segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Um dedinho de prosa


Consta em muitas gramáticas e livros didáticos, de maneira muito discreta e sem riqueza de exemplos, que o sufixo –inho/a não serve só para formar o diminutivo das palavras em português, ou seja, indicar o tamanho dos seres ou das coisas. Percebe-se, claramente , que quando se diz “fulano está vivinho da silva”, “aquela mulherzinha fez um escândalo” ou “você é o meu benzinho” não nos referimos ao tamanho ou à proporção do adjetivo/substantivo, estamos sim acrescentando a ideia de intensificação, pejoratividade e afetividade aos vocábulos vivo, mulher e bem. Estar vivinho não é simplesmente estar vivo, é estar surpreendentemente vivo. Aquela mulherzinha é uma pessoa desqualificada por algum motivo. E o benzinho, se trocado por “meu bem”, pode até ganhar uma conotação irônica, dependendo da intencionalidade envolvida na escolha de uma ou outra palavra.

Se você já desconfiava que quando um atendente lhe pede “só um minutinho, senhor” é porque a espera será longa; que o “jeitinho brasileiro” não se trata apenas de uma pequena característica da nossa cultura, mas quase uma regra de comportamento, ou que um “rapaz bonitinho” pode ser feio, mas arrumadinho, você está rondando o âmago da questão. Com certeza, já usou no seu cotidiano o grau diminutivo para atenuar uma mentirinha, desprestigiar alguma coisa ou até ironizar alguém. Isso porque as possibilidades de emprego são inúmeras, estão muito presentes nos nossos hábitos linguísticos e variam de acordo com a intenção, o efeito desejado ou a manifestação de uma emoção do falante.

Esse poderoso recurso de linguagem está intimamente ligado ao contexto, por isso, cuidado ao inserir o –inho/a deliberadamente no final de uma palavra, pois você pode provocar surpresas desagradáveis, confusão ou ser mal interpretado. Se espera ganhar um automóvel novinho, não diga que vai ficar feliz com um carrinho novo, pois pode ser que se decepcione com o presente. Se vai se ausentar do trabalho por um bom tempo, não fale que vai dar uma saidinha rapidinha. Seu chefe pode ficar bravo. Ao sair para fazer umas comprinhas, não retorne com dez sacolas, a menos que seja você a titular do cartão de crédito.

Esse emprego corriqueiro, esse modo de falar, já provou que não tem muito compromisso com a realidade dos fatos, mas ainda assim pode produzir um efeito de sentido diverso do pretendido e deixar o seu interlocutor, no mínimo, descontente, mas só um bocadinho, ou cadinho, à moda lusitana. O ideal é saber manejar mais esse fantástico mecanismo da língua portuguesa a seu favor e de acordo com a intenção pretendida. E caso você perceba que está usando pombinhos, vaquinha e peixinho sem significar animais de tamanho pequeno, é porque há ainda outros valores atribuídos ao sufixo –inho/a, diferentes do que tratamos até aqui. Mas isso fica para um próximo textinho...

Andréa Carvalho




Andréa é formada em Letras pela UFRJ, pós-graduada em Língua Portuguesa no Liceu Literário Português e professora da rede pública. É autora do livro "50 Dias Letivos".

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom o seu texto, obrigado pela informação

Lucia Roberta Mello disse...

Ah sim, o ser humano é um produtor de disfarces; na conduta, na aparência e na fala. Nós, brasileiros, nos especializamos nas falas com segundas intenções. E se nos servem os sufixos, por que não aproveitá-los? Muito bem colocado Andréa!