3 da manhã. A polícia surge como um bando robótico, andando
em uma calma formação de quem segue as ordens sem pensar, sem sentir. Não, não
para pra pensar. É só manter o movimento, um, dois, um dois. Enquanto isso,
famílias inteiras correm pra salvar o que restou das suas vidas. É, não sobrou
casa, não sobrou teto. Não sobrou praticamente nada. Só o medo. O medo e a
vontade de vencer.
O que eu vi na madrugada de sexta foi uma covardia sem
tamanho. Sem. Tamanho. Dava pra ouvir o choro e os gritos das crianças. Vinde a
mim as criancinhas, não era isso que Jesus dizia? Mas hoje Jesus morreu. E seus
filhinhos não têm pra onde ir. As pessoas correram para o ponto de ônibus.
Queriam ir embora, vamos fugir, aqui não dá pra ficar. Elas iam embora. Pra
onde iam? Que diferença faz? O que conta é que estavam deixando o cenário. A
digníssima prefeitura. Um prédio: tijolos, vidros e tinta – protegidos por
dezenas de guardas. Noventa pessoas: sangue, pernas, amor e lágrimas – atacados
e perseguidos por dezenas de policiais. E essas pernas não têm pra onde ir.
Elas têm que ir embora, estão sendo expulsas, não te querem, saiam! Mas não
podem ir, não deixam que vão. São perseguidas, não acaba, corre, corre, me
deixem em paz, deixem elas em paz, só querem ir embora, por que não nos deixam
em paz. Corre, viciado, corre, vagabundo. Um riso de deboche, uma bomba de
ameaça, um, dois, não pensa, não pensa, um, dois.
Elas não podem ir, não podem fugir, vamos, parem de existir.
Respira fundo, pra dentro e pra fora. Vai pro céu, vagabundo, deixa de existir.
Teu mundo não é esse, vai pro reino de Deus, e Jesus, o morto, o pobre, o
subversivo, o perseguido, o excluído, ele que te acolha.
Horas de perseguição. Pessoas chorando, com medo, com frio,
com sede. Perambulando pela cidade escura e inóspita. Essa cidade que só quer
cuspi-las. A peregrinação, uma caminhada sem fim, segura tua cruz, vai, segue,
não cai, não cai. Chegamos ao destino, a casa de Deus, aqui hão de te acolher,
vai, não cai. Mas a casa de Deus fecha as portas. Não ficaram sabendo, a Paixão
de Cristo foi cancelada. Não há Paixão e não há Cristo na Igreja do Rio de
Janeiro, ela vê os necessitados e lhes fecha as portas. Vai, anda, aqui não é
teu lugar. Não, essa não é a morada de Cristo, não vê, ele está lá fora,
acampado no pátio. Cristo está ali de novo na cruz, ainda sendo perseguido. A
Igreja fechou as portas para ele e sua Paixão. Cristo está desabrigado.
Bruna de Lara
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