segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Os latidos de Jacob


De quando em quando aquele tédio extrapolava qualquer limite. Vez em vez – logo no começo – ele dizia “te amo”, sem nenhuma parcimônia. Desconfiava daquela histeria com toques de cavalheirismo que, todavia, sempre circulavam qualquer atitude exata e sem falhas. Mas de qualquer modo, o raspar daquele pecado, daquela fingida acomodação com toda e qualquer suposição e agrados pacificavam e aquietavam os dois, que sem nenhuma estranheza ou estremecimento se aguilhavam sem saber o por que.

Ela e o cão beiravam um silêncio enorme. A extravagância de uma saudade sem fagulhas. E pouco importaria se Ian dobrasse a esquina cheio de flores e beijo fresco. Sua necessidade consistia em observar a passagem das horas, dia após dia, noite após noite. Como se naquela doentia espera, a angustia trouxesse cheio de vontades àquilo que nela também fluía. A ânsia arruinava qualquer forma regular de sua lembrança. Seu único alívio físico eram aqueles sorvetes coloridos e de certo modo elétricos que comprava naquela sorveteria da pracinha.

De cabelos flamejantes, mal entendia que, naquelas horas tudo se expandia. O corpo se auto-contornando como quem descobre ali, o jeito de não vacilar. Ele, Jacob, latia. Latia, cão sem sarna, pêlo escovado, dentes brilhantes como sol.  A menina nem olhava, porque todo esse rebuliço? Não acabou. Esvoaçava os cabelos ao voltar pra casa, os dois. A menina e Jacob.

Apanhava da tristeza, calcava todo espaço vazio da sala que nem móveis tinha e no meio daquela indulgência que só as apaixonadas sabem ter. Mesmo depois de estar acessa há dois dias e ter esfriado a cabeça no salão de beleza, como se isso fosse realmente um prêmio por competência, fidelidade e amor próprio, ele liga.

Depois de passar duas manhãs jogando bolinha pro totó, passa-repassa e começar a noite com aquele negócio de fazê-los bêbados e embebedar-me e terminar com dia raiando numa revanche motivada por ódio quase mortal a 120 km por hora no banco carona do melhor amigo, ela atende.

Seu rosto, até então, de menina, se tornara mais que de imediato uma exclamação, mas não antes de se desmanchar inteiro e corar. Sensação de triunfo, seu peito dizia. O cãozinho ainda latia e chegando do outro lado do mundo, ele dizia entre um “meu amor” e outro “ainda sinto seu cheiro” e como se fosse tão correto falar abertamente:

- O que faria se nunca mais nos víssemos?


 Mas como um caçador, que ronda durante toda madrugada a procura de alguém para amar, hesitava na mais obscura profundidade e sem frivolidades, o jogo a partir daquele instante começava. Sustentaria nas noites de bebedeira esse amor? Melhor perguntar, sustentaria nas manhãs de ressaca, sob o mesmo teto, todo amor?

Juliana Vallim


Juliana Vallim é nossa leitora-colaboradora de Belo Horizonte - MG. 

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