De quando em quando aquele tédio extrapolava qualquer
limite. Vez em vez – logo no começo – ele dizia “te amo”, sem nenhuma
parcimônia. Desconfiava daquela histeria com toques de cavalheirismo que,
todavia, sempre circulavam qualquer atitude exata e sem falhas. Mas de qualquer
modo, o raspar daquele pecado, daquela fingida acomodação com toda e qualquer
suposição e agrados pacificavam e aquietavam os dois, que sem nenhuma
estranheza ou estremecimento se aguilhavam sem saber o por que.
Ela e o cão beiravam um silêncio enorme. A extravagância de
uma saudade sem fagulhas. E pouco importaria se Ian dobrasse a esquina cheio de
flores e beijo fresco. Sua necessidade consistia em observar a passagem das
horas, dia após dia, noite após noite. Como se naquela doentia espera, a
angustia trouxesse cheio de vontades àquilo que nela também fluía. A ânsia
arruinava qualquer forma regular de sua lembrança. Seu único alívio físico eram
aqueles sorvetes coloridos e de certo modo elétricos que comprava naquela
sorveteria da pracinha.
De cabelos flamejantes, mal entendia que, naquelas horas
tudo se expandia. O corpo se auto-contornando como quem descobre ali, o jeito
de não vacilar. Ele, Jacob, latia. Latia, cão sem sarna, pêlo escovado, dentes
brilhantes como sol. A menina nem olhava, porque todo esse rebuliço? Não
acabou. Esvoaçava os cabelos ao voltar pra casa, os dois. A menina e Jacob.
Apanhava da tristeza, calcava todo espaço vazio da sala que
nem móveis tinha e no meio daquela indulgência que só as apaixonadas sabem ter.
Mesmo depois de estar acessa há dois dias e ter esfriado a cabeça no salão de
beleza, como se isso fosse realmente um prêmio por competência, fidelidade e
amor próprio, ele liga.
Depois de passar duas manhãs jogando bolinha pro totó,
passa-repassa e começar a noite com aquele negócio de fazê-los bêbados e
embebedar-me e terminar com dia raiando numa revanche motivada por ódio quase
mortal a 120 km por hora no banco carona do melhor amigo, ela atende.
Seu rosto, até então, de menina, se tornara mais que de
imediato uma exclamação, mas não antes de se desmanchar inteiro e corar.
Sensação de triunfo, seu peito dizia. O cãozinho ainda latia e chegando do
outro lado do mundo, ele dizia entre um “meu amor” e outro “ainda sinto seu cheiro”
e como se fosse tão correto falar abertamente:
- O que faria se nunca mais nos víssemos?
Mas como um caçador, que ronda durante toda madrugada
a procura de alguém para amar, hesitava na mais obscura profundidade e sem
frivolidades, o jogo a partir daquele instante começava. Sustentaria nas noites
de bebedeira esse amor? Melhor perguntar, sustentaria nas manhãs de ressaca,
sob o mesmo teto, todo amor?
Juliana Vallim
Juliana Vallim é nossa leitora-colaboradora de Belo Horizonte - MG.
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