segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Greve geral


O dia amanheceu azul.
Ela deixou a chaleira apitando e desapareceu.
Ou, partindo de outra interpretação,
Tanto a evocaram que
Brevemente acreditou-se em sua existência.
O monarca desnudo se fingiu atônito em horário nobre
Convocou os seus ministros tal qual o técnico sua seleção
E vendeu o mar e penhorou o céu para arrecadar fundos
Em suposta diligência pela moça cujo nome ele tantas vezes errou
Na nação a submissão tosca deu lugar ao entusiasmo débil
Que deu lugar ao existencialismo de botequim
Que precedeu o grito rouco da máquina
E a melancólica procissão dos bêbados tristes que já não lembravam quem se fora
Mas há certos elementos atemporais
E cada filete de sangue que escorria nos becos tateava cegamente à sua procura,
Serpenteava pelo chão em uma súplica instintiva
Até pintar toda a cidade de vermelho
Até quase pintar todo o tempo em tons de esquecimento
Acontece que a imortalidade é uma manobra semântica
Um truque de baralho
E o inconteste é que ela sumiu aos poucos
Desaparecendo por entre as rachaduras da vida cotidiana
Se dissolveu em uma manchete de jornal
Navegara à deriva pelas medidas provisórias
Enfim buscou refúgio na memória do aroma de café
E hoje se esconde na euforia dos loucos

Arthur Maurício Rodrigues

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