sábado, 14 de março de 2009

A vizinha do 402, um texto de Marina Sena

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Fui à praia, como sempre costumo fazer, logo pela manhã, aproveitando que ainda estava vazia. Havia apenas algumas poucas pessoas, que, como eu, não gostavam do alvoroço que é a praia mais tarde.
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Algumas delas estavam sentadas olhando o horizonte, outras caminhando à beira-mar. E tudo estava como sempre costumava ser. A não ser por uma só coisa: a vizinha do 402. Ela nunca ia à praia, então porque o teria feito naquele dia? Ninguém sabe. O fato é que ela estava lá, sozinha e quieta.
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A gente se conhecia apenas de se cumprimentar às vezes, bem vagamente. Nunca soube muito sobre ela, pois sempre foi muito reservada, mas sei que é estrangeira e tinha uma loja de perfumes no bairro mesmo. Na verdade, isso de ela ser estrangeira era uma coisa que logo se via. Era muito branca, de olhos claros, bonita, e com um sotaque inglês inconfundível que notei nas raras ocasiões em que me cumprimentava.
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Morava sozinha no 402, e pra dizer a verdade, eu não sabia nem mesmo seu nome, mas tinha certeza que ela era do 402. Lembro-me de que morava com um rapaz, mas acabaram se separando. Dizem que foi porque ela o encontrou com uma amante, mas não se sabe bem, foi apenas o que me disseram.
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Ninguém sabe também o que a levou morar aqui no Rio. Dizem os vizinhos que foi para abrir a tal loja de perfumes, mas na verdade isso era um mistério tão grande quanto o motivo que a levou ir à praia naquela manhã.
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Estava deitada, com uma perna esticada e outra dobrada, com seus óculos escuros, quando resolveu dar um mergulho. Entrou no mar, na água fria que devia estar naquele dia e depois de uma ou duas ondas, saiu, linda de ver.
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O sol a iluminava toda revestida de água que refletiam a luminosidade do sol, e de repente ela tornou-se tudo o que havia de mais belo naquela praia. Nada era tão lindo de se apreciar. Nem o Cristo, o mar, as montanhas, nem os pássaros, que voavam leves e majestosos. As ondas se congelaram no azul do céu, e os pássaros ficaram suspensos por algo invisível. Tudo, por um instante, parou, enquanto ela, uma sereia, saía do mar.
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Fulgurante que só, sem mesmo o saber, pôs sua canga florida e, ainda molhada, com os cabelos belos e despenteados, veio caminhando pela praia, e passou bem ao meu lado, me olhou e disse com seu sotaque inglês:
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— Bom dia!
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Imaginei tantas coisas para dizer a ela. Talvez devesse perguntar seu nome, ou dizer o quanto era linda, mas de repente algo em mim gelou as palavras que eu organizava em minha mente e me limitei apenas a lhe responder:
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— Bom dia!
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Ela foi andando, atravessou a rua, para o mesmo prédio em que eu morava, entrou pela portaria e, em alguns minutos, eu já não a avistava mais. Desde então, para meu desapontamento, nunca mais a vi na praia logo de manhãzinha.
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Por algum tempo, sempre que pela manhã ia à praia, esta me parecia deserta e eu procurava pela minha vizinha, mas ela não aparecia.
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Sempre que a via, não murmurava mais do que um “bom dia”, tímido e moço que eu era. Ela jamais soube que naquela manhã agraciou com sua beleza, o seu vizinho do 102.
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Agora ela nem é mais minha vizinha. Dizem que voltou para Europa.
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De tudo, é certo que depois daquela manhã, sempre esperava sua presença, e a praia ficava deserta sem ela. Eu já devia saber que ela não voltaria mais naquela mesma hora e na naquela mesma praia, afinal ela nem costumava ir... Devia ter adivinhado que tudo foi uma feliz coincidência. Mas sempre me recordo dela, linda de ver, saindo do mar.
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Marina Sena
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