve
Iansã outros seres na pele
sem uma guia que preste?


Lucas Viriato

GORDO


Sou um sapo tocando sax
Um baiacu excitado

Os remédios me engordaram
Remédios fazem muitas coisas

E ainda não curam
Mas não há melhor companhia

Para uma noite vazia
Alguns miligramas de você

Talvez mudassem tudo


Rodrigo de Souza Leão

domingo, 27 de julho de 2025

Brasília, de André Giusti




Nos palácios e tribunais
homens de carne e osso
(apenas de carne e osso)
passam falam
nos olham por cima
(como se fossem imortais)


André Giusti

Materiais


A utilidade da pedra:
fazer um muro ao redor
do que não dá para amar
nem destruir.

A utilidade do gelo:
apaga tudo que arde
ou pelo menos disfarça.

A utilidade do tempo:
o silêncio.


Paulo Henriques Britto

sábado, 26 de julho de 2025

A paixão de Nelson Rodrigues ecoa em cena na voz e na alma de Fernanda Montenegro

      


Nelson Rodrigues subiu no próprio conceito quando enfim entregou para Fernanda Montenegro a peça prometida, “O beijo no asfalto”, após oito meses de insistentes telefonemas da atriz para a redação do jornal carioca “Última Hora”, no qual o escritor cumpria expediente.

Quem conta esse episódio é a própria Fernanda no palco do Teatro Multiplan, onde a artista carioca fica em cartaz até este sábado, 26 de junho, com a leitura do texto “Nelson Rodrigues por ele mesmo”, antes de partir em turnê pelo Brasil. O espetáculo vem arrebatando multidões desde 2014, em apresentações alternadas com a peça em que a artista lê texto da escritora francesa Simone de Beauvoir (1908–1986), ícone do feminismo.

Essa passagem do texto “Nelson Rodrigues por ele mesmo” adquire humor involuntário, uma fina ironia, por ser contada pela própria atriz que protagonizou a ocorrência dramatúrgica. Escrita por Nelson em 1960, “O beijo no asfalto” chegou à cena em 1961 em marcante montagem dirigida por Gianni Ratto (1916–2005) para o Teatro do Sete, grupo integrado por Fernanda com Sergio Britto (1923–2011), Ítalo Rossi (1931–2011) e o companheiro de vida, palco e coxia Fernando Torres (1927–2008), entre outros dos grandes pioneiros do teatro brasileiro.

Quatro anos depois da estreia da peça “O beijo no asfalto”, Fernanda Montenegro cruzou novamente seu caminho profissional com o de Nelson Rodrigues ao estrelar, em 1965, o filme “A falecida”, dirigido pelo cineasta Leon Hirszman (1937–1987), a partir de outro texto para teatro escrito pelo dramaturgo com o rótulo de “tragédia carioca”.

Contudo, na leitura de “Nelson Rodrigues por ele mesmo”, essas interseções biográficas importam menos do que a habilidade extraordinária da atriz para captar todos os sentimentos do mundo impressos nas linhas e sublinhas do texto em que Nelson Falcão Rodrigues (23 de agosto de 1912–21 de dezembro de 1980) recorda trechos fundamentais da vida gerada no Recife (PE), mas vivida desde a infância no mesmo subúrbio carioca que pariu Arlete Pinheiro Esteves da Silva, nome de batismo de Fernanda Montenegro, nascida em 16 de outubro de 1929, há quase 96 anos.

Arlete virou Fernanda em cena, a partir de 1950. É com a técnica e a alma distintivas de uma atriz inigualável que Fernanda lê Nelson Mas ler é verbo insuficiente, impreciso, diante da imensidão da cena, do vasto mundo amplificado pelas palavras do dramaturgo na voz grave da atriz. Mesmo que o espectador desconheça por completo o universo da obra de Nelson Rodrigues, ele sairá do teatro com a percepção de que o escritor foi um espírito em desassossego,
atormentado, entre outras coisas, pela “visão já conhecida” do assassinato do irmão Roberto Rodrigues (1906–1929), falecido com 23 anos de idade. Então, Nelson tinha apenas 17 anos.


A sombra da morte permeou a vida de Nelson, aquele cujo destino parecia ser exaltar o pecado na escrita. Fernanda diverte o público ao contar do tema da primeira redação escolar do futuro escritor (o adultério), comove a plateia ao mencionar os retiros do escritor em cidades como Campos do Jordão (SP) para tentar escapar da sanha assassina da tuberculose e surpreende os espectadores ao realçar a vaidade aflorada do dramaturgo a partir da aclamação unânime com a segunda peça, “Vestido de noiva”, marco da modernidade do teatro brasileiro na encenação de 1943 orquestrada sob direção de Ziembinski (1908–1978).

Todos esses acontecimentos parecem ganh
ar vida na voz, no corpo, nas inflexões e nos olhares de Fernanda Montenegro. Não é uma leitura o que se vê e ouve no palco, mas uma intepretação enriquecedora da obra escrita pela filha de Nelson, Sonia Rodrigues, e apresentada em 2012 com a reunião de declarações do dramaturgo em entrevistas.

A seleção de Fernanda Montenegro torna ainda mais fina a costura da obra. Há princípio, meio e fim na transposição de “Nelson Rodrigues por ele mesmo” para o palco. Há sobretudo o ritmo dado pela atriz, senhora dessa cena aliciante em que desvenda obsessões e delírios de Nelson Rodrigues, cujas angústias dores e lágrimas podem até gerar na plateia nervosos sorrisos de ironia, como sugerem os versos da ária “Vesti la giubba” (1892), tema da ópera italiana “Pagliacci” ouvido em cena como espécie de prólogo para tudo que será lido pela atriz.

No circo de ilusões e horrores da vida, Nelson Rodrigues nunca foi um palhaço, mas um escritor de alma atormentada e assumidamente reacionária que se redimiu pela obra magistral, pela revisão da postura política (a partir da prisão e tortura do filho Nelson Rodrigues Filho na década de 1970) e que, no resumo da ópera, deu o máximo de si mesmo, como sublinha ao fim Fernanda Montenegro, dama da cena, ao alimentar a eternidade do escritor na magia do palco.


Mauro Ferreira


Saudade — poema de Manuelle Rosa


Saiba,
às vezes
a ausência da tua presença
me assalta
e quase me rouba umas lembranças boas...
umas memórias caras...
justamente aquelas que me farão mais falta.


Manuelle Rosa

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Resposta — poema de Laura Assis


Acho que enfim ouvi
o click do nosso encaixe:

eu sigo o sim sem vontade,
você sabe — todo segundo é o último.

será tarde?


Laura Assis

Buttons: poema visual de Ingrid Bittar

 



Ingrid Bittar


É com alegria que o Plástico Bolha retoma a parceria de longa data com a artista visual Ingrid Bittar (1989), que atuou como ilustradora de diferentes edições impressas do jornal. Carioca radicada em Berlim, na Alemanha, Ingrid, também conhecida como Britta, realiza trabalhos com colagem, bordado e aquarela. Aqui, repostaremos alguns dos “buttons” que a artista vem divulgando em seu perfil de Instagram: @ibbritta . Essas pequenas peças em microcolagem compõem uma forma híbrida, tensionada de texturas, palavras e imagens, que delineia uma topografia íntima e coletiva, em que o alheio e o doméstico, o estranho e o familiar, são friccionados, incitando o pensamento crítico e o prazer estético.

Pierre, o flâneur — texto de Eduardo Moraes

Pierre acorda sempre às 5h em ponto já tirando a regata e as cafonas meias compridas. Suando, como de costume, por se recusar a ligar o ar condicionado. Pelo menos tinha aprendido a abrir as janelas para entrar um ar. Já solta duas ou três bufadas quando ouve o barulho da rua, corre à janela para espiar o que os transeuntes estão fazendo no estimado bairro da Glória. Resmunga enquanto sorri por dentro pela visão familiar de cada dia. Ele era um daqueles branquelos com a pele queimada do sol e, por mais que morasse no Brasil há muitos anos, sempre ficava com a bochecha vermelha, denunciando a sua cara de gringo. Usava aquele chapeuzinho de malandro que ornava perfeitamente com a sua barriguinha de chope, que, de fato, tinha muita história para contar. 

Quando chegou da França, vinte anos atrás, não tinha escolhido o bairro para morar, foi a Glória que o escolheu. Pelo menos era isso que ele contava quando queria romantizar a sua história no Rio de Janeiro. A verdade é que veio ao Brasil a convite dos sócios de Gaston Lenôtre para comandar a cozinha de um bistrô na Zona Sul carioca, 
métier que não vingou pela sua falta de assiduidade no trabalho. Rapidamente deram a cozinha na mão do ainda não tão conhecido Claude Troisgros, e Pierre ficou de mãos abanando.

Com dinheiro apenas para mais um mês no apartamento que estava no Flamengo, descobriu uma pensão simpática e barata na Glória, cuja dona, Jussara, hoje uma grande amiga, aceitou recebê-lo em troca de serviços gastronômicos até que ele encontrasse um emprego. Para ele, estava ótimo, ainda mais considerando que aquele quartinho na pensão era mais que o dobro do 
chambre de bonne no 9ème arrondissement de Paris em que vivia antes de chegar ao Rio. E a localização era ótima, bem perto do metrô da Glória, onde hoje funciona o hotel (motel) Love Time.

Só que ele não parava em um emprego sequer, de modo que seus pagamentos eram inconstantes e raros, mas assim foi levando por alguns meses. Sorte dele que Jussara aceitava, porque o motivo era simples: ele era um 
flâneur incurável.

Não andava com tempo cronometrado ou preocupado com o caminho mais rápido. Pierre ia vagando, passeando sem pressa pelas ruas, vendo a vida acontecer diante dos seus olhos, contemplando cada detalhe e se inspirando nas belezas que o Rio tinha a oferecer a ele diariamente.

E Pierre desempenhava com louvor todas as modalidades de 
flâneur. O vagabundo de Baudelaire. O flâneur investigador de Allan Poe. Ou o “cronista da cidade” descrito por Walter Benjamin. O azar é que nenhuma dessas modalidades era admirada pelos seus chefes.

Enquanto perambulava pelas ruas, nada mais importava. Ele só queria bater perna, dar um borboleteio e flanar, ora!
 Foi ficando mais simpático com o passar dos meses e por todos os lugares pelos quais passava lançava um sorridente “Bonjour, Monsieur”. Como a rotina era diária, para os mecânicos da oficina, os padeiros da rua e para o apontador do jogo do bicho, Pierre virou o “Seu Mêsiê”.

O pessoal brincava, mas no fundo gostava da sua formalidade, que nunca o deixou tratar os outros sem ser por “vous”, que, com o tempo, acabou virando "você".

Dizia a todos que tinha parado de fumar quando completou mais tempo de Brasil que de França. A exceção era quando estava irritado. E, mesmo sem muitos motivos para estar, todo dia ele dizia que alguma coisa o tinha tirado do sério, o que obrigava o homem a dar um traguinho no seu cachimbo. Sempre na surdina, para ninguém notar. Só que todo mundo notava.
 Quando alguém o acusava, já apontava para o pôster amarelado do “La trahison des imagesde Magritte que tinha nos fundos da pensão dizendo “Ceci n'est pas une pipe”.

Quando ganhava um cascalho a mais, pagava o que devia à dona Jussara, que nunca cobrava nem aplicava juros ou correção, e ia ao restaurante da esquina, que era simples, mas delicioso, para pagar uma cerveja e um jantar a ela.

Quem comandava o boteco e morava no charmoso apartamento que ficava em cima era Elba. Pierre, como 80% dos frequentadores, se apaixonou por ela. Classuda, inteligentíssima e muito bonita.

Elle est très jolie, cette femme, mais bien plus que ça”.

Ele achava muito irônico estar apaixonado por uma mulher que levava o nome da ilha italiana em que Napoleão foi exilado.

Ainda mais pelo fato de seu nome ter sido escolhido justamente pela raiva de sua mãe, Hilda, professora de História na rede pública, pelo pai, Seu Napoleão, um cara muito bonito que parecia que não envelhecia, e conhecido por ser um grande cafajeste por todo Rio Comprido e adjacências. Não era Bonaparte, mas também era um conquistador.
 Seu apelido? O Príncipe Etíope, pela sua semelhança com o craque Didi, da Seleção Brasileira, e que fez história no Fluminense e no Botafogo.

Elba começou a trabalhar muito cedo, sem nunca largar a escola, algo que sua mãe não perdoaria. Formou-se na escola e, a duras penas, também na faculdade de Administração. Depois de graduada tocou alguns negócios bem-sucedidos com uns colegas de faculdade, até tomar um golpe de um sócio.

Perdeu tudo.

Ficou mais cascuda, e também bem amargurada, de modo que perdeu o sorriso fácil, que só aparecia quando alguém tocava alguma do Paulinho da Viola ou do Jorge Aragão. Decidiu que seu novo negócio seria um restaurante simples, agora sem sócios. E que toda sexta e sábado teria samba. Afinal, no samba ela sabia que podia confiar.
 E deu certo. Muito certo.

Bancava a casa da mãe, que atualmente morava com seu novo marido, e também os remédios do pai, que tinha dinheiro para tudo, menos para os remédios do vitiligo, que o afetava muitíssimo por influenciar sua aparência, apesar de não diminuir em nada os casos que arrumava pelo Rio de Janeiro.

Um dia, bem na hora de fechar o recinto, Pierre apareceu por lá dizendo que era a décima vez que ia no restaurante e que queria chamá-la para jantar. Mas que nunca tinha tido coragem.

Ela disse que não era assim que funcionava, mas gostou da ousadia.
 Falou que ia pensar e subiu para casa com um sorriso no rosto, que Pierre não achou que tinha sido por sua causa, já que ao fundo tocava “Timoneiro”. Sorriu porque viu que as palavras eram sinceras e não mais um papinho de um gringo fetichizando uma mulher preta brasileira, como já tinha vivenciado dezenas de vezes.

Na décima primeira ida ao bar, ele renovou o convite, agora com mais convicção. Ela curtiu, mas disse que preferia um café da manhã. Ele topou, é claro, porque não podia perder a oportunidade, mas por dentro pensou não entendia muito bem essa história do 
petit-déjeuner se chamar, em português, “café da manhã” e ser mais do que apenas um café.

O romance vingou.

E, conforme evoluía, Pierre percebeu que não sustentaria por mais tempo nas condições de vida que levava. O nome de Elba era trabalho e o sobrenome, hora extra.
 Ela valorizava demais a labuta. E também não dava para levá-la para a pensão de Dona Jussara dia sim dia não. Ao mesmo tempo, não conseguia abandonar sua alma de flâneur. Enfim, tomou uma decisão: por Elba, acordaria mais cedo ou dormiria mais tarde para poder flanar antes e/ou depois do horário comercial e provaria a ela que sabia e podia trabalhar bem.

Elba falava pouco com palavras, mas muito com o olhar e percebeu a movimentação de Pierre, até que decidiu fazer uma proposta de trabalho. Ele comandaria a cozinha da birosca e lhe daria aulas de francês em troca de um salário mais do que justo, que o ajudaria a pagar suas dívidas na pensão. E tinha um bônus: se desse certo, ela o colocaria para dentro de casa definitivamente.
 Ele aceitou na hora.

— 
Ça va aller, mon cœur - puxando o “r” de propósito, porque sabia que ela gostava.

A convivência diária não começou fácil. Mesmo depois de muito tempo de curso, Pierre seguia jogando lixo no vaso, para terror de Elba, que ficava louca quando o via lançar na latrina os papéis que usava para sua higiene matinal. Os gastos com pão, manteiga, queijo e geleia aumentaram demais, e ela detestava abrir a porta do banheiro e se surpreender com ele fazendo xixi sentado, costume que pegou de seu pai alemão.

Falando em pai alemão, ele, que sabia a sua árvore genealógica de cor até a quarta geração, aprendeu que, no Brasil, que vive até hoje as mazelas dos 300 anos de escravidão, era normal que uma pessoa preta da sua idade não soubesse o nome e muito menos a origem dos bisavós. No caso de Elba, nem o nome dos avós maternos.

Pierre foi aprendendo a viver com Elba e botou na rotina os dois banhos diários. Tudo bem que eram banhos de gato, gelados e rapidíssimos, mas pelo menos tomava. Foi a condição imposta para ganhar um beijo quando descesse no bar, onde Elba já começava a todo vapor coordenando as rotinas do recinto. Antes mesmo das suas flanadas matinais.

Outro problema foi a mania de Pierre com tigelas. Ele usava todas da casa para as mais diversas utilidades. Sopa, geleia com pão e até café, que tomava apenas um por dia, acompanhado de um shot de 
pastis marseillais, sempre depois do almoço para não dormir em pé.

Apesar de algumas alfinetadas, ela o amava muito. E sabia disso pelo simples fato de seu lindo sorriso ter voltado para o rosto.

Amava o seu audível “
bon appétit”, que desejava para todos que servia. Achava uma graça o fato de fazer questão de comer na mesa posta e sempre esperar todo mundo se sentar para comer nas clássicas feijoadas de sexta-feira que serviam no bar para todos os funcionários, dona Jussara e outros amigos do bairro. Só detestava a nojenta mania de assoar o nariz à mesa e pediu para ele parar. Ele parou.

Pas de problème, mon chou!”

Eles viviam situações inusitadas nessa dinâmica franco-brasileira. Quando ele disse que ia “
faire le ménage”, ela deu um tapa na sua cara, sem ver que ele estava com o aspirador de pó na mão pronto para fazer uma faxina na casa. Ela pediu desculpas e explicou o porquê. Ele não só entendeu como concordou com a reação dela. Sempre romântico, antes de beijá-la, cravou:

J’ai envie de toi et seulement de toi”.

E nessa de ficar falando português e francês misturados, acabou se surpreendendo com a safadeza de Elba quando, em um momento íntimo, a moça, querendo dizer um “Beija Eu”, no melhor estilo Marisa Monte, lançou um “
baise-moi, que acabou de fato se concretizando no final da noite.

Mas essa, no caso, foi uma confusão boa.

Fora as clássicas de gênero. Era “a carro” (
la voiture) pra cá, “um árvore” (un arbre) pra lá e o lindo erro de falar “a mar” (la mer), que fazia o coração de Elba vibrar já que achava que o equívoco era a palavra “mar” ser um substantivo masculino.

Uma que amava também, e que Pierre continuava errando de propósito, era o uso dos verbos 
prendre offrir em tradução literal.

Quando ela passou a flanar com ele, volta e meia paravam para “pegar um café da manhã” (
prendre un petit-déjeuner) ou paravam em alguma loja em que ele “oferecia um presente” (offrir un cadeau) a ela, mas não só oferecia, dava!

E nessas andanças, Elba só se apaixonava ainda mais por Pierre, que militava pela 
flânerie dizendo a ela que seus antigos chefes o chamavam de vagabundo porque não se adequava ao sistema. Mas reconheceu que sem Elba, nunca teria entrado no prumo e que sua disciplina o fez ser um homem melhor.

Por isso, acorda para trabalhar com um sorriso no rosto. Todos os dias.

Com Elba, ele aprendeu a trabalhar. Com Pierre, ela aprendeu a flanar. E assim vão levando, na labuta ou flanando.

E amando.



Eduardo Moraes


Oficina de texto infantojuvenil na PUC-Rio!

    


Se liga que tem oficina de texto infantojuvenil com Rosana Kohl Bines na PUC-Rio no segundo semestre! Procure saber aqui

Legado


Teu cheiro e tua dor,
teu cheiro e teus olhos,
a memória da tua voz
ainda pulsam sobre minha nuca;
ainda me perseguem pelos bosques
das minhas novas desventuras.
A cinza do teu soluço
entranhou-se em minha pele
há semanas infindas.

Teu amor
é crime
que não esqueço.


Thássio G. Ferreira

Espaços


Nos cadernos de faculdade
Os poemas
Lutavam
Por espaço
Entre as matérias
Minhas poesia
Nunca foi covarde


Fillipe José Diniz

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Te ver nua


no meio do sonho
da viagem
de retorno,
me trouxe
             uma insônia dos diabos

Marcelo Torres

O chapéu de Beckett — Helena Martins (trecho)


          

Destaca-se com frequência na literatura sobre Beckett o seu apotropismo — seu decidido afastamento de toda linguagem figurativa: “Nada de símbolos quando disso não houve a menor intenção”, são as famosas palavras finais de Watt, muitas vezes tomadas como resumidoras do projeto literário do autor. Muitos outros exemplos de apotropismo confesso poderiam ser aqui evocados, entre eles este, bastante conhecido e registrado por Ackerley e Gontarski: “se por Godot eu tivesse querido dizer God”, afirma Beckett para um desapontado Sir Richard Ralphson, “teria dito God e não Godot” (2004, p. 232). Bem antes disso, em um ensaio de 1929, ele já manifesta com semelhante ênfase e explicitude o seu desinteresse pela alegoria, por sua “operação in­telectual tripartida”, incluindo “a construção de uma mensagem de importância geral, a preparação de uma forma fabulosa, e o exercício de considerável dificuldade técnica de unir essas duas dimensões” (GE IV, p. 502). E em carta a Thomas MacGreevy, de 1955, ainda protestando contra interpretações simbólicas e alegóricas de Esperando Godot, ele declara, aborrecido: “por que as pessoas têm de complicar uma coisa tão simples é algo que me escapa”.


Helena Martins



Se você gosta de Teatro e também quer simplificar a vida, basta ler o texto completo da professora Helena Martins, pulicado no número 26 da Revista Gragoatá, de Niterói, clicando
aqui!

Um poema de Fabrício Carpinejar


                                                              Abaporu, Tarsila do Amaral, 1928


Não sei me despedir
da vida, do trabalho,
dos pais.

A indiferença cobre-nos de igualdade.
Não me enraizei,
muito menos presto para ser colocada fora.

Minha razão é inferior ao desejo
Penso com os pés.


Fabrício Carpinejar

O rei do gado

 


Na ficção
como na vida
o rei só é rei
e o gado só é gado
por um acordo tácito:
o poder é dado
àquele que já
parece ostentá-lo
de antemão.

Mas rei e gado
só cristalizam
sua natureza
numa relação
viciada:
o rei precisa do gado
para ser rei,
e o gado precisa do rei
para ser gado.


Henrique Duarte Neto

GERAÇÃO COCA-COLA — Rodrigo de Souza Leão


os óculos quadrados
para ver o horizonte

as lentes claras
para ler nos rostos

a alma da geração
que não se perdeu

nunca se encontrou


Rodrigo de Souza Leão

A palavra imediata — de Roberta Lahmeyer


Um feixe de luz
Refletido na parede
Despertou a palavra infinito


Roberta Lahmeyer

quarta-feira, 23 de julho de 2025

BRAZILIAN DREAM

 

Preston Woolen e Worda Chandler trabalham como atendentes no Cow Palace-Restaurant em Shelbyville, Indiana. O jovem casal sonha em ganhar a vida no Brasil, a terra das oportunidades, mas terão que adiar seus planos.


Mariano Marovato

I am what I am, and that's all what I am?


Popeye de santo é o marinheiro
the Marines invadem algum Oriente Médio
todos herdeiros do sangue haitiano
da Hemocaribbean Company
um biscoito por um litro do seu sangue
nosso espinafre

Popeye de santo
pitando seu cachimbo
Popeye o caolho estourado
sub-Camões aparvalhado
rei do terreiro
jogando búzios
para seu rebanho de cavalos
onde montam Exu, Oxossi, Saravá

Popeye de santo
e seu despacho guerra santa
Olivia Palito de burca Talibã
marinheiro desembarcando no deserto
ao som de uma Britney Maria Padilha
Popeye de santo is the sailorman

Well, blow me down!
O petróleo é o meu espinafre!
O petróleo é o meu sangue!


Domingos Guimaraens


A parte do fogo


Como retirar palavras
De uma fogueira
Que arde e
Depois se extingue?

Como retirar das cinzas
palavras novas?

É preciso perceber
As formas do silêncio
Ou talvez
Nunca parar de falar


Roberta Lahmeyer

Beckett


eu tinha pouco
esperava nada
saí com menos


Lucas Viriato

Editorial do Plástico Bolha à Casa Branca 🔥

 


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Lançamento do novo livro de Jozias Benedicto





 

Lançamento no Rio de Janeiro:
Local: Capitu Café – Rua Cosme Velho, 174
Data: 29 de julho a partir das 18h

Lançamento na FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty:
Local: Casa Caravana
Rua Tenente Francisco Antônio, 319 (Rua do Comércio)
Centro Histórico de Paraty
Data: 31 de julho a partir das 20h

Título: “As vontades do vento”
Caravana Grupo Editorial
Autor: Jozias Benedicto
Gênero: ficção, romance
Páginas: 200
1ª. edição: 2025
Editor: Leonardo Costaneto
Apresentação: Andreia Fernandes

Título: “Nada permanece nunca”
Caravana Grupo Editorial
Autor: Jozias Benedicto
Gênero: ficção, contos
Páginas: 148
2ª. edição: 2025
Editor: Leonardo Costaneto

OS HÓSPEDES: Dante — de Adriano Espínola


Exilado em mim mesmo e do país,
sonhei a fera e Virgílio companheiro.
No céu, de mim ausente, a Beatriz.

Depois, no inferno pus o mundo inteiro.


Adriana Espínola

terça-feira, 22 de julho de 2025

4 VEZES BECKETT — de Anésio Pereira Dutra

                                           



Eu vi a queimada grassando o papel,
sem lume, sem som,
sem busca, sem dor.
A forma fumaça
contorcida em pontas acesas
no rigor das feridas.
Lastro escuro, plenitude mortal.


Anésio Pereira Dutra

Pranto — poema de Anésio Pereira Dutra


O choro é delicado:
encosta e espera,
não força nem se revela.


Anésio Pereira Dutra

Viagem — poema de Anésio Pereira Dutra




Riso estalado
no rosto do passageiro.
Moça alegrada.
Conversa raspada
entre motorista e estrangeiro.


Anésio Pereira Dutra

Inédito — poema de Anésio Pereira Dutra


Vendo o já visto,
descubro visitas
que não fiz.


Anésio Pereira Dutra

Frouxo — poema de Anésio Pereira Dutra

Laços fora, não.
Desata o rigor,
afrouxa o gatilho,
libera a dor.

Depois, de mansinho,
latejando a esperança,
acordar as estrelas,
degela o amor.


Anésio Pereira Dutra

Verdade — poema de Anésio Pereia Dutra


Todo mundo faz seu verso, e isto é muito bom.
Mas a palavra,
rastro laminado
na cor da incisão
(verdade encruada),
não dá prêmio de consolação.


Anésio Pereira Dutra

África — poema de Anésio Pereira Dutra



Homens de recusada mortalidade
esfregam tiros e risos
na pele da criação.
Enlutam cores,
riscam o sangue,
rasgam e ferem
a mãe do futuro.

Desaquecidas do sol,
imoladas bocas negras
cospem o espanto
e protegem as velas
com o arco das mãos.
São como pedras
sem seu destino mineral.

E, quando o chão murmura
os nomes e as dores lavadas,
homens de recusada mortalidade
amputam sementes,
remarcam sonhos,
embriagam o presente
e fazem chorar a mãe de criação.


Anésio Pereira Dutra

Um poema de Carlos André


poesia não é
rima

       esqueça

prima da mímica
irmã da música
filha do capeta

que mora dentro da

         cabeça


Carlos André

Parem de falar mal da rotina, com Elisa Lucinda


Peça fundamental da poeta e atriz Elisa Lucinda, no Teatro Municipal de Ribeirão Preto, SP, amanhã! Praça Alto do São Bento, Jardim Mosteiro. Não percam!

Um poema de Paulo D'Auria


a linha do equador é imaginária
a linha da pobreza, não

                 a linha do horizonte é uma linha imaginária
                              a vida sem horizontes, não

   figuras de linguagem nem sempre são bonitas de se ver
                 a poesia também nem sempre são bonitas de se ver
                                             a poesia também é um lugar selvagem


Paulo D'Auria

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Lançamento do livro "Enquanto elas crescem no escuro" de Laura Assis, em JF, RJ e SP 💘💘💘




Enquanto elas crescem no escuro reúne cinco contos protagonizados por personagens femininas em momentos de ruptura. Em comum, o fato de que essas meninas e mulheres se veem diante de um descompasso entre o que são — ou desejam ser — e aquilo que o mundo parece esperar delas. Entre silêncios e desencontros, as narrativas traçam um percurso de inquietação, lucidez e transformação.

"Os poucos minutos que passava naquele elevador — um modelo dos mais antigos, com duas paredes que imitavam de modo ordinário a textura de madeira, uma porta sanfonada lenta e ruidosa e um enorme espelho cuja opacidade denunciava a passagem do tempo e a falta de cuidado — não eram lá muito agradáveis, mas isso era o de menos. Claro que não era fácil se fechar naquela velha cápsula de aço barulhenta, que subia e descia no espaço escuro do poço, pendurada por um cabo em que ninguém parecia querer pensar muito, mas que há tantos anos sustentava todos os dias o peso de dezenas de corpos e poderia, como tudo no mundo, se romper de repente. Entretanto, ela sabia que a verdadeira provação viria depois."

[trecho do conto "Vida em Marte"]


Laura Assis

Horoscopornô


subindo pelas paredes
estava o virgem
ascendente no aquário de peixes


Vini Corrêa

Poema de Claudia Roquette-Pinto


Então é isso:
essa série de imprevistos
rondando o imaginado
enquanto em alguma baía,
istmo ou íntimo
acidente geográfico
uma cerejeira, inteira em flor
queima de abelhas
arma o seu buquê de ruídos.


Claudia Roquette-Pinto

nenhuma gentileza nas mãos


acabei de descobrir
tenho um corpo nele tem: palavras
cômodos, lâmpadas uma casa inteligente orgânica
toda dinâmica se batem palma é para que algo se acenda.
meu antigo problema de esquecimento foi solucionado.
um corpo nunca esquece onde estão as chaves
descobri que tenho um corpo
há sinais: desastres hídricos geológicos incêndios
emanações vulcânicas menstruações inundações
descobri que todo corpo é horta-praga
assim se faz uma vizinhança. confusão
entre vizinhos: o seu telhado sobre o meu


Maria Emanuelle Cardoso

Copacabana




esse alarme de carro ao longe é bonito
               soa como grilos
como um grito à noite pra ninguém
               esse alarme de carro
                                   numa boa
                                             soa bem


Dado Amaral


Esboço — poema de capa da edição do PB #30


                                                                                      ilustração de Angelo Abu



no pé do caderno
comecei a tracejar
esse caminho
quase acabado.

sonhei com rampas
e prédios incendiados
esbocei que era Nero.


Natalia Eme

Uma análise do poema "Portuñol/Portunhol", de Ivana Vollaro — por Rafaela Albernaz

                               


Sempre tive facilidade para aprender línguas. Entrei na Escola Britânica aos quatro anos, e aprendi inglês tão rapidamente que minha professora perguntou aos meus pais: “quem é o estrangeiro na sua família?” Entretanto, esta minha habilidade não ia além de mera proficiência: eu não tentava entender o funcionamento das línguas, nem o porquê das diferenças entre elas. Eu também possuía um desdém irracional pelo espanhol, não gostando de sua sonoridade, e o considerando feio comparado com o português (uma opinião nada parcial, com certeza!). Tais sentimentos se estendiam ao Portunhol, onde iam além de desgosto e viravam ódio, pois o considerava uma corrupção do português.

Foi somente aos doze anos, quando comecei a estudar francês na escola, e fiquei fascinada por suas semelhanças e diferenças com o português, que eu mergulhei pela primeira vez na linguística, e me surpreendi ao aprender que quase todas as línguas europeias (e algumas asiáticas) possuíam uma origem comum, tendo evoluído a partir do Proto-Indo Europeu.

Também descobri o conceito do contínuo dialetal, que descreve um conjunto de dialetos falados numa área geográfica. Em tais contínuos, dois dialetos vizinhos são facilmente compreensíveis, como o português e o espanhol, enquanto dois extremos, como o português e o romeno, são de mais difícil compreensão. Existe até uma famosa expressão descrevendo a dificuldade de definir se duas línguas próximas são distintas ou dialetos de uma língua só, e como a política está bem envolvida neste processo: “Uma l
íngua é um dialeto com um exército e marinha.”

Ao descobrir essas complexidades e entender que línguas são primeiramente um meio de comunicação, e que a gramática não é uma lei sagrada, passei a me sentir bem envergonhada a respeito de minhas opiniões infantis e ignorantes sobre o portunhol, que, como todas as línguas misturadas, serve como uma ponte entre dois povos. 
Ao ver este poema, lembrei dessas antigas emoções, e fiquei me perguntando como teria me sentido se o tivesse visto ainda possuindo aqueles preconceitos.

Quanto aos modos de compreensão, apesar de ser classificado como um poema, esta obra, assim como muitas outras presentes na revista “Artéria”, poderia ser classificada como um quadro/obra de arte visual. Afinal, a poesia visual é uma síntese destes dois meios, e esta obra foca mais no aspecto visual do que verbal, tendo como palavras completas apenas as duas versões do título.

O til/h pequeno brinca com a própria origem do eñe espanhol. Originalmente, o fonema /
ɲ/ era representado pelo dígrafo “nn”, que representava um n longo em Latim. Já que pergaminho era um material bem escasso e caro na era medieval, escribas desenvolveram um sistema extenso de abreviações para certos dígrafos e palavras, que costumavam envolver ou colocar uma letra minúscula em cima de uma letra de tamanho normal, ou um acento, como o próprio til. Neste poema, o til/h faz referência a ambos os métodos. Ademais, o til/h parece o símbolo matemático “”, que significa “não é quase igual a”.

Há ainda uma estratégia de oralidade nesta obra: a brincadeira oral deste poema surge do fato de ambas as línguas pronunciarem o título da obra da mesma forma, apesar da grafia diferente: o eñe espanhol, e o dígrafo nh, que aqui representa o português. (Interessantemente, ele originalmente surgiu na lingua occitana, outra integrante da família românica, e mãe do trovadorismo.)

Além de representar o fenômeno do Portuñol/Portunhol de uma maneira concisa e memorável, o poema me fez pensar sobre como sua premissa, retratando as diferenças marcantes entre duas línguas irmãs, e como elas se misturam, poderia ser adaptada para outras línguas. Por exemplo, a língua russa tem pelo menos dois “portunhóis”: o
Surzhyk (mistura com o ucraniano) e a Trasianka (mistura com o bielorrusso).

Além disso, também me lembrei do Galego, a língua mais próxima ao português, descrita por muitos que a encontram pela primeira vez como “portunhol oficial”, ou “brasileiros tentando falar espanhol”. Embora o poema não tenha qualquer ligação proposital com esta língua, outra coincidência interessantíssima é o fato de ela usar tanto o ñ (representando o mesmo som que em espanhol) e o dígrafo nh (representando o som /
ŋ
/, o “ng” do inglês.)


Rafaela Albernaz



Rafaela Albernaz é aluna do curso de Letras da PUC-Rio, onde se destaca pelo seu amplo conhecimento linguístico e interesse encantador pelo mundo das palavras!

Bucólica, de Paulo Henriques Britto


Ordenhar as vacas
menores, mais fracas,
mais magras do pasto,

que dão o leite ralo
com que me regalo.
Das gordas me afasto:
a coisa que abunda,
é nauseabunda,
rançosa, nefasta.

O escasso, no entanto,
cabe no meu canto 
e basta.


Paulo Henriques Britto

domingo, 20 de julho de 2025

Um poema de Pedro Tostes


você é tão bela
quanto o balé das parabólicas
no céu de são paulo


Pedro Tostes

Latinoamérica — canção de Calle 13 ✊




Soy, soy lo que dejaron
Soy toda la sobra de lo que se robaron
Un pueblo escondido en la cima
Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima

Soy una fábrica de humo
Mano de obra campesina para tu consumo
Frente de frío en el medio del verano
El amor en los tiempos del cólera, mi hermano

El sol que nace y el día que muere
Con los mejores atardeceres
Soy el desarrollo en carne viva
Un discurso político sin saliva

Las caras más bonitas que he conocido
Soy la fotografía de un desaparecido
La sangre dentro de tus venas
Soy un pedazo de tierra que vale la pena

Una canasta con frijoles
Soy Maradona contra Inglaterra anotándote dos goles
Soy lo que sostiene mi bandera
La espina dorsal del planeta es mi cordillera

Soy lo que me enseñó mi padre
El que no quiere a su patria, no quiere a su madre
Soy América Latina
Un pueblo sin piernas, pero que camina, ¡oye!

Tú no puedes comprar al viento
Tú no puedes comprar al sol
Tú no puedes comprar la lluvia
Tú no puedes comprar el calor

Tú no puedes comprar las nubes
Tú no puedes comprar los colores
Tú no puedes comprar mi alegría
Tú no puedes comprar mis dolores

Tú no puedes comprar al viento
Tú no puedes comprar al sol
Tú no puedes comprar la lluvia
Tú no puedes comprar el calor

Tú no puedes comprar las nubes
Tú no puedes comprar los colores
Tú no puedes comprar mi alegría
Tú no puedes comprar mis dolores

Tengo los lagos, tengo los ríos
Tengo mis dientes pa' cuando me sonrío
La nieve que maquilla mis montañas
Tengo el sol que me seca y la lluvia que me baña

Un desierto embriagado con peyote
Un trago de pulque para cantar con los coyotes
Todo lo que necesito
Tengo a mis pulmones respirando azul clarito

La altura que sofoca
Soy las muelas de mi boca mascando coca
El otoño con sus hojas desmalladas
Los versos escritos bajo la noche estrellada

Una viña repleta de uvas
Un cañaveral bajo el sol en Cuba
Soy el mar Caribe que vigila las casitas
Haciendo rituales de agua bendita

El viento que peina mi cabello
Soy todos los santos que cuelgan de mi cuello
El jugo de mi lucha no es artificial
Porque el abono de mi tierra es natural

Tú no puedes comprar el viento
Tú no puedes comprar el sol
Tú no puedes comprar la lluvia
Tú no puedes comprar el calor

Tú no puedes comprar las nubes
Tú no puedes comprar los colores
Tú no puedes comprar mi alegría
Tú no puedes comprar mis dolores

Não se pode comprar o vento
Não se pode comprar o sol
Não se pode comprar a chuva
Não se pode comprar o calor

Não se pode comprar as nuvens
Não se pode comprar as cores
Não se pode comprar minha alegria
Não se pode comprar minhas dores

No puedes comprar el sol
No puedes comprar la lluvia
(Vamos caminando)
(Vamos caminando)
(Vamos dibujando el camino)
No puedes comprar mi vida (vamos caminando)
La tierra no se vende

Trabajo bruto, pero con orgullo
Aquí se comparte, lo mío es tuyo
Este pueblo no se ahoga con marullos
Y si se derrumba yo lo reconstruyo

Tampoco pestañeo cuando te miro
Para que te recuerde' de mi apellido
La Operación Cóndor invadiendo mi nido
Perdono, pero nunca olvido, ¡oye!

Aquí se respira lucha
(Vamos caminando) Yo canto porque se escucha
(Vamos dibujando el camino) Oh, sí, sí, eso
(Vamos caminando) Aquí estamos de pie
¡Qué viva la América!

No puedes comprar mi vida


Canção da banda Calle 13, composta por: Rene Perez / Eduardo Cabra / Rafael Ignacio Arcaute

Assista aqui ao clipe da música: Calle 13 - Latinoamerica - Clip no YouTube

O Jornal Plástico Bolha assina embaixo desse verdadeiro manifesto contra o totalitarismo colono-imperialista estadunidense que se abate até hoje sobre Nossa América. Liberdade e autonomia, sempre!