sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ciranda entre tangos

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Me desculpe o entusiasmo, mas não é todo dia que encontro alguém assim tão medido, cabido, perfeito; e agora já bem sei que não adianta fugir, fingir nesse verão tão repleto de fumaça e terças-feiras que você não existe nem olha pra mim.

À flor da pele, o tal fulano flautista ilustre experimenta cirandas e agudos para as tantas outras pernas que floreiam em roda, imundo o piso que gruda nos pés. Mesmo no salão cheio, estou um pouco sozinha; ensaio a cara de indiferença e já de prontidão aviso que não sei dançar: dois pra lá, dois pra cá; tem que soltar mais os ombros; segue meus passos; deixa que eu te levo. Prefiro sambar assim de longe; finge que não me toca. Desvio o olhar. Pode provocar que eu sou forte e madura e segura de si. Temos muito em comum; ele diz: “parece estranho mas, com licença, posso te beijar?”

É claro que prudente seria pedir logo um táxi, sacar a chave de casa, bater a porta do quarto de persianas, lençóis, abajur. Ligar o ar-condicionado, dormir de maquiagem, exausta, vazia e um pouco bêbada, como se nada nem ninguém pudesse ter tido a mínima ínfima chance de se aproximar um dia da minha heroica distância particular.

Em vez disso, pega meu telefone, recito afobada os oito números, repito para ter certeza, pode ser que ele ligue, quem sabe marcamos uma praia, vamos ao teatro, ao cinema, à ópera, ao raio que o parta; ou então não liga nunca mais, pediu por capricho, foi apenas solícito, estava sendo bem-educado.

Esquece, eu sou só uma trepada em potencial, sou qualquer uma, sou fácil demais. Quando precisar, me dá um toque que eu caio direitinho. Pensa que me engana? Cantarola um tango antigo; tem tristezas, nostalgias da Argentina. Ele parece tão sensível... Olha pra mim; eu pareço entusiasmada? Não, não fala. Me abraça outra vez daquele jeito. Espera, eu mal te conheço. Pensando bem, tenho sono; já são cinco da manhã: você pode me deixar na Gávea?
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Constanza De Córdova
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2 comentários:

Tânia Tiburzio (TT) disse...

Gostei muito do texto, muito mesmo. Parabéns!

Carla Guedes disse...

Me desculpe o entusiasmo, mas não é todo dia que encontro um texto assim tão medido, cabido, perfeito...